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A desistência de recurso especial repetitivo representativo da controvérsia: o entendimento do STJ

Rodrigo G. de Freitas Pombo

O direito à desistência do recurso interposto encontra previsão no Código de Processo Civil. Todavia, reconhece-se que há hipóteses em que esse direito comporta restrições.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Atualizado em 15 de outubro de 2010 12:02


A desistência de recurso especial repetitivo representativo da controvérsia: o entendimento do STJ

Rodrigo G. de Freitas Pombo*

1. Introdução

O direito à desistência do recurso interposto encontra previsão no CPC. Todavia, reconhece-se que há hipóteses em que esse direito comporta restrições.

O presente artigo visa a expor o entendimento do STJ a respeito da desistência de recurso especial repetitivo selecionado como representativo da controvérsia (art. 543-C do CPC). Trata-se de um problema novo, em relação ao qual a doutrina ainda não dedicou a devida atenção.

2. O direito à desistência

O art. 501 do CPC contempla a possibilidade de o recorrente desistir do recurso interposto. Trata-se de direito que pode ser exercitado a qualquer tempo (em geral, admite-se a desistência manifestada até o início do julgamento) e independentemente da anuência do recorrido ou dos litisconsortes.

A desistência expressa pode ser total ou parcial (se possível a divisão da matéria do recurso), e torna o recurso inexistente na medida da manifestação. O exercício de tal prerrogativa pelo advogado depende de procuração com poderes especiais.

Ademais, conforme aponta a doutrina, a desistência independe "de homologação judicial para produzir efeitos. E isso porque os atos praticados pelas partes produzem efeitos imediatos (CPC, art. 158), somente necessitando de homologação para produzir efeitos a desistência da ação (CPC, art. 158, parágrafo único), e não a desistência do recurso." (Fredie Didier Jr. e Leonardo José Carneiro da Cunha, Curso de Direito Processual Civil, vol. 3, 6ª ed. Jus Podivm, Salvador, 2008, p. 38).

Todavia, conforme ensina Barbosa Moreira, "a desnecessidade de homologação judicial não significa exclusão de toda e qualquer atuação do juiz (ou do tribunal). É óbvio que há de se conhecer do ato e exercer sobre ele o normal controle sobre os atos processuais em geral. (...) toda a eficácia remonta à desistência, cabendo tão-só ao juiz ou ao tribunal apurar se a manifestação de vontade foi regular e - através de pronunciamento meramente declaratório - certificar os efeitos já operados." (Comentários ao Código de Processo Civil, vol. V, 14ª ed. Forense, Rio de Janeiro, 2008, p. 334-335).

O Regimento Interno do STJ (art. 34, inc. IX) estabelece a competência do relator do recurso para "homologar as desistências, ainda que o feito se ache em pauta ou em mesa para julgamento."

3. A possibilidade de desistência de recurso especial representativo da controvérsia: o entendimento do STJ

A questão da possibilidade de desistência ganha relevo quando se trata de recurso especial paradigma, selecionado pelo tribunal de origem para servir de modelo representativo da controvérsia, nos termos do art. 543-C do CPC.

De acordo com o procedimento relativo ao julgamento de recursos repetitivos, cabe ao tribunal de origem selecionar um ou mais recursos representativos da controvérsia, encaminhando-os ao STJ para julgamento (CPC, art. 543-C, §1º). Os demais recursos com idêntica questão de direito devem permanecer suspensos nos tribunais de origem, até o julgamento dos recursos selecionados.

Não sendo eleito um recurso pelo presidente do tribunal de origem, compete ao ministro relator do STJ determinar a suspensão dos recursos nos tribunais de origem, quando identificar que sobre a matéria versada em determinado recurso especial já há jurisprudência dominante ou que a matéria já está afetada ao colegiado (§2º).

Em ambos os casos, elege-se um ou mais recursos representativos, cujo resultado do julgamento vinculará o julgamento dos demais recursos com idêntico fundamento.

O STJ enfrentou a questão da possibilidade de desistência de recurso especial afetado ao julgamento por amostragem (Questão de Ordem no REsp n. 1.063.343-RS). O caso concreto envolvia pedido de desistência formulado por banco em recurso especial que versava sobre a legalidade ou não da cláusula que, em contratos bancários, prevê a cobrança da comissão de permanência na hipótese de inadimplência do consumidor.

Por maioria, decidiu-se que a parte não tem o direito de desistir do recurso selecionado para representar a controvérsia.

Confira-se a ementa do acórdão:

"Processo civil. Questão de ordem. Incidente de Recurso Especial Repetitivo. Formulação de pedido de desistência no Recurso Especial representativo de controvérsia (art. 543-C, § 1º, do CPC).

Indeferimento do pedido de desistência recursal.

- É inviável o acolhimento de pedido de desistência recursal formulado quando já iniciado o procedimento de julgamento do Recurso Especial representativo da controvérsia, na forma do art. 543-C do CPC c/c Resolução n.º 08/08 do STJ.

Questão de ordem acolhida para indeferir o pedido de desistência formulado em Recurso Especial processado na forma do art. 543-C do CPC c/c Resolução n.º 08/08 do STJ."

(Corte Especial, QO no REsp 1.063.343/RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJe de 04/06/2009).

Reputou-se que deve prevalecer o interesse coletivo de ter sanada a controvérsia em detrimento do interesse individual do recorrente de desistir do recurso. Segundo esse entendimento, o direito de dispor do interesse recursal frustraria o interesse da coletividade, representado pela necessidade de ser solucionada a questão levada ao exame do Tribunal.

De acordo com o voto da Ministra relatora, o direito de desistir do recurso paradigma cede à garantia da razoável duração do processo (art. 5, inc. LXXVIII, da Constituição), conferido a todos os envolvidos nos processos com idêntica controvérsia. Entendeu-se ainda que a possibilidade de desistir do recurso, nesses casos, pode servir como mecanismo para protelar a definição da questão de direito, em ofensa ao dever de lealdade processual.

Consignou-se que "não se pode olvidar outra grave conseqüência do deferimento de pedido de desistência puro e simples com base no art. 501 do CPC, que é a inevitável necessidade de selecionar novo processo que apresente a idêntica questão de direito, de ouvir os amici curiae, as partes interessadas e o Ministério Público, oficiar a todos os Tribunais do país, e determinar nova suspensão, sendo certo que a repetição deste complexo procedimento pode vir a ser infinitamente frustrado em face de sucessivos e incontáveis pedidos de desistência."

Reputou-se que a possibilidade de haver desistências reiteradas, de modo a postergar o julgamento da questão inviabiliza a aplicação do art. 501 do CPC. No entanto, o entendimento pela impossibilidade de desistência se aplica também nas hipóteses em que o recorrente não integra vários processos com idêntica controvérsia. Aplicou-se esse entendimento em casos em que o pedido de desistência foi formulado por parte que compõe apenas o processo afetado ao julgamento por amostragem, do qual se pretendia desistir (1ª Seção, REsp 1.129.971/BA, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 10/03/2010). Ou seja, de acordo com o entendimento do STJ, a impossibilidade de desistir do recurso pode derivar tão-somente da "prevalência do interesse da coletividade".

No corpo do acórdão, consignou-se que "a recorrente pede a desistência do recurso para fazer jus a benefício fiscal instituído pelo art. 3º, da MP 470/2009 e pelo art. 1º, da lei 11.941/2009, por exigência expressa do art. 6º desta última, in verbis: Sendo assim, a intenção, em princípio, é o pagamento do próprio débito discutido, de modo que não é possível caracterizar a ofensa ao dever de lealdade processual. No entanto, subsiste a prevalência do interesse da coletividade sobre o interesse individual do recorrente quando em julgamento de causas submetidas ao rito do art. 543-C, do CPC, de modo que voto pelo INDEFERIMENTO do pedido de desistência. Contudo, pelo contexto apresentado, seria de todo louvável que de tal indeferimento não fosse extraída a conseqüência de impedir a contribuinte de usufruir os benefícios fiscais visados, visto que a ausência da desistência e da renúncia acontece contra a sua vontade expressamente manifestada nos autos. A observação aqui é feita apenas a título de recomendação para a FAZENDA NACIONAL".

Quanto ao julgamento da Questão de ordem, inicialmente, a Ministra relatora votou pela postergação da homologação da desistência. Manifestou-se pelo julgamento do recurso amostra, com a análise da questão posta e a fixação do precedente, porém com a posterior homologação da desistência.

No entanto, prevaleceu o entendimento do Ministro Nilson Naves, que votou pelo indeferimento do pedido de desistência, sob os mesmos fundamentos invocados pela relatora.

Por outro lado, foi vencido o Ministro João Otávio de Noronha. Segundo ele, na medida em que o recurso é selecionado por razões alheias ao controle da parte recorrente, esta não poderia ser prejudicada com a impossibilidade de desistir, sob pena de ofensa ao art. 501 do CPC.

O entendimento adotado nos precedentes acima citados foi reiterado posteriormente pelo STJ em diversas ocasiões (por todos, veja-se: 1ª Seção, REsp 1.111.148/SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe21/05/2010).

4. Conclusão

De acordo com o entendimento do STJ, a escolha de determinado recurso especial repetitivo como representativo da controvérsia impede que o recorrente disponha do seu interesse recursal, por reputar que deve prevalecer o interesse da coletividade de ter solucionada a questão de direito objeto dos processos repetitivos sobre o interesse individual do recorrente. Além disso, o STJ entende que, em alguns casos, o exercício do direito de desistência pode servir como mecanismo de protelar o julgamento da questão, o que consistiria em mais um motivo para impedir que o recorrente desista de seu recurso.

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  • Bibliografia

POMBO, Rodrigo Goulart de Freitas. A desistência de recurso especial repetitivo representativo da controvérsia: o entendimento do STJ. Informativo Justen, Pereira, Oliveira e Talamini, Curitiba, n.º 43, setembro de 2010, disponível em https://www.justen.com.br//informativo.php?informativo=43&artigo=472, acesso em 14/10/2010.

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*Advogado do escritório Justen, Pereira, Oliveira & Talamini Advogados Associdos

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