O novo CPC e a experiência italiana: o caso de uma novidade que nasce já ultrapassada
O Senado está discutindo o PL 166/10, que pretende instituir um novo CPC no Brasil. Conforme apontou o Ministro Luiz Fux, que presidiu os trabalhos que deram ensejo ao anteprojeto, "este novo CPC tem o potencial de tornar os processos mais céleres".
sexta-feira, 15 de outubro de 2010
Atualizado em 14 de outubro de 2010 13:45
O novo CPC e a experiência italiana: o caso de uma novidade que nasce já ultrapassada
Fernando Dantas M. Neustein*
Daniele Vecchi*
O Senado está discutindo o PL 166/10 (clique aqui), que pretende instituir um novo CPC (clique aqui) no Brasil. Conforme apontou o Ministro Luiz Fux, que presidiu os trabalhos que deram ensejo ao anteprojeto, "este novo CPC tem o potencial de tornar os processos mais céleres".
O artigo 314 do PL 166/10 permite ao autor alterar o pedido e a causa de pedir até a sentença, desde que o faça de boa-fé, respeitado o contraditório. Trata-se de significativa mudança se comparada à lei processual vigente, segundo a qual ao autor é defeso alterar o pedido e a causa de pedir sem o consentimento do réu, e nunca após o saneamento do processo.
Tendo em vista que algumas das mudanças propostas no Projeto inspiraram-se na lei italiana, como se infere da Exposição de Motivos subscrita pelo Ministro Luiz Fux em 8/6/10, é interessante verificar de que maneira esta questão específica foi enfrentada naquele país, e eventualmente aprender lições que o estudo comparado do Direito possa oferecer.
O atual CPCI - Código de Processo Civil Italiano data de 1940. Suas disposições sobre o direito da parte de emendar seu pleito, bem como os termos para o exercício desse direito, foram substancialmente alterados em 1950. De acordo com o artigo 189 do CCPI, conforme redação que lhe foi dada em 1950, à parte era dado modificar o pedido até a última audiência do processo antes de proferida a sentença. As Cortes Italianas interpretavam extensivamente esse dispositivo, permitindo às partes que propusessem também novas objeções e apresentassem novas provas e documentos até o julgamento da causa.
Em 1990, o Parlamento Italiano aprovou a lei 353/1990, chamada "ações urgentes para acelerar os processos cíveis". A reforma foi impulsionada por um sentimento geral de inadequação do CCPI, então visto como um "instrumento de procrastinação da garantia dos direitos". O artigo 189 foi apontado como um dos responsáveis pela duração excessiva dos processos. O dispositivo, então, foi alterado, impedindo-se as partes de modificar o pedido após a primeira audiência. A exposição de motivos da reforma de 1990, de autoria dos Senadores Acone e Lipari, indicou as seguintes razões para o estabelecimento de termos restritivos à modificação do pedido:
investir maior "responsabilidade" às partes (i.e. evitar práticas protelatórias);
separar a fase processual introdutória da probatória;
garantir que a discussão acerca do mérito se iniciasse após a primeira audiência.
O Conselho Superior de Juízes Italianos, solicitado a se manifestar sobre a proposta de reforma do CCPI em 1988 e 1989, destacou que o direito das partes de alterar o pedido resultou em processos com "objetos incertos". A principal conseqüência disso foi o tolhimento do papel efetivo do juiz no processo, já que indefinido o seu fim. Em outras palavras, o juiz seria um expectador nos processos até a audiência para os pleitos finais. O Conselho Superior salientou, ainda, que o dispositivo então em vigor não exigia o litígio "responsável", já que as partes poderiam aguardar até a audiência para introduzir um elemento novo e decisivo, frustrando, assim, a utilidade das atividades realizadas na causa até aquele momento.
Portanto, o mecanismo ora considerado inovador no Brasil já foi testado - e desaprovado - no país cuja lei processual tem servido de inspiração aos estudiosos brasileiros. Mais: as razões invocadas pelos legisladores italianos para suprimir a norma equivalente àquela que o PL 166/10 pretende introduzir no Brasil são precisamente aquelas que o Ministro Fux tem enfatizado reiteradamente como motivação principal do novo Código: garantir a celeridade dos processos.
Em suma: na Itália, a possibilidade de se alterar o pedido e a causa de pedir até a última audiência antes do julgamento do caso provou-se ineficiente, causando morosidade em lugar de promover celeridade ao trâmite processual. Como consequência, os legisladores italianos revogaram esta norma, instaurando um parâmetro mais rígido.
Dada a influência da experiência italiana no delineamento do PL 166/2010 e considerando que o artigo 314 deste Projeto busca introduzir no sistema legal brasileiro uma norma ainda mais radical que a sua predecessora italiana revogada (o autor seria autorizado a alterar ambos, o pedido e a causa de pedir, até que o caso fosse decidido), acreditamos que esta experiência estrangeira deva ser levada em consideração pelos Senadores brasileiros durante a discussão do projeto de lei, em nome da prudência. A mudança proposta pode não ser tão benéfica quanto se espera. Inteligente é aprender com os próprios erros, mas sábio é aprender a partir de erros alheios.
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*Sócio do escritório Mattos Muriel Kestener Advogados
*Sócio do escritório Gianni, Origoni, Grippo & Partners, com sede em Milão
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