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Quais os destinos do Law and Economics nos Estados Unidos em meio à crise?

Os Estados Unidos viveram um intenso debate na década de 70 do século XX. "Livre" (entre aspas, pois isso não é necessariamente bom, nem ruim) das amarras do dogmatismo e do positivismo jurídico provocado pelo realismo jurídico de Holmes, o circuito acadêmico daquele país pôde pensar mais livremente sobre o "fenômeno" jurídico, a partir de diversas lentes.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Atualizado em 6 de outubro de 2010 13:26


Quais os destinos do Law and Economics nos Estados Unidos em meio à crise?

Luciano Benetti Timm*

Os Estados Unidos viveram um intenso debate na década de 70 do século XX. "Livre" (entre aspas, pois isso não é necessariamente bom, nem ruim) das amarras do dogmatismo e do positivismo jurídico provocado pelo realismo jurídico de Holmes, o circuito acadêmico daquele país pôde pensar mais livremente sobre o "fenômeno" jurídico, a partir de diversas lentes (sociológicas, políticas, econômicas e cada qual destas, sob o ângulo de diversas vertentes). A bem da verdade, Direito lá nunca foi separado da Política (pelo menos naquele sentido de corte epistemológico kelseniano - tanto é verdade que juízes são eleitos e ministros da Suprema Corte são nomeados, a partir de uma plataforma e ideologia política).

Pois bem, provavelmente o debate mais vigoroso foi entre a escola do Law and Economics - cuja semente era coasiana, mas foi divulgada como ninguém por R. Posner de Chicago - e a Critical Legal Studies de Harvard - cujos maiores expoentes eram D. Kennedy e Mangabeira Unger.

Aquela discussão travada por mais uma década nos Estados Unidos rendeu um reconhecimento do próprio Professor Unger em um texto de finais da década de 80 do século passado de que o Law and Economics se tornara o mais bem sucedido método de abordagem jurídica naquele país.

E por que ela foi tão bem sucedida nos Estados Unidos da América?

Por seu pragmatismo. A análise econômica do Direito centra-se na discussão dos efeitos mensuráveis das decisões judiciais (e legais em menor escala). Por meio de um método científico, permite analisar a eficiência e a eficácia das leis e das decisões à luz de como as pessoas se comportam a partir de incentivos do sistema legal. Ela foi capaz de explicar em diversos campos do ordenamento jurídico - como no direito societário, na responsabilidade civil e na propriedade - a conformação das instituições jurídicas vigentes naquele país. Foi inicialmente e antes de tudo, portanto, explicativa, e não normativa. E o Critical Legal Studies não tinha o mesmo poder descritivo das instituições legais daquele país.

Foi inclusive nessa disputa entre Posner com os autores do Critical Legal Studies, que o Law and Economics recebeu, no Brasil, o apressado chavão de "movimento neo-liberal", muito embora, como o rival (no sentido paradigmático-científico), trate-se de uma matriz teórica que abarca várias tendências e diversos enfoques.

E por que o Law and Economics não se espalha na Europa com a mesma intensidade?

Basicamente porque, na Europa, a tradição dogmática é mais forte e há, portanto, mais resistência à utilização de métodos empíricos e quantitativos no Direito. Os movimentos realistas como os de Erlich na Alemanha e de Geni na França não tiveram o mesmo êxito no passado que o de Holmes nos EUA.

E qual o futuro do Law and Economics nos Estados Unidos em meio à crise?

Se o Law and Economics for considerado dentro da perspectiva realista de que se trata de um método de análise de problemas jurídicos e não um a priori ideológico contra regulação estatal, pode-se imaginar que ela não será superada por outro paradigma "externo", em curto espaço de tempo pelo menos.

O que tende a acontecer é que em razão da crise, os olhos se voltem empiricamente para as falhas de mercado e para algumas situações enfrentadas na prática, não descritas corretamente pelos modelos teóricos atuais.

Exemplificativamente, já há algum tempo que o então Professor de Chicago Cass Sustein vinha criticando as premissas de racionalidade do consumidor (behavioral law and economics). Akerlof também identificou o problema da assimetria de informações, que poderia afetar contratantes. Mas essas são mais um refinamento paradigmático, do que rupturas com o modelo.

De outra parte, muito da crise poderia ser explicada pela análise econômica do Direito. Sua perspectiva da ação auto-interessada dos agentes permitiria predizer que o latente conflito de interesses entre acionistas e administradores de empresas e mesmo entre administradores e stakeholders poderia gerar prejuízos ao mercado, caso os incentivos fossem favoráveis à tomada de riscos exagerados pelos administradores em busca de benefícios pessoais em detrimento dos demais agentes (como bônus e participações muito elevados e de curto prazo de maturação).

A escola também teria ferramentas de análise que permitiriam prever que a concessão em massa de financiamentos de alto risco, baseados apenas em garantias fluidas poderia criar uma "bolha assassina".

Suas ferramentas teóricas igualmente permitiriam prever que o sistema de responsabilidade civil nos Estados Unidos, que não admite danos punitivos aos administradores - tendo eles que devolver apenas o que receberam caso tenham agido com negligência de um executivo de mercado, que é diferente do "bom pai de família" brasileiro (disgorgement) - poderia criar incentivos também a decisões que favorecessem o indivíduo com baixa aversão ao risco frente à coletividade (moral hazard e problemas de agência no jargão econômico).

E provavelmente será o próprio método da análise econômica do Direito que permitirá aos elaboradores de políticas públicas e de regulação dos EUA enfrentar os desafios do capitalismo daquele país, pois o pragmatismo e o realismo norte-americano na área jurídica não se coadunam com métodos puramente teórico-especulativos dissociados da realidade de um sistema de mercado.

Nesse sistema de alocação de recursos de uma sociedade, as decisões sobre o que produzir e o que consumir continuarão a ser feitas no espaço público do mercado, as pessoas (consumidores e empresas) continuarão a agir auto interessadamente e, na maioria das vezes (espera-se), racionalmente. Igualmente, os indivíduos continuarão espontaneamente a se comportar sem preocupação com bens coletivos (como o meio ambiente), os quais, sem proteção estatal, tenderão a um esgotamento (eis a "tragédia dos comuns"). E esse deve ser o ponto de partida se quisermos regras jurídicas que funcionem, ainda que seja para corrigir distorções deste mesmo sistema produtivo.

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*Advogado. Ex-Presidente da Associação Brasileira de Direito e Economia





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