O equilíbrio do meio ambiente como um direito humano fundamental
A CF/88 possui um caráter eminentemente pluralista, albergando diversificados e inúmeros valores da sociedade brasileira, amplitude que se expande para os direitos fundamentais, pois todos os valores representados pelas diversas dimensões dos direitos fundamentais encontram guarida no texto constitucional, sem pré-conceitos ou exclusões.
segunda-feira, 30 de agosto de 2010
Atualizado em 27 de agosto de 2010 10:01
O equilíbrio do meio ambiente como um direito humano fundamental 1
Norma Sueli Padilha*
A CF/88 (clique aqui) possui um caráter eminentemente pluralista, albergando diversificados e inúmeros valores da sociedade brasileira, amplitude que se expande para os direitos fundamentais, pois todos os valores representados pelas diversas dimensões dos direitos fundamentais encontram guarida no texto constitucional, sem pré-conceitos ou exclusões. Dessa forma, a atual Carta constitucional alberga direitos fundamentais clássicos de primeira dimensão, típicos do Estado Liberal de direito (direitos de defesa e de liberdade), ao mesmo tempo, em que reconhece direitos fundamentais de índole social, do moderno Estado do bem-estar Social (prestações positivas do Estado em prol da igualdade), bem como alberga o "direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado" de uma proposta de um Estado de Direito Ambiental (direitos de solidariedade), não aderindo nem restringindo a adoção de direitos fundamentais a esta ou àquela teoria ou modelo de Estado de Direito, mas adotando um catálogo multifuncional de direitos fundamentais no atual estágio de nosso Estado social e democrático de Direito.
A CF/88 cercou os direitos fundamentais de especial reforço e status jurídico, ao determinar que as normas definidoras de direitos e garantias fundamentais possuem aplicabilidade imediata, nos termos do art. 5º , § 1º, vinculando, de forma imediata, as entidades públicas e privadas, além de incluí-las, ainda, dentre o rol das "cláusulas pétreas" do art. 60, § 4º , o que impede sua supressão pelo Poder Constituinte derivado e as coloca no topo do ordenamento jurídico constitucional.
Assim, o direito fundamental ao meio ambiente não admite retrocesso ecológico, e denotar tal característica releva de importância em um momento de tamanha pressão política e econômica sobre o arcabouço da legislação ambiental brasileira.
Registre-se que o equilíbrio do meio ambiente foi elevado pela Constituição Federal de 1988 a um direito fundamental e, nesse sentido, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado exige imediata aplicação. Denote-se ainda, a característica acentuada por Antonio Herman Benjamin, da "primariedade do ambiente, no sentido de que a nenhum agente, público ou privado, é licito tratá-lo como valor subsidiário, acessório, menor ou desprezível." 2
De acordo com o artigo 225, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado foi erigido pela Constituição Federal de 1988 como bem essencial à sadia qualidade de vida, garantido como um direito fundamental, por meio de uma normatividade extremamente instigante e abrangente, que quebra, inclusive, o paradigma da normatividade tradicional do ordenamento jurídico pátrio. É um direito que traduz, pela primeira vez, um compromisso intergeracional, um pacto da atual geração com a geração futura, no sentido de respeito e preservação do equilíbrio ambiental como um bem comum.
Refere-se Antonio Herman Benjamin à "ecologização do texto constitucional"3 e à adoção de um novo paradigma ético-jurídico, político-econômico, onde o "eu individualista é substituído pelo nós coletivista", uma vez que, ao reconhecer o direito ao meio ambiente, a CF/88 adota uma nova ordem pública, "centrada na valorização da responsabilidade de todos para com as verdadeiras bases da vida, a Terra". Denuncia que o paradigma constitucional anterior possuía uma visão fragmentada, de mera exploração de recursos ambientais, e o paradigma atual atende uma visão sistêmica e holística do meio ambiente, contendo um compromisso ético para com as futuras gerações de não esgotamento dos recursos naturais, além de uma atualização do direito de propriedade, que contém uma nova dominialidade de certos recursos ambientais e o comprometimento com a função social.
O compromisso assumido pela atual Carta Constitucional com relação a questão ambiental implica numa nova abordagem jurídica da juridicidade ambiental, um novo desenho de nosso Estado Democrático de Direitos, que exige profundas reformulações sociais, econômicas e políticas de altíssima complexidade e dificuldade, lembrando que o advento da Constituição de 1988, enquanto nossa verdadeira Constituição democrática, se refere a uma expectativa não da sociedade que somos, mas da sociedade que pretendemos e queremos ser e pela qual temos muito ainda que lutar.
Neste sentido, pode-se afirmar que a juridicidade ambiental adotada constitucionalmente está de acordo com um modelo de "Estado constitucional ecológico" e de uma "democracia sustentada", que, conforme Canotilho, é aquele que adota a "tarefa básica do novo século: a sustentabilidade ecológico-ambiental". 4
Construir uma "comunidade sustentável" como tarefa ordenada constitucionalmente, por um novo modelo jus ambiental, impõe inúmeras mudanças no atual e hegemônico modelo social, econômico e político, tarefa imposta de forma solidária, ao Estado e à coletividade brasileira.
Registre-se, ainda, que as normas de proteção ao meio ambiente atuam como um complemento aos direitos do homem, principalmente o direito à vida digna e à saúde, direitos que não se efetivam sem a qualidade ambiental. O homem e o meio ambiente fazem parte da mesma "teia de vida"5, portanto, a efetividade das normas ambientais implica na efetividade de direitos humanos fundamentais. 6
É evidente que, ao mencionar que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, a Constituição Federal refere-se à proteção do ser humano e de sua dignidade como pessoa, pois, segundo já mencionara o Princípio nº 1 da Declaração de Princípios de Estocolmo, "o homem tem o direito fundamental à liberdade, igualdade e adequadas condições de vida, num meio ambiente cuja qualidade permita uma vida de dignidade e bem estar".
Mas, por outro lado, embora a Constituição Federal de 1988 tenha reconhecido o direito ao equilíbrio do meio ambiente como um "direito de todos" (art. 225), vinculando-a ao interesse humano, o direito subjetivo aí referido não confere ao indivíduo exclusividade, pois tal direito ultrapassa a concepção individualista dos direitos tradicionais, na medida em que o próprio texto constitucional o elege como "bem de uso comum do povo" e "essencial à sadia qualidade de vida". Tal visão do texto constitucional amplia a dimensão desse direito fundamental, concedendo-lhe, também, uma dimensão objetiva de proteção autônoma do meio ambiente.
Neste sentido, o paradigma ético-jurídico adotado pela Constituição Federal brasileira referenda preocupação expressa, não só com o ser humano mas também com as "futuras gerações", com "os processos ecológicos essenciais", o "manejo ecológico", "a manutenção das espécies", os "ecossistemas naturais", o "patrimônio genético", os "espaços territoriais especialmente protegidos", o uso dos "recursos naturais", a "degradação do meio ambiente", os "impactos ambientais", os "riscos para a vida" e a "qualidade de vida", a proteção da "fauna e da flora" e sua "função ecológica", a proibição de "crueldade contra os animais", a punição a "atividades lesivas ao meio ambiente", os biomas naturais, tais como a "Floresta Amazônica", a "Mata Atlântica", a "Serra do Mar", o "Pantanal Matogrossense" e a "Zona Costeira"7. Além dos ambientes artificialmente construídos como o meio ambiente urbano, cultural e do trabalho. 8
Dessa forma, para a normatividade constitucional ambiental, a proteção do meio ambiente está sem dúvida alguma, vinculada ao homem, mas não de forma exclusiva, pois também se dá em relação "ao meio ambiente", de forma autônoma, pois se trata de um bem essencial à sadia qualidade de vida, e vida em seu sentido amplíssimo. O paradigma constitucional ambiental propugna também, pelo reconhecimento da proteção autônoma do meio ambiente, como um valor em si mesmo considerado.
Portanto, o marco regulatório de proteção ao equilíbrio do meio ambiente, representado pelo Direito Constitucional Ambiental, está diretamente ligado à sadia qualidade de vida de "todos" e deve ser respeitado de forma prioritária, inclusive em prol das gerações futuras. Tais fundamentos constitucionais de proteção ao meio ambiente clamam por efetivação, principalmente diante da atual pressão por seu desmantelamento em prol de escusos interesses políticos e econômicos.
1 Norma Sueli Padilha, Fundamentos Constitucionais do Direito Ambiental Brasileiro, Cap. 6, Rio de Janeiro, Elsevier, 2010.
2 Benjamin, Antonio Herman. Direito Constitucional Ambiental, p. 98.
3 CANOTILHO, J.J. Gomes. LEITE, José Rubens Morato. Direito Constitucional Ambiental Brasileiro. Orgs. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 58
4 Canotilho, J.J. Gomes. Direito Constitucional Ambiental Brasileiro. S p. 6.
5 Vide nesse sentido a obra de Fritoj Capra: A Teia da Vida: uma nova compreensão científica dos sistemas vivos.
6 Não basta a existência da norma, mas sua real aplicação é imprescindível, ou seja, sua efetividade, que no dizer de Luis Roberto Barroso, é "o desempenho concreto de sua função social. Ela representa a materialização, tão intima quanto possível, entre o dever ser normativo e o ser da realidade social." O direito constitucional e a efetividade de suas normas, p. 83.
7 Conforme art. 225 e parágrafos, da Constituição Federal de 1988.
8 Artigos 182, 216 e 200, inc. VIII, da Constituição Federal de 1988.