Os vinte anos do CDC
O Código de Defesa do Consumidor completa, no próximo dia 11 de setembro, vinte anos de existência. Parece muito tempo mas ainda é pouco para a consolidação de uma lei tão importante. De outro lado, o mercado de consumo mudou muito nesses vinte anos e a lei precisa acompanhar.
segunda-feira, 30 de agosto de 2010
Atualizado em 27 de agosto de 2010 10:01
Os vinte anos do CDC
Arthur Rollo*
O Código de Defesa do Consumidor (clique aqui) completa, no próximo dia 11 de setembro, vinte anos de existência. Parece muito tempo mas ainda é pouco para a consolidação de uma lei tão importante. De outro lado, o mercado de consumo mudou muito nesses vinte anos e a lei precisa acompanhar.
Hoje existe uma grande ênfase nas relações comerciais mantidas através da internet. A única proteção que o Código dá àquele que comprou por esse meio é o direito de arrependimento no prazo de sete dias, previsto no seu art. 49. Na prática, entretanto, estão acontecendo inúmeros problemas nesse tipo de compra, como cancelamentos unilaterais das vendas pelos fornecedores, demoras nas entregas, entrega de produtos diferentes, não emissão de nota fiscal, falta de identificação do fornecedor que realizou a venda, etc..
Muito embora ainda se trate de uma lei de vanguarda, o legislador há vinte anos atrás não podia prever que esses problemas viessem a ocorrer.
Outra questão que merece ser revista consiste nas amostras grátis de serviços. Segundo o Código serviço é qualquer atividade oferecida no mercado de consumo "mediante remuneração". As atividades gratuitas, segundo a letra da lei, descartariam a incidência do Código.
Quando da sua edição, só existiam no mercado amostras grátis de produtos. Por isso houve a distinção de tratamento. O mercado mudou e hoje são comumente vistas amostras grátis de serviços, já que academias dão sete dias grátis para que os consumidores experimentem, o que também acontece com cursos de inglês e diversos outros. Se algum problema acontecer nesse período de experiência, é óbvio que o fornecedor deverá responder, por se tratar de estratégia de marketing que visa angariar consumidores. Bem por isso, que a definição de serviço trazida pelo Código já merece revisão.
Muito embora o rol das cláusulas abusivas previsto no art. 51 do CDC seja meramente exemplificativo, existem hoje cláusulas evidentemente abusivas que não constam da lei e que trazem muitos problemas aos consumidores. Seria conveniente, dessa forma, que houvesse a ampliação do rol para prever situações que causam atualmente muitos transtornos aos consumidores.
A nosso ver, para evitar problemas, deveriam ser proibidas nos contratos de consumo as cláusulas de fidelização e de renovação automática de contratos, por exemplo. O consumidor adere ao plano de fidelização imaginando que o serviço prestado é de qualidade mas, na prática, inúmeros problemas acontecem que levam-no a desistir prematuramente do contrato. Quando isso acontece, os fornecedores acabam cobrando a multa contratual, o que é ilegal. Para evitar maiores discussões e também diversos processos judiciais, seria conveniente proibir esse tipo de disposição contratual.
O mesmo acontece com as cláusulas de renovação automática. Elas fazem com que os consumidores tenham o ônus de comunicar aos fornecedores o desejo de não prosseguir com o contrato já exaurido em relação ao seu período de vigência. E, diante da correria do dia a dia, se o consumidor não consegue entrar em contato com o fornecedor, o ônus é todo seu, devendo arcar com as cobranças.
Esse tipo de cláusula exige do consumidor vantagem exagerada, afinal de contas é ônus dos fornecedores indagar aos contratantes se querem ou não manter a avença. Ainda que, em termos gerais, seja evidente a abusividade, seria melhor que houvesse disposição expressa nesse sentido.
Mas o pior de todos os problemas, que vem causando muitos entraves de ordem prática, consiste na ausência de definição por parte do CDC sobre os órgãos integrantes do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor e suas respectivas atribuições.
Hoje existem órgãos de defesa do consumidor que não trabalham em conjunto e que, por vezes, ainda conflitam na prática, aplicam punições em duplicidade, dentre outros problemas que acabam ensejando a anulação das multas administrativas impostas. O nosso sistema atual, criado por leis remendadas, tem uma série de falhas, que vêm levando à sua ineficácia.
Sem falar na criação de Agências Nacionais, que exercem atividades paralelas aos órgãos de defesa do consumidor, encarregadas da regulamentação de setores de vital importância para a sociedade mas que, na prática, acabam por prestigiar atitudes ilegais dos fornecedores, em detrimento dos consumidores.
Se o BC, a Anatel, a Aneel e a Anac exercessem adequadamente o seu papel regulatório e o seu poder de fiscalização, a grande maioria dos problemas dos consumidores deixaria de existir. Na prática, entretanto, esses órgãos acabam prestigiando os fornecedores até mesmo contra os órgãos de defesa do consumidor, enfraquecendo as punições administrativas.
Recentes reportagens da imprensa deram conta de que as multas aplicadas pela ANAC não são cobradas. O mesmo acontece com as multas aplicadas pelos órgãos de defesa do consumidor, sem falar das inúmeras ações anulatórias dessas multas, propostas por empresas sancionadas, que estão em trâmite.
Multas de milhões de reais são aplicadas mas não são pagas. Muitas delas são anuladas em virtude da ausência de uma estruturação adequada do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, definindo adequadamente suas atribuições, os procedimentos de aplicação das multas, etc..
O Código é bom e, mesmo passados vinte anos, continua sendo uma lei de vanguarda. Como toda lei, no entanto, tem problemas que dependem de solução. Merece ser atualizado em alguns aspectos e carece de correção quanto à estruturação do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor.
Se houver a adequada criação e estruturação dos órgãos públicos de defesa do consumidor, com a definição de suas atribuições e dos procedimentos administrativos para aplicação das multas, certamente haverá a efetividade das punições administrativas o que, até agora, não vem acontecendo.
Prova disso são os inúmeros problemas que atingem especialmente os serviços públicos prestados que, ano após ano, continuam liderando os cadastros de reclamações dos órgãos de defesa dos consumidores. Isso é a maior prova de que a tutela administrativa do consumidor é ineficiente. Também atesta essa ineficiência o crescente aumento do número de ações judiciais individuais.
A ênfase do Código deve ser na prevenção de litígios e na adequada fiscalização dos fornecedores. Só através disso teremos a melhoria do mercado de consumo e a diminuição do sofrimento dos consumidores.
Temos motivos para comemorar mas ainda muito por fazer.
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*Advogado especialista em Direito do consumidor e professor da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo
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