A dissolução do vínculo conjugal na sociedade atual
Desde os primórdios o Estado assumiu o papel de mantenedor da Ordem Social, gerenciador da sociedade, dos bons costumes, da dignidade da pessoa humana, da família, da criança, do adolescente e do idoso.
terça-feira, 20 de julho de 2010
Atualizado em 19 de julho de 2010 10:26
A dissolução do vínculo conjugal na sociedade atual
Roberta Dib Chohfi*
Desde os primórdios o Estado assumiu o papel de mantenedor da Ordem Social, gerenciador da sociedade, dos bons costumes, da dignidade da pessoa humana, da família, da criança, do adolescente e do idoso.
Com a influência da Igreja Católica, dotada da visão eminentemente opressora e devota da monogamia, ergueu-se a bandeira para preservação da unidade familiar e não proliferação da libertinagem.
Sob estas bases, a mulher que não fosse casta era socialmente exilada, com direito à apedrejamento e difamação. Diferenciava-se a mulher "honesta" das mais vividas e repugnava-se a existência das feministas.
Nos países mais conservadores, até hoje, a posição de mulher não casada é de escória e desprestígio.
Contudo, de 50 anos para cá houve a evolução da visão nacional quanto à dependência existente entre homens e mulheres e por derradeiro a não obrigação do Estado de zelar pela continuidade do matrimônio.
Antes da EC 9, transformada na lei 6.515 (clique aqui) de 26 de dezembro de 1977 - Lei do Divórcio - a pessoa natural que contraísse núpcias, apenas com o óbito do nubente teria extinto seu vínculo conjugal.
Naquela época, quando impossível a manutenção da vida em comum a legislação possibilitava o desquite dos cônjuges, os quais passariam por um processo judicial a fim de determinar a guarda dos filhos e a respectiva pensão alimentícia, além da partilha de bens do casal.
Porém, nenhum dos cônjuges, ora desquitados, poderia criar novo vínculo conjugal protegido pelo manto do matrimônio, já que aquele havido não era passível de dissolução.
Ou seja, findavam-se os deveres conjugais - coabitação, fidelidade recíproca e regime matrimonial de bens - contudo, não era admitida a contração de nossas núpcias.
Assim, a lei 3.071 (clique aqui) de 1916 apenas possibilitava o não atendimento aos deveres conjugais.
Em 1952 houve a tentativa de tornar solúvel a sociedade conjugal, contudo, tal PEC foi rejeitada.
Mais tarde, em 1977 a Lei do Divórcio possibilitou a extinção do vínculo conjugal - antes só admitida quando do falecimento de um dos cônjuges - quando, após a separação judicial - antigo desquite - ou a separação de fato havida, passado certo período, poder-se-ia haver a extinção oficial dos laços jurídicos e formais, através do recém criado instituto do divórcio.
De forma inovadora o Ordenamento Jurídico Nacional passou a permitir que pessoas maritalmente unidades tivessem seus laços rompidos e pudessem novamente criar laços com terceiros.
Inicialmente a lei exigia a comprovação da separação de fato há no mínimo 5 anos para haver o divórcio direto1, ou ainda, o lapso de 3 anos da separação judicial para sua conversão em divórcio2, sendo prevista incumbência ao juiz de promover todos os meios para que as partes se reconciliassem3.
Uma década depois a Constituição Federal (clique aqui) trouxe expressamente a possibilidade de extinção do vínculo matrimonial, desde que comprovada a prévia separação judicial por mais de 1 ano ou de comprovada separação de fato por mais de 2 anos.
Se de um lado o diploma constitucional pátrio no parágrafo 6º do artigo 226 prevê tal possibilidade4, consagrando as liberdades individuais e até mesmo o livre arbítrio religioso, por outro a Igreja Católica não admite a celebração de um segundo casamento religioso para pessoas divorciadas, elevando sempre seus dogmas com o chavão "O que Deus uniu o homem não separa", e, ao final, "Até a morte os separe".
Os mais conservadores até hoje fazem mau juízo das pessoas "descasadas".
O Estado por sua vez possibilitou a dissolução do vínculo marital pelo divórcio, precedida da separação judicial ou de fato. Com isso, de um lado havia a plena possibilidade de reconstrução da vida sentimental afetiva, fracassada numa dada tentativa, sem porém tal decisão haver sido tomada após reflexão e certeza, o que só tempo traria.
Assim, o Código Civil de 2002 (clique aqui) destinou no LIVRO IV Do Direito de Família, título I "Do Direito Pessoal", subtítulo I "Do Casamento": o CAPÍTULO X "Da Dissolução da Sociedade e do vínculo Conjugal" para disciplinar os procedimentos atinentes à cada etapa, da separação ao divórcio, até a dissolução total do vínculo.
Saliente-se que no Direito Canônico, mais precisamente pelo Papa Benedito XIV foi criada a figura do "curador do vínculo", papel criado com o fito de defender e conservar a família constituída, consagrado pelo CC de 1916 (clique aqui) onde para validade do processo deveria haver a presença deste terceiro que intercederia nos processos de anulação de casamento, a fim de conciliar as partes e restabelecer a unidade familiar.
Com o passar dos anos os promotores passaram a atuar unicamente nos feitos que envolvessem os interesses de menores, os quais por eles deveriam continuar a ser tutelados, diferente do vínculo marital que com o passar dos anos deixou de ser de interesse do Estado.
Quase 30 anos após a previsão de dissolubilidade do vínculo em duas etapas (separação judicial ou de fato e divórcio), foi aprovada a PEC 28 de 2009 (clique aqui), com promulgação em 13 de julho de 2010 e aplicação imediata.
Também conhecida como "PEC do Desamor", a recém aprovada emenda constitucional possibilitará a adoção do divórcio direto, sem exigência de prévia separação de fato ou judicial, tampouco transcurso de qualquer lapso de tempo6.
Os mais fervorosos demonstraram publicamente sua oposição à legislação recém aprovada, alegando que tal inovação banalizou o casamento, instituto este que protegia a família e é dever explícito do Estado.
Durante a tramitação do processo a Igreja Católica propôs a manutenção de um prazo mínimo de 6 meses para o divórcio, possibilitando assim a reflexão das partes. Contudo, houve rejeição a tal proposta.
E não é só o catolicismo que se opõem à modificação da legislação que trata do tema. A bancada evangélica não poupou esforços na tentativa de impedir a aprovação da PEC no Senado e promete recorrer ao CNJ.
Em diapasão oposto há quem defenda que a facilidade para o divórcio aumentará de forma significativa a oficialização das uniões, passo esse que evitaria litígios desgastantes e morosos para o reconhecimento e dissolução de união de estável.
Outras vantagens apontadas pelos apoiadores do projeto falam em diminuição de gastos e, principalmente, minoração do desgaste emocional pelo tempo economizado de sofrimento dos cônjuges na tramitação dos processos.
Deve-se lembrar que quando a solução é consensual e não há menores envolvidos na questão outra recente facilidade criada nos últimos anos é a possibilidade de dissolubilidade do vínculo pela via notarial, prevista na lei 11.441/07 (clique aqui).
Tal lei foi ferrenhamente criticada quando de sua tramitação, aprovação e, finalmente, sua promulgação. Não somente pelos conservadores, mas também pelos advogados que temiam a dispensabilidade de sua presença no procedimento via cartório, o que, ao final, foi elidido.
Por enquanto, magistrados afogados em processos comemoram a possibilidade de diminuição do número de processos que a possibilidade de utilização da via notarial, bem como da adoção do divórcio direto, em alguns anos, prometem como conseqüência o descongestionamento e alívio das Varas de Família e consequentemente dos Tribunais.
De um lado moralistas e conservadores não contem sua indignação e crítica à aprovação, comparando a modificação à autorização do aborto e reconhecimento dos direitos dos homossexuais.
Por outro lado no mundo jurídico outros questionamentos já surgiram e ainda surgirão.
O primeiro deles trata da destinação que será dada à toda matéria anteriormente tratada pela separação. Sairia ela de questão ou migrar-se-ia eventual discussão aos autos do divórcio?
O fim da separação acabaria com discussão da culpa dos cônjuges e consequentes sanções por elas? Seria dispensada a medida cautelar de separação de corpos e com isso o cônjuge poderia livremente deixar o lar conjugal sem qualquer sanção?
Alimentos, guarda e visitas seriam discutidos no divórcio direto? A pessoa separada judicialmente, mesmo que não passado o lapso de um ano exigido em lei, poderá desde logo requerer a conversão da separação em divórcio?
Hoje já é possível a discussão da partilha no divórcio, sendo certo que em casos de litígio pode-se promover de forma independente ação de alimentos, ação de fixação de guarda e regulamentação de visitas.
Pendente mesmo parece a questão da manutenção da culpa pela quebra dos deveres conjugais e suas conseqüências.
Assim, na prática as questões surgirão diariamente e serão respondidas via jurisprudência, assim como ocorreu com as inovações do Código Civil.
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1 Art 40 - No caso de separação de fato, com início anterior a 28 de junho de 1977, e desde que completados 5 (cinco) anos, poderá ser promovida ação de divórcio, na qual se deverão provar o decurso do tempo da separação e a sua causa. Revogado pela Lei n.º 7.841/89.
2 Art 25 - A conversão em divórcio da separação judicial dos cônjuges, existente há mais de três anos, contada da data da decisão ou da que concedeu a medida cautelar correspondente (art. 8º), será decretada por sentença, da qual não constará referência à causa que a determinou. Revogado pela Lei n.º 8.408/92.
3 Art 3º - A separação judicial põe termo aos deveres de coabitação, fidelidade recíproca e ao regime matrimonial de bens, como se o casamento fosse dissolvido.
§ 2º - O juiz deverá promover todos os meios para que as partes se reconciliem ou transijam, ouvindo pessoal e separadamente cada uma delas e, a seguir, reunindo-as em sua presença, se assim considerar necessário.
4 Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
§ 6º - O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos.
5 Art. 222. A nulidade do casamento processar-se-á por ação ordinária, na qual será nomeado curador que o defenda.
6 Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
§ 6º - O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio consensual ou litigioso.
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*Sócia coordenadora da área contenciosa cível do escritório Almeida Guilherme Advogados Associados
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