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Rua da Paz, 452

Ainda no aeroporto, um torpedo no celular me avisa - morreu o Marconi. Me dano a conferir quantos daqueles tempos, do movimento estudantil, das contestações literárias, ainda restam.

segunda-feira, 31 de maio de 2010

Atualizado em 28 de maio de 2010 11:59


Rua da Paz, 452

Edson Vidigal*

Ainda no aeroporto, um torpedo no celular me avisa - morreu o Marconi.

Me dano a conferir quantos daqueles tempos, do movimento estudantil, das contestações literárias, da academia dos novos, nos anos de chumbo, ainda restam.

Por aqui ainda estão Américo Azevedo Neto, teatrólogo e empreendedor cultural, José de Jesus, um dos mais festejados artistas plásticos fora do Brasil, e quem mais?

Faço a viagem de volta à Rua da Paz nº 452 e me reencontro no salão austero decorado com móveis antigos, numa mesa enorme em que se servia o jantar a poderosos e ilustres como Assis Chateaubriand, sim, ele também, e ao Vice - Chanceler de Jango Goulart, o número dois de Santiago Dantas, o Comandante Renato Archer, dentre outros.

A festa agora é nossa, nós em campanha para tomar dos situacionistas a direção do Grêmio do Liceu Maranhense, nós em confronto com a intelectualidade oficial de então fundando a academia dos novos, nós de olho no futuro querendo influir na política partidária, querendo tirar o Maranhão do atraso.

Marconi, 18 anos de idade, era o líder. Rico, poderoso e bonito, filho único do Desembargador Tácito Caldas e Dona Violeta, irmão da Gardênia, a menina mais culta e também a mais bonita dentre as do seu tempo no Liceu, brilhante, corajoso, grande orador, Marconi somava mais que qualquer de nós.

O famoso discurso de Jango, no comício do dia 13 de março, na Central do Brasil, nós o ouvimos no rádio transglobe do pai do Marconi.

Não demos muita importância àquilo, nós também queríamos as reformas de base, mas o Desembargador, homem experiente, falou para nós - vocês são jovens, não compreendem isso, mas agora eu estou preocupado.

Não demorou, e já estávamos em abril naquele 1964, logo eu fui tirado de uma sala de aula no Liceu e levado preso ao quartel do 24 BC.

Marconi, àquela altura o Presidente do Conselho Estadual dos Estudantes, foi chamado à sala do chefe militar, mas não ficou preso, apesar, e nos soubemos depois, de ter arrancado da mão do coronel Rivas o bastonete de comando e o balançado dizendo que aquilo era um golpe nas instituições democráticas.

O primeiro mandato cassado foi o meu de Vereador em Caxias. Depois Sálvio Dino, Jose Bento Neves e Benedito Buzar, Deputados Estaduais.

Neiva Moreira, nossa fonte de inspiração, aquelas alturas já estava saindo de uma prisão para se asilar, por intercessão de Henrique La Rocque, na embaixada da Bolívia.

Quando, depois de ter sido preso duas vezes em São Luis, e não suportando mais tanta perseguição tive que sumir por um tempo, foi o Marconi quem me levou ao Tirirical para eu embarcar num viscount da Vasp, um turbo hélice que me levou a São Paulo, onde fiquei meio foragido.

Miro aqui a foto de nós dois tirada pouco antes do embarque, adolescentes e magros, sorridentes, ele um ano apenas mais novo que eu.

Seis meses depois, querendo voltar, passei um cabograma ao Marconi e os militares interceptaram. Um jipe verde oliva me levaria do aeroporto ao quartel do 24 BC porque àquela altura eu estava com prisão preventiva decretada, e não sabia.

Marconi e Rui Almada Lima, outro filho de Desembargador que havia sido meu colega de grupo escolar em Caxias, invadiram a pista do Tirirical numa ambulância da Prefeitura de Paço do Lumiar e me resgataram.

Fiquei um bom tempo, acho que quase um mês, escondido na casa do Desembargador Tácito Caldas, pai do Marconi, ate que os encaminhamentos das coisas se esclarecessem.

Sobre a alegria interminável que habitava a Rua da Paz nº 452, pentágono de todos os nossos planos de vôos na vida, tenho muito ainda a relembrar.

Ah os outros? Murilão, Manteiga, Carlos Cunha são ausências muito sentidas. Não sei por onde anda Sá Vale, nem o coronel Lico.

Marconi cansou de ser o que quis - Deputado em cinco legislaturas, Presidente da Assembléia estadual do Maranhão, criou o Município de Açailândia, que é hoje o segundo mais próspero do sul do Maranhão, sob a administração exemplar do Ildemar.

Até há pouco tempo, na enfermidade que o impedia de andar, ele me telefonava, sempre depois da meia noite, e ficava horas relembrando os sonhos por um Maranhão republicano que ainda não havíamos alcançado, mas que, com certeza, os que como nós aqui, restantes, haveremos de alcançá-los.

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*Ex-Presidente do STJ e Professor de Direito na UFMA





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