Juros moratórios em matéria tributária
Dia 6 de maio de 2010, deparo-me aqui com uma notícia a respeito do julgamento de recurso extraordinário, pelo STF, em que se discute a constitucionalidade do artigo terceiro da LC 118, de 9 de fevereiro de 2005,
quinta-feira, 27 de maio de 2010
Atualizado em 26 de maio de 2010 14:02
Juros moratórios em matéria tributária
Luiz Francisco Lippo*
Dia 6 de maio de 2010, deparo-me aqui com uma notícia a respeito do julgamento de recurso extraordinário, pelo STF, em que se discute a constitucionalidade do artigo terceiro da LC 118 (clique aqui), de 9 de fevereiro de 2005, segundo o qual para efeito de interpretação do inciso I do art. 168 do CTN (clique aqui), a extinção do crédito tributário ocorre, no caso de tributo sujeito a lançamento por homologação, no momento do pagamento antecipado de que trata o § 1º do art. 150 da referida lei.
Nesta data a votação está apertada. Cinco ministros reconhecem a inconstitucionalidade do preceito, enquanto outros quatro sustentam a sua constitucionalidade. Entre estes, o Ministro Marco Aurélio, que entende ser pertinente a regra que acaba com a tese dos "cinco mais cinco", segundo a qual o prazo de prescrição para a repetição do indébito no caso de tributos sujeitos a lançamento por homologação, inicia-se após a extinção do crédito tributário, que ocorre com a ratificação expressa ou tácita do pagamento. Segundo o nobre Ministro Marco Aurélio, a subtração de prazo se justifica, porque no caso reverso, de inadimplência do contribuinte, o Estado tem o prazo prescricional de cinco anos para propor a ação de cobrança, nos termos do artigo 174, do CTN, de forma que afigurar-se-ia injusta a aplicação de prazo diverso, mais amplo, em favor do sujeito passivo, quando a hipótese seja de repetição do indébito.
Nosso questionamento não se funda na matéria acima destacada, mas é dela decorrente. Veja-se, para a aplicação da "justiça", o culto Ministro promove um confronto entre o interesse do Estado e o interesse do particular.
O Estado, na qualidade de credor de tributos, submete-se ao prazo prescricional do artigo 174, do CTN, e o particular, na qualidade de sujeito passivo devedor, submete-se agora à regra do artigo 3º., da LC 118/05, quando paga tributo indevidamente ou em montante maior que o devido. Justamente, no âmbito desse confronto outra questão automaticamente aflora: a regra contida no artigo 167, parágrafo único, do CTN, que passamos a analisar.
Segundo o citado artigo 167, a restituição total ou parcial do tributo dá lugar à restituição, na mesma proporção, dos juros de mora e das penalidades pecuniárias, salvo as referentes a infrações de caráter formal não prejudicadas pela causa da restituição. O parágrafo único, por sua vez, estipula que A restituição vence juros não capitalizáveis, a partir do trânsito em julgado da decisão definitiva que a determinar.
A este preceito alinham-se duas Súmulas do STJ: a Súmula nº 162 - Repetição de Indébito - Correção Monetária - Na repetição de indébito tributário, a correção monetária incide a partir do pagamento indevido; e a Súmula nº 188 - Juros Moratórios - Repetição de Indébito Tributário - Trânsito em Julgado da Sentença - Os juros moratórios, na repetição do indébito tributário, são devidos a partir do trânsito em julgado da sentença.
Conjugando-se, pois, o artigo 167, do CTN com ambas as súmulas, tinha-se, até a edição da lei 9.250/95 (clique aqui), que o indébito tributário deveria ser corrigido monetariamente desde a data do pagamento indevido, porém, os juros moratórios não capitalizáveis, só passariam a ser devidos pelo Estado a partir do trânsito em julgado da decisão que determinasse a sua restituição. A regra sofreu sensível modificação com a lei 9.250/95, posto que estabeleceu que a partir de 01 de janeiro de 1996, os juros, na espécie, passariam a ser calculados pela Taxa SELIC, permanecendo, porém, a disposição na parte relativa ao início do prazo de sua incidência, tal como se extrai da jurisprudência do STJ1.
Pois bem, a fim de se atingir, também aqui, a "justiça", passamos agora ao confronto do conteúdo do citado artigo 167, parágrafo único, acima explanado, com o conteúdo do artigo 161, também do CTN, que versa sobre a cobrança, pelo sujeito ativo, de tributo devido e não pago no seu vencimento. O artigo em destaque contém o seguinte comando: O crédito não integralmente pago no vencimento é acrescido de juros de mora, seja qual for o motivo determinante da falta, sem prejuízo da imposição das penalidades cabíveis e da aplicação de quaisquer medidas de garantia previstas nesta lei ou em lei tributária. Não é necessário muito esforço para concluirmos que a falta de pagamento de tributo no seu vencimento encerra juros moratórios, os quais incidem a partir da data da inadimplência (do vencimento), calculados pela SELIC. Juros moratórios, como se sabe, têm caráter compensatório, pois representam uma indenização pela utilização de um capital impropriamente detido em mãos alheias. Ou, por outros termos, os juros moratórios são aplicáveis com caráter indenizatório pelo descumprimento de uma obrigação no prazo estipulado. Em matéria tributária, a situação não é diferente. Neste âmbito, da mesma forma, os juros de mora "... possuem natureza compensatória (Se a Fazenda tivesse o dinheiro em mãos já poderia tê-lo aplicado com ganho ou quitado seus débitos em atraso, livrando-se, agora ela, da mora e de suas consequências.)..."2 Desta forma, não resta a menor sombra de dúvida que procede o empenho do legislador do CTN em estabelecer a regra de imposição da incidência de juros moratórios desde a data do vencimento inadimplido.
Regina Helena Costa, confrontando o artigo 161 com o artigo 167, § único, do CTN, depois de ressaltar a aplicação equitativa da taxa de juros, tanto na hipótese de pagamento de tributo fora do prazo, quanto na repetição do indébito, fez referência expressa ao início do prazo para a fluência de juros de mora na segunda hipótese. Sustentou que, ao contrário da regra processual comum, que estabelece a fluência da incidência de juros a partir da citação, no caso do indébito tributário, a norma possui caráter protetivo do patrimônio público, fundado no princípio da supremacia do interesse público sobre o particular, de modo que "... estabelece clara diversidade de tratamento entre o contribuinte e o Fisco, porquanto entre a citação e o trânsito em julgado, como é sabido, podem decorrer muitos anos, período em relação ao qual, apesar de condenado à restituição do valor pago a título de tributo, o Estado não arcará com o pagamento de juros moratórios."3
Feitas essas considerações preliminares acerca do confronto entre a regra de incidência dos juros moratórios no caso de pagamento de tributo com atraso e a regra de incidência de juros moratórios no caso de repetição do indébito, podemos concluir, com Regina Helena Costa, que a diferença de tratamento numa e noutra hipótese, justifica-se em razão da supremacia do interesse do Estado em relação ao interesse dos particulares. Este, portanto, seria o critério de "justiça" a ser considerado, quando o contribuinte, que pagou indevidamente o tributo exigido pelo sujeito ativo em face de legislação posteriormente declarada inconstitucional, deve ainda socorrer-se do processo (administrativo ou judicial), para ter de volta a quantia que, na verdade, sequer devia ter desembolsado.
Ora, no Brasil, não raro, um processo administrativo ou judicial de repetição de indébito demora pelo menos dez anos para ter o seu desfecho definitivo! E, também, não raro, a decisão definitiva sobre a conta de liquidação demora outro tanto de tempo! A questão volta-se, portanto, para outro ângulo do problema: a morosidade, ou melhor, o manifesto desinteresse do Estado, em devolver aquilo que indevidamente encontra-se em seu poder, e que não lhe pertence. A memória recente nos remete à instituição do empréstimo compulsório sobre aquisição de veículo, combustíveis, passagens aéreas e moeda estrangeira, posteriormente declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal. Os processos de repetição de indébito relativos a essa exigência transitaram pelas prateleiras do Poder Judiciário Federal durante mais de vinte anos. Destes, pelo menos dez anos foram consumidos na fase de conhecimento, até o trânsito em julgado, de maneira que suprimidos estão pelo menos 120% (cento e vinte por cento) de juros moratórios. Muitos brasileiros, diga-se, até hoje não conseguiram ter de volta ditos desembolsos, o que demonstra o manifesto desinteresse do Estado em honrar e cumprir as decisões judiciais. Essa situação, portanto, coloca em dúvida o caráter protetivo do patrimônio público, porquanto, tal disposição do Estado denota, na verdade, o manifesto caráter confiscatório alojado no artigo 167, § único, do CTN, figura esta - o tributo com efeito de confisco - coibida pela Constituição Federal (artigo 150, inciso IV).
A toda evidência, o Estado não tem o menor interesse na alteração do artigo 167, § único, do CTN, a fim de equilibrar seu conteúdo com aquele contido no artigo 161, do mesmo diploma. Antes, pelo contrário, é comum ver-se processos se arrastando anos a fio, impulsionados por petições claramente procrastinatórias de parte das Procuradorias. Isto, porque interessa ao Estado que a certidão de trânsito em julgado seja adiada o mais que se puder.
Há ainda outra extensão desse confronto, quando a questão passa pelo direito do sujeito passivo à repetição de indébito tributário. Aqui, também, a "justiça" fica sobremaneira penalizada. Nos casos em que o sujeito passivo discute, administrativa ou judicialmente, a constitucionalidade ou a legalidade de uma exigência tributária, tornada definitiva a decisão que lhe impõe o dever de pagamento, por certo, os juros moratórios incidirão desde a data em que o crédito tributário era efetivamente devido. Não há qualquer ordem para que se supra a incidência de juros durante o transcurso do processo, pouco importando a sua demora. Na situação oposta, quando se trata de repetição de indébito, pouco importa o tempo da demanda, pois os juros só passarão a incidir após o trânsito em julgado da decisão condenatória que determinar a restituição. Houvesse coerência e "justiça", por certo, durante o transcurso do processo em que se discute a constitucionalidade ou a legalidade de exigência tributária, a fluência de juros moratórios também deveria ser suprimida, sob pena de tratamento desvestido de equidade.
Em síntese, se é certo que o interesse público deve prevalecer sobre o interesse dos particulares, a fim de se preservar o patrimônio público, a preservação daquele interesse não pode significar o injusto e confiscatório empobrecimento da sociedade, mediante a prática de procedimentos claramente desequilibrados e "injustos", que, diga-se, encontra respaldo na lei. A lei, no caso o artigo 167, § único, do CTN, confere ao Estado expediente confiscatório e injusto, de maneira que o seu conteúdo merece revisão pelo Poder Legislativo, a fim de se dar tratamento equânime, nos casos em que o Estado, injustificadamente, mantém em seu poder importâncias que não lhe pertencem.
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1 TRIBUTÁRIO. REPETIÇÃO DE INDÉBITO DE TRIBUTO ESTADUAL. JUROS DE MORA. DEFINIÇÃO DA TAXA APLICÁVEL.
1. Relativamente a tributos federais, a jurisprudência da 1ª Seção está assentada no seguinte entendimento: na restituição de tributos, seja por repetição em pecúnia, seja por compensação, (a) são devidos juros de mora a partir do trânsito em julgado, nos termos do art. 167, parágrafo único, do CTN e da Súmula 188/STJ, sendo que (b) os juros de 1% ao mês incidem sobre os valores reconhecidos em sentenças cujo trânsito em julgado ocorreu em data anterior a 1º/1/96, porque, a partir de então, passou a ser aplicável apenas a taxa SELIC, instituída pela lei 9.250/95, desde cada recolhimento indevido (EResp 399.497, ERESP 225.300, ERESP 291.257, EResp 436.167, EResp 610.351).
2. Relativamente a tributos estaduais ou municipais, a matéria continua submetida ao princípio geral, adotado pelo STF e pelo STJ, segundo o qual, em face da lacuna do art. 167, § único do CTN, a taxa dos juros de mora na repetição de indébito deve, por analogia e isonomia, ser igual à que incide sobre os correspondentes débitos tributários estaduais ou municipais pagos com atraso; e a taxa de juros incidente sobre esses débitos deve ser de 1% ao mês, a não ser que o legislador, utilizando a reserva de competência prevista no § 1º do art. 161 do CTN, disponha de modo diverso.
3. Nessa linha de entendimento, a jurisprudência do STJ considera incidente a taxa SELIC na repetição de indébito de tributos estaduais a partir da data de vigência da lei estadual que prevê a incidência de tal encargo sobre o pagamento atrasado de seus tributos. Precedentes de ambas as turmas da 1ª Seção.
4. No Estado de São Paulo, o art. 1º da lei Estadual 10.175/98 prevê a aplicação da taxa SELIC sobre impostos estaduais pagos com atraso, o que impõe a adoção da mesma taxa na repetição do indébito.
5. Recurso especial provido. Acórdão sujeito ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 08/08. (Recurso Especial 1111189/SP - rel. Min. TEORI ALBINO ZAVASCKI DJe 25/05/2009 RSTJ. vol. 215 - p. 126)
2 Sacha Calmon Navarro Coelho, Liminares e Depósitos Antes do Lançamento por Homologação - Decadência e Prescrição, Dialética, 2ª. edição, 2002, pág. 26)
3 "Curso de Direito Tributário", Saraiva, 2009, pág. 256.
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*Sócio-proprietário do escritório Bonetti, Lippo e Maciel Advogados Associados, membro do IASP - Instituto dos Advogados de São Paulo
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