Consumo de drogas
O artigo "Mirando Facilitadores da Guerra às Drogas" (JAMES GIERACH), publicado na Folha de São Paulo no dia 10.5.10, soou como música aos meus ouvidos. Falo com tranqüilidade, porque nunca experimentei drogas, exceto o álcool moderadamente.
terça-feira, 25 de maio de 2010
Atualizado às 11:02
Consumo de drogas
Celso Mori*
O artigo "Mirando Facilitadores da Guerra às Drogas" (James Gierach - clique aqui), publicado na Folha de S.Paulo no dia 10/5/10, soou como música aos meus ouvidos. Falo com tranquilidade, porque nunca experimentei drogas, exceto o álcool moderadamente. Mas, acredito que 60 ou 70% dos crimes praticados no Brasil estão, de alguma forma, direta ou indiretamente relacionados a drogas.
O que mudar? Como mudar?
Existem coisas no mundo que podem ser mudadas, e outras que não podem ser mudadas. Uma coisa que certamente não pode ser mudada é a lei da oferta e da procura. Essa lei, que é da natureza humana, é irrevogável.
Na questão das drogas, as políticas públicas têm fracassado, e fracassarão sempre, enquanto se orientarem para ignorar a procura pelas drogas, e insistirem exclusivamente em combater a sua oferta. Enquanto houver procura, haverá oferta. Não há força nem potência local, regional, ou mundial que possa revogar isso. Em todos os mercados, de quaisquer produtos, se não houver procura a oferta tende a desaparecer. Mas, se houver demanda, a oferta encontrará os seus próprios caminhos, lícitos ou ilícitos. Não há exemplos que desmintam essa regra geral e absoluta. Pode-se criar demanda, por campanhas de comunicação que despertem desejos. Mas, onde houver demanda, não se consegue suprimir a oferta por campanhas de comunicação, nem de repressão.
E a procura pelas drogas, pode ser combatida, deve ser desestimulada, pode e deve diminuir, mas jamais será eliminada. A angústia humana, de que trataram milenarmente as religiões, os maiores filósofos e os maiores artistas e intelectuais, é uma realidade da nossa condição. As drogas sempre foram e sempre serão percebidas como um caminho de superação dessas angústias, por uma parcela da população. Poderão ser, na verdade, caminho para angustias muito maiores, mas esse é um outro tema, para outra ocasião.
O fato é que as políticas públicas têm procurado combater a oferta de drogas como uma atividade criminosa, um assunto de polícia. E, o próprio legislador é muitas vezes leniente com o consumidor, com aquele que gera a procura. Na raiz dessa dicotomia de tratamento e preocupação, está um outro problema da representatividade das nossas democracias. Os consumidores são de todas as classes sociais. Os fornecedores são geralmente da periferia da sociedade, recrutados entre os que não tiveram e não terão muitas outras oportunidades. O legislador tende a ser menos rigoroso com o consumo, intensamente praticado pela classe media e pelas elites, com as quais o legislador se identifica. É mais fácil criminalizar a "outra" classe social. Na verdade, oferta e demanda são elos da mesma cadeia que se auto-sustenta.
Uma vez que a demanda por drogas sempre existirá em alguma medida, a única maneira de mantê-la na menor extensão possível é tratá-la com todo o rigor, mas não como um caso de polícia. Tratá-la como um caso de saúde pública. Só uma corajosa política de saúde pública física e mental pode permitir ao Estado a identificação, o censo e o tratamento dos consumidores de drogas, assim como campanhas intensas e continuas de desestímulo ao consumo. Nessa perspectiva, o próprio fornecimento deveria ser controlado pelo Estado, com as cautelas peculiares a esses produtos, alem daquelas cautelas peculiares a todos os outros produtos nocivos e perigosos por sua própria natureza que são abertamente comercializados, na estrita medida das suas necessidades.
Na essência, não se trata de liberar ou facilitar o consumo de drogas. Trata-se de combatê-lo por uma estratégia mais realista e mais eficiente.
A dificuldade para uma mudança tão radical de perspectiva está ligada à resistências que se manifestam em toda parte, mas especialmente ligada ao fato de que essa política exigiria um largo consenso mundial. Mas, se isso é muito difícil, não quer dizer que seja impossível. Artigos como esse publicado pela Folha ajudam a lançar luzes sobre o tema, ou a evitar o comportamento de avestruz.
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*Sócio do escritório Pinheiro Neto Advogados
* Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.
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