O mal em nome do bem
A apoteose de uma democracia é o momento em que seus cidadãos decidem quem serão seus representantes no comando das instituições que decidem o destino do país.
sexta-feira, 23 de abril de 2010
Atualizado em 22 de abril de 2010 16:14
O mal em nome do bem
Eduardo Nobre*
A apoteose de uma democracia é o momento em que seus cidadãos decidem quem serão seus representantes no comando das instituições que decidem o destino do país. É um momento ruidoso na forma, mas solene em seu conteúdo. Os candidatos precisam divulgar a sua postulação e suas propostas. Essas campanhas, como se sabem tem um preço. E em torno desse preço trava-se um debate nem sempre muito racional.
Poucos compreendem a legitimidade da doação de campanha. A opinião pública é induzida a acreditar que toda e qualquer verba eleitoral é desonesta, mesmo tendo previsão legal que a ampare. O MP reforça essa crença e algumas decisões judiciais a chancelam.
Uma parcela expressiva da população ignora que as campanhas eleitorais são financiadas através de algumas específicas fontes de recursos, cada uma delas com suas peculiaridades e limitações, sendo elas: doações de pessoas físicas, doações de pessoas jurídicas, recursos próprios do candidato, recursos de outras campanhas, recursos do partido e através dos recursos provenientes da comercialização de bens ou realização de eventos.
Esse quadro gera discussões importantíssimas sobre os sistemas de financiamento de campanha. Questiona-se o atual sistema de financiamento misto de campanhas. Vale lembrar: uma parte do fundo partidário é composta por recursos públicos e, além disso, o horário eleitoral gratuito é subsidiado pelo governo. Discute-se se esse modelo misto deve sofrer alterações substanciais; ou se devemos partir para a adoção do sistema exclusivamente público de financiamento campanhas. Sem sombra de dúvidas, cada uma dessas formas carrega consigo seus prós e contras. De toda sorte, o debate demanda ainda muita discussão e pode implicar profundas alterações legislativas e constitucionais.
Contudo, o que surpreende não é apenas a insatisfação com o atual modelo, mas sim alguns acontecimentos, cada vez mais corriqueiros, sobre o tema doações. Exemplifico.
É lícita a doação eleitoral, dentro dos limites de valor, feita por uma empresa que detenha participação acionária em uma concessionária de serviços públicos. Mas, apesar de permitido por lei, e o próprio TSE já ter reafirmado por inúmeras vezes esta posição, o MPE/SP entrou com diversas ações questionando doações dessa espécie recebidas por vereadores, e ainda, em razão disso, vários desses vereadores acabaram sendo cassados pela justiça eleitoral em primeira instância. De nada adiantou o cuidado em seguir a lei e o cuidado em seguir o entendimento da mais alta Côrte Eleitoral do Brasil.
É lícito uma empresa doar valores (observado os limites máximos) para um partido político em época de campanha ou fora dela. Mas mesmo assim vai para a capa do jornal como sendo uma das empresas que fizeram as famosas "doações ocultas". Essas "doações ocultas" (que já tem nome de coisa errada) nada mais são do que doações feitas em estrita observância da lei, nada mais, nada menos que isso.
É lícita a doação para campanhas eleitorais proveniente de empresa que presta ou já prestou serviços para a administração pública. Mas apesar de ser completamente regular, esse acabou sendo também um dos principais motivos que levaram a recente cassação, suspensa, do prefeito de São Paulo Gilberto Kassab.
Não se nega que o sistema é falho. Mas o que mais espanta, não obstante as doações estarem em conformidade com a lei, é o fato de serem condutas praticadas e aprovadas pelos tribunais há anos. Não se nega que o sistema jurídico permite a alteração de jurisprudência consolidada, mas essas alterações, principalmente na Justiça Eleitoral, devem ser aplicadas inegavelmente para situações futuras e não para passadas. Isso para evitar que o candidato eleito, pela soberania do voto popular, convicto de ter praticado atos legais, acabe cassado, mesmo após o processo de aprovação de suas contas onde a Justiça e o MP analisaram minuciosamente essas doações e as aprovaram.
Do ponto de vista empresarial, a situação não é diferente, pois as empresas que fizeram essas doações (legais, ressalte-se) também acabaram sofrendo processos movidos pelo MP. Desgaste de imagem, reflexos sobre a cotação de suas ações em bolsa, custo com advogados, são apenas alguns dos exemplos das conseqüências diretas dessas ações.
Alias, foi exatamente por acompanhar todos esses acontecimentos e os atuais debates no TSE sobre as novas resoluções sobre arrecadação de recursos, que um empresário, há pouco, externou sua preocupação com todo o quadro de instabilidade. Após ouvir diversas críticas ao sistema e frases como: "Não é possível!", "cumprir a lei agora é crime?", tive que responder inconformado: "Quem mandou querer doar?!"
O rigor no relacionamento do setor privado com o Poder Público é saudável, necessário e indispensável. Mas falta um esforço para que esses dois universos - o real e o virtual - aproximem-se um pouco mais. Tentar criminalizar possibilidades previstas na CF/88 (clique aqui) e na legislação coloca em xeque o sistema eleitoral e, em consequência, a própria democracia. Fazer o mal em nome do bem pode ajudar a produção de notícias barulhentas e vazias de conteúdo. Mas não melhoram o país em nada.
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*Advogado do escritório Leite, Tosto e Barros - Advogados Associados
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