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O abuso nos pedidos de vista nos julgamentos rumorosos e relevantes do STF

Gustavo Adolfo Hasselmann

Esse tema, de extremo relevo nos dias atuais, em que se debate a reforma do Judiciário, a celeridade dos processos e a efetividade da jurisdição, foi objeto de percuciente análise há alguns meses atrás por um colega migalheiro.

terça-feira, 15 de março de 2005

Atualizado em 14 de março de 2005 10:32


O abuso nos pedidos de vista nos julgamentos rumorosos e relevantes do STF

Gustavo Adolfo Hasselmann*

Esse tema, de extremo relevo nos dias atuais, em que se debate a reforma do Judiciário, a celeridade dos processos e a efetividade da jurisdição, foi objeto de percuciente análise há alguns meses atrás por um colega migalheiro.

Nos dias que correm, em que se propugna por um Judiciário mais atuante, eficaz , efetivo e democrático, vale dizer, mais rente, aberto e próximo dos anseios populares, malgrado a timidez da Emenda Constitucional nº 45, que introduziu em nosso ordenamento jurídico a famigerada "Reforma do Judiciário", divisa-se, com muita propriedade, na comunidade jurídica, a imperiosa necessidade de reforma das leis processuais infraconstitucionais. Isso rendeu ensejo ao encaminhamento ao Congresso de projetos de lei alterando normas do Código de Processos Civil e Penal, dentre outras.

Isso, evidentemente, não é bastante e suficiente para alcançar-se a tão decantada reforma da justiça, de molde a permitir investimentos perenes e duradouros dos capitais nacional e internacional, contribuindo para promover o desenvolvimento econômico do País, sem se descurar, contudo, de outra parte, de atender anseios e necessidades legítimas dos cidadãos, consubstanciados nos direitos sociais, de 2ª e 3ª gerações, bem assim concretizar os fundamentos e princípios da República e do Estado Democrático de direito, insculpidos nos arts 1º, 3º, 6º, 193 e seguintes da CF, dentre outros de ordem principiológica espraiados na tessitura da nossa Lei Maior.

Com efeito, avulta a importância da reforma das leis processuais, Mas não é só. Reclama-se, urgentemente, uma mudança profunda nas estruturas material e humana do Judiciário, como v.g., informatização, criação de novas varas, interiorização da justiça, aumento do número de magistrado e respectiva melhoria na qualificação destes, bem assim dos demais operadores do direito, como advogados, procuradores, defensores públicos promotores, etc.

Ademais, há que se operar mudanças culturais no seio da comunidade jurídica, notadamente de referência à magistratura, enfocando-se, sobretudo o aspecto ético e a eficiência na aplicação das leis, muitas delas já existentes de há muito em nosso ordenamento jurídico. Alguns vezos, efetivamente, devem ser coibidos, notadamente em nossa mais alta Corte de Justiça, a saber, o STF.

Se por um lado advoga-se a implementação da súmula vinculante, agora já uma realidade normativa (inobstante comungarmos, em contradita, da opinião de ser ela um instrumento de empeço, engessamento, uma verdadeira blindagem contra a capacidade criativa e capilarizadoura do labor dos juízes de 1ª e 2ª instâncias; mas, entretanto, esse não é o tema ora sob enfoque), de outro olvidamos algumas nefastas posturas, conquanto regimentalmente previstas, protagonizadas pelo guardião maior de nossa Carta Política, o STF, a quem devotamos profundo respeito, mercê de sua relevantíssima função e da notória capacidade dos membros que o integram.

Temos assistido, como pontuado por um ilustre articulista de migalhas em edição anterior, a uma desmedida utilização do instituto processual do pedido de vista de processos, sobretudo naqueles de grande magnitude e importância para os destinos da Nação, como ADC, ADPF, ADIN, bem assim em REX paradigmáticos.

Tal postura, permissa vênia, conquanto necessária e louvável em muitos casos, não se justifica nos dias atuais de modo excessivo, em que imperam os recursos da informática, sem relegarmos o fato que, no STF, ao contrário do STJ, composto por 33 Ministros, a proximidade entre os magistrados, mesmo em sua composição plenária, é, ou deveria ser, maior. Ela deve ser levada a cabo em hipóteses excepcionais, notadamente quando surgem questões de ordem ou matérias não cogitadas ou previstas pelos ilustres Ministros.

A Nação assiste e espera perplexa e ansiosa o desenrolar e desfechos de casos de grande repercussão nacional e, portanto, do interesse de todos, como, só para exemplificar, o aborto de fetos anencefálicos (ADPF), o julgamento das Leis do Petróleo e do setor elétrico, a tributação, pelo regime de competência, do IR das pessoas jurídicas sediadas no exterior e coligadas de empresas sediadas no Brasil etc.Em recentíssimo julgamento, no dia 03 de março p. passado, ao apreciar a ADIN 2615, em quer se discutia a inconstitucionalidade de lei estadual que permite a cobrança de assinatura de telefone - tema momentoso, que tem recebido a repulsa, no que toca à cobrança da exação pelas operadoras de telefonia, por juízes e tribunais das instâncias ordinárias - a secção foi suspenso por pedido de vista de um dos eminentes Ministros, salvo engano o ilustre Carlos Aires de Brito, deixando, mais uma vez, a sociedade insegura, no aguardo de importante sinalização do Pretório Excelso. Não podemos esquecer, outrossim, pedidos de vista em processos subjetivos emblemáticos e paradigmáticos, como o HC em que se discute o poder do Ministério Público para desenvolver investigações e proceder à colheita de provas. Nesse diapasão, vale referir ao pedido de vista ocorrido na assentada do dia 3 de março passado, no REX 398041, formulado pelo Ministro Gilmar Mendes, em que se discutia a prisão de envolvido no crime capitulado no art. 149 do CP, redução à condição análoga à condição de escravo, tema sobremodo atual e relevante.

No caso dos anencefálicos, cujo assunto já foi por nós abordado em duas ocasiões nesse respeitável site jurídico, o Ministro Marco Aurélio, após deferir, monocraticamente, liminar autorizando o aborto em hipóteses tais, submeteu a matéria ao plenário, que resolveu desmembra-la: primeiramente seria apreciado o cabimento da ação, com a máxima brevidade possível; ao depois, seria julgado o mérito da demanda. Para surpresa de todos, depois de muito tempo (nesse ínterim muitos procedimentos abortivos devem seguramente ter sido realizados), no julgamento do cabimento da ação, em que se discutiria aspectos meramente formais, o Ministro Carlos Aires, de inigualável saber jurídico e reconhecida probidade, pediu vista dos autos, retardando mais ainda o desfecho da ação. O bom senso, todavia, imperou, a partir de questão de ordem levantada pelo não menos ilustre Ministro Eros Grau, que rendeu ensejo à cassação parcial da liminar deferida, postergando-se o julgamento do mérito para um momento posterior e até agora não alcançado, frustando a legítima expectativa dos brasileiros.

Em outro caso, de supremo relevo, em que se discute a constitucionalidade da Lei do Petróleo, na ADIN promovida pelo Governador do Paraná - no bojo da qual se perpassa pela análise de aspectos constitucionais sobranceiros, como o monopólio de tão importante riqueza natural, soberania nacional, transferência e controle de bem público especial, e indispensável para os destinos das nações, para a iniciativa privada -, o processo - após brilhante liminar concedida pelo relator, Ministro Carlos Aires Brito, suspendendo a aplicação de diversos dispositivos da Lei, cassada, posteriormente, pelo Ministro Nelson Jobim, em Mandado de segurança Impetrado pelo Presidente da República, o que permitiu a realização de alguns leilões com base na citada lei inquinada de inconstitucional (para a nossa sorte a Petrobrás, ainda não privatizada para anossa felicidade, sagrou-se vencedora na quase totalidade dos certames, segundo temos notícia) -, foi levado a Plenário, tendo a liminar sido confirmada e reiterada, na quase totalidade, por erudito e percuciente voto, no dia 2.3.2005, do Ministro Marco Aurélio, interrompido o julgamento em virtude do pedido de vista do Ministro Eros Grau. Desse modo, mais uma vez o povo fica no aguardo do deslinde tão relevante demanda. Será sua Exa, o Ministro Eros Grau, profundo conhecedor de Direito Econômico, não teria, em assunto tão debatido na mídia e considerando, ainda os recursos da informática e a proximidade com os seus pares, condições de levar, como os demais, o seu voto pronto naquela assentada? Pensamos que sim.

Não advogamos, em absoluto, mesmo porque seria um despautério, a supressão total do pedido de vista, em muitos casos, sobretudo nos de maior relevo, imprescindível. Apenas propugnamos pelo seu emprego com parcimônia e cautela para que prestigie-se o aforismo segundo o qual "justiça tardia é injustiça". Será que os Ilustres Ministros, repita-se, em muitos casos, não podem ter acesso aos autos, valendo-se de recursos da informática, inclusive, debatendo com os colegas e formando e formatando, antecipadamente, os seus convencimento e voto, evitando, nesse passo, sempre que possível, pedidos de vista temerários. Fica a indagação, com o nítido propósito de contribuir, para a reflexão dos operadores do direito, sobretudo os membros do Pretório Excelso.
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*Procurador do município do Salvador - BA e advogado militante





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