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O uso da Reclamação Constitucional para debate das decisões proferidas pelas Turmas Recursais dos Juizados Especiais Estaduais perante o STJ

Ricardo Victor Gazzi Salum e Ana Abrahão Leonardo Pereira

A Constituição Federal, no artigo 105, definiu a competência do STJ.

terça-feira, 6 de abril de 2010

Atualizado em 5 de abril de 2010 11:17


O uso da Reclamação Constitucional para debate das decisões proferidas pelas Turmas Recursais dos Juizados Especiais Estaduais perante o STJ

Ricardo Victor Gazzi Salum*

Ana Abrahão Leonardo Pereira**

A Constituição Federal (clique aqui), no artigo 105, definiu a competência do STJ.

Uma das atribuições, prevista no inciso III1, consiste no julgamento de recursos especiais, quando o julgado:

(i) contrariar tratado ou lei federal,

(ii) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face de lei federal ou

(iii) der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal.

O dispositivo condiciona o cabimento do recurso especial, ainda, à necessidade de que o julgamento tenha sido proferido em única ou última instância pelos Tribunais Regionais Federais, Estaduais ou do Distrito Federal e Territórios.

As causas sentenciadas pelos Juizados Especiais Estaduais, nos termos da lei 9.099/95 (clique aqui) , art. 412, estão sujeitas tão-somente a recursos dirigidos aos próprios Juizados, os quais serão julgados "por uma turma composta por três Juízes togados, em exercício no primeiro grau de jurisdição (...)".

O STJ firmou entendimento de que as decisões proferidas pelas chamadas Turmas Recursais dos Juizados Especiais, por não terem sido proferidas por TRF, Estadual ou do Distrito Federal e Territórios, não poderiam ser atacadas por recurso especial, diante da mencionada previsão constitucional.

Este entendimento resultou na edição da Súmula 203, com a seguinte redação: "Não cabe Recurso Especial contra decisão proferida por órgão de segundo grau dos juizados especiais".

Diante disso, muito se discutiu sobre o citado posicionamento do STJ, bem como sobre qual seria o remédio processual cabível para atacar as decisões das Turmas Recursais dos Juizados Especiais Estaduais, quando violarem lei federal ou lhe derem interpretação divergente da conferida pelos Tribunais Federais, Estaduais ou Tribunais Superiores.

No âmbito dos Juizados Especiais da Justiça Federal, a uniformização da interpretação da legislação federal infraconstitucional foi preservada com a criação da Turma de Uniformização. Previsão semelhante foi inserida, mais recentemente, pela lei 12.153/09 (clique aqui) , que dispõe sobre os Juizados Especiais da Fazenda Pública.

Porém, no âmbito dos Juizados Especiais Estaduais ainda não há previsão legal neste sentido, apesar de tramitar no Congresso Nacional o PL 16/2007 (clique aqui), que dispõe sobre a criação da Turma Nacional de Uniformização de Jurisprudência dos Juizados Especiais Estaduais.

Nesse contexto, surgiu o debate sobre o cabimento da Reclamação Constitucional - instituto previsto no art. 105, inciso I, alínea f da Carta Magna3, vocacionado a garantir a preservação da competência e a autoridade das decisões do STJ - como instrumento jurídico hábil a suprir esta lacuna do sistema em relação aos Juizados Especiais Estaduais, no que tange ao questionamento das decisões proferidas pelas Turmas Recursais que contiverem uma das violações estampadas no art. 105, inciso III, da CF.

Em decisão proferida no Agravo Regimental em Reclamação 2.704/SP, datada de 12 de março de 2008, em que foi relator o Ministro Teori Albino Zavascki, por unanimidade, a Primeira Seção do STJ firmou entendimento no sentido de que "(...) a Reclamação não é via adequada para controlar a competência dos Juizados Especiais" e que "igualmente inadequada a via da reclamação para sanar grave deficiência do sistema normativo vigente, que não oferece acesso ao STJ para controlar decisões de juizados especiais estaduais contrárias à sua jurisprudência dominante em matéria de direito federal, permitindo que tais Juizados, no âmbito de sua competência, representem a palavra final sobre a interpretação da lei federal".

Em sentido oposto, contudo, manifestou-se o STF, por maioria de votos, no julgamento dos Embargos de Declaração opostos em Recurso Extraordinário de Decisão Plenária (RE 571.572-8 QO-ED/BA), datado de 26 de agosto de 2009, no qual foi relatora a Ministra Ellen Gracie.

Decidiu a Corte Constitucional, na oportunidade, que, até a criação da Turma Nacional de Uniformização de Jurisprudência dos Juizados Especiais Estaduais, e com o escopo de evitar que se perpetuem julgados conflitantes com a jurisprudência do STJ, em sede de interpretação da legislação federal infraconstitucional, caberia à referida Corte afastar a divergência, conhecendo da matéria em apreciação da Reclamação.

Vale destacar trecho do voto da Ministra Relatora:

"(.) enquanto não for criada a turma de uniformização para os juizados especiais estaduais, poderemos ter a manutenção de decisões divergentes a respeito da interpretação da legislação infraconstitucional federal. Desse modo, (...) a lógica da organização do sistema judiciário nacional recomenda se dê à reclamação prevista no art. 105, I, f, da CF amplitude suficiente à solução deste impasse".

Após a citada decisão da Corte Suprema, o STJ recebeu elevado número de reclamações, utilizadas, na maior parte dos casos, como sucedâneo do recurso especial.

Seguindo o entendimento da Corte Suprema, o STJ, em julgamento da Reclamação 3.752/GO, na qual foi suscitada Questão de Ordem pela Relatora, Ministra Nancy Andrighi, editou a Resolução 12/2009, publicada em 14.12.2009, regulando, no âmbito da Corte, o uso da Reclamação Constitucional para enfrentamento de decisões das Turmas Recursais dos Juizados Especiais Estaduais.

Nos termos do artigo 1º, da citada Resolução 12/2009, "as reclamações destinadas a dirimir divergência entre acórdão prolatado por turma recursal estadual e a jurisprudência do STJ, suas súmulas ou orientações decorrentes do julgamento de recursos especial processados na forma do art. 543-C do Código de Processo Civil serão oferecidas no prazo de 15 dias, contados da ciência, pela parte, da decisão impugnada, independentemente de preparo".

A despeito do tratamento específico do assunto pela Resolução 12/2009, é patente que o instituto não será admitido indistintamente pelo STJ. O caso em debate, a toda evidência, deverá trazer questão relevante e que esteja efetivamente dissonante do entendimento já consolidado da Corte.

Tanto assim que a Resolução trouxe expressamente a possibilidade de o Relator da Reclamação aplicar multa por litigância de má-fé ao Reclamante, nas hipóteses previstas no artigo 17 do CPC4.

Pelo exposto, pode-se afirmar que, apesar da ausência de previsão legal para a interposição de recurso especial contra as decisões proferidas pelas Turmas Recursais dos Juizados Especiais Estaduais, poderá a parte prejudicada levar o debate ao STJ, valendo-se da Reclamação Constitucional.

Dever-se-á, todavia, observar as regras disciplinadas pelo próprio STJ na Resolução 12/2009, especialmente a fim evitar a aplicação da multa prevista no artigo 17, do CPC, para os casos nos quais se entender que o uso do instituto se revela como mera manobra procrastinatória.

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1 Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:

(...)

III - julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida:

a) contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência;

b) julgar válido ato de governo local contestado em face de lei federal;(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

c) der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal.

2 Art. 41. Da sentença, excetuada a homologatória de conciliação ou laudo arbitral, caberá recurso para o próprio Juizado.

§ 1º O recurso será julgado por uma turma composta por três Juízes togados, em exercício no primeiro grau de jurisdição, reunidos na sede do Juizado.

3 Art. 105. Compete ao STJ:

I - processar e julgar, originariamente:

f) a reclamação para a preservação de sua competência e garantia da autoridade de suas decisões;

4 Art. 17. Reputa-se litigante de má-fé aquele que: (Redação dada pela Lei 6.771, de 27.3.1980)

I - deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso; (Redação dada pela Lei 6.771, de 27.3.1980)

II - alterar a verdade dos fatos; (Redação dada pela Lei 6.771, de 27.3.1980)

III - usar do processo para conseguir objetivo ilegal; (Redação dada pela Lei 6.771, de 27.3.1980)

IV - opuser resistência injustificada ao andamento do processo; (Redação dada pela Lei 6.771, de 27.3.1980)

V - proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo; (Redação dada pela Lei 6.771, de 27.3.1980)

Vl - provocar incidentes manifestamente infundados. (Redação dada pela Lei 6.771, de 27.3.1980)

VII - interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório. (Incluído pela Lei 9.668, de 23.6.1998)

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*Advogado do escritório Homero Costa Advogados

**Estagiária de Direito









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