Juiz, professor ou administrador
O monopólio da jurisdição pertence ao Poder Judiciário; todavia, além dessa função específica, a jurisdicional, o magistrado desempenha atribuições atípicas, a exemplo da administrativa, quando cuida dos deveres e direitos dos serventuários, da legislativa, quando edita regimentos, resoluções.
quinta-feira, 1 de abril de 2010
Atualizado em 31 de março de 2010 13:57
Juiz, professor ou administrador
Antonio Pessoa Cardoso*
O monopólio da jurisdição pertence ao Poder Judiciário; todavia, além dessa função específica, a jurisdicional, o magistrado desempenha atribuições atípicas, a exemplo da administrativa, quando cuida dos deveres e direitos dos serventuários, da legislativa, quando edita regimentos, resoluções.
A função de julgar é uma arte singular e exige-se do magistrado, muito além dos conhecimentos teóricos, reclama-se muita experiência de vida, dedicação ao trabalho e desprendimento. Investido na judicatura todo o tempo do profissional é dedicado à magistratura, seja com as decisões complexas, originadas do recôndito do domicílio do julgador, no sossego dos feriados ou das noites indormidas; os pronunciamentos dos juízes não são sempre preparados nos gabinetes ou nas salas de audiência, pois nesse ambiente acontecem as instruções dos processos.
A lei não permite e o juiz não pode desempenhar outro encargo que não seja o de julgar; a ressalva situa-se, em caráter excepcional, para o exercício do magistério. Essa convivência dos julgamentos com a docência tem criado transtornos para os serviços judiciários, porquanto a exceção consistente no exercício do magistério, inverte com a regra do judicar, prejudicando o rendimento do magistrado na sua missão principal. É que a docência exige muito tempo, vez que o professor e o juiz prolongam suas atividades para fora do ambiente específico do trabalho com a preparação de aulas, de provas, de reuniões.
Enquanto a Constituição veda, terminantemente, aos juízes "exercer, ainda que em disponibilidade, outro cargo ou função, salvo uma de magistério", § único, art. 95, a LC 35/79, Lei Orgânica da Magistratura (clique aqui), art. 107, proíbe peremptoriamente a convocação ou designação de Juiz para exercer cargo ou função nos Tribunais, ressalvando a substituição ocasional de seus integrantes.
Apesar da infeliz ampliação dada pelo STF à expressão "uma de magistério", art. 95, quando disse que não se deve entender o vocábulo como numeral, mas como vínculo, constata-se que há magistrados que trocam os processos por reforço de salário, na docência.
De qualquer forma, mesmo no exercício do magistério, exige-se compatibilidade de horários, sem prejuízo da função principal que é a de julgar e isto se tem tornado difícil de compatibilizar.
Adiante a mesma lei dispõe:
Art. 118. Em caso de vaga ou afastamento, por prazo superior a 30 (trinta) dias, de membro dos Tribunais Superiores, dos Tribunais Regionais, dos Tribunais de Justiça e dos Tribunais de Alçada, (Vetado) poderão ser convocados Juízes, em Substituição (Vetado) escolhidos (Vetado) por decisão da maioria absoluta do Tribunal respectivo, ou, se houver, de seu Órgão Especial: (Redação dada pela LC 54, de 22.12.1986 - clique aqui).
Além do magistério, os magistrados são desviados para assessorar desembargadores ou ministros em encargos judiciais e até mesmo em funções administrativas.
Constata-se a requisição de muitos juízes para assessorias nos Tribunais e no CNJ para o desempenho de funções meramente administrativas o que não condiz com a missão para a qual foi reservado para o magistrado.
Na área federal, a lei 12.011/2009 (clique aqui), repetindo dispositivo da lei 9.788/1999 (clique aqui), que criou 230 Varas Federais, admite, ainda que "em caráter excepcional e quando o acúmulo de serviço o exigir", a convocação de Juízes Federais, "em número equivalente ao de Juízes de cada Tribunal, para auxiliar à instância de segundo grau..."
Se aplicado o dispositivo federal, certamente causará grande prejuízo à função de julgar.
O CNJ, por sua vez, legislou por meio da Resolução 72, de 31/03/2009 (clique aqui), para permitir a convocação para o segundo grau e para "fins de auxílio".
Na verdade, o juiz é chamado para ocupar espaço deixado por desembargador que se aposenta, que sai de férias, de licença, sempre quando o afastamento ocorre por período superior a trinta dias. Neste caso, sai o julgador da atividade que desenvolve na preparação e julgamento dos processos e sobe para analisar, em reexame, os feitos preparados e julgados na primeira instância. Deixa o cargo para o qual foi admitido e passa a cuidar de função inata do segundo grau, consistente nos reexames do trabalho desenvolvido nas comarcas e nas varas judiciais.
Recentemente, o TRF da 1ª região foi desautorizado a servir-se da permissão oferecida pela lei 12.011/2009. O ministro Marco Aurélio negou autorização do TRF da 1ª região para convocar juízes de primeira instância para auxiliar na judicatura; disse que juiz de primeira instância não é assessor, nem auxiliar de integrante de Tribunal.
A primeira instância é prejudicada com a convocação de juízes para os Tribunais, seja na substituição de desembargadores, na função judicante, ou no auxílio aos membros da diretoria, na área administrativa. Em qualquer dessas situações, suspende-se os julgamentos monocráticos do magistrado chamado para autorizá-lo a substituir desembargadores nos julgamentos coletivos.
Além desta convocação, que continua jurisdicional, os juízes de primeira instância também são requisitados para auxiliar os Desembargadores, quando assumem os cargos de Presidente, Vice-Presidente ou Corregedor Geral dos Tribunais. Aqui a situação é pior, porquanto o magistrado penetra em área que não é a sua, porque vai auxiliar em função atípica, na área administrativa. Passará até mesmo a fazer ofícios, fiscalizar os serventuários e os próprios juízes, além de outras atividades.
Antes da Resolução do CNJ os tribunais dos Estados convocavam número aleatório de juízes para auxiliar suas diretorias; São Paulo, por exemplo, chegou a manter 39 juízes em funções burocráticas; em outros Estados a situação se mostrava semelhante.
Desde o momento no qual as direções dos Tribunais requisitam magistrados como assessores, mesmo em número limitado, privam-lhes de receber processos para julgar, além de autorizar o exercício de função estatal atípica. Considere-se que nenhum membro dos outros poderes, nenhum outro profissional pode ser chamado para ocupar o espaço deixado pelo magistrado. Verdadeira esta afirmação, e não há polêmica alguma nela, sacrifica-se enormemente o jurisdicionado, quando se retira um juiz de sua função específica de julgar, pois os processos recebidos e aqueles a serem distribuídos sofrerão substancial atraso, simplesmente porque não há quem ocupe o espaço deixado pelo juiz afastado. Somente um novo concurso é capaz de reparar os danos com a paralisação total do acervo do magistrado que foi indevidamente convocado para assessorar outro magistrado.
Isto resulta em retirar o magistrado da atividade fim, da arte de julgar, para locá-lo em ação para a qual não foi convocado. Ingressa, assim, na administração da justiça, como auxiliar de Desembargadores no exercício de função eminentemente administrativa. Se não se peca por retirar o magistrado de uma função com a imposição de outra, censurável esta permissão, porque desguarnece exatamente a atividade mais fraca do Judiciário, consistente na falta de julgadores nas comarcas e nas varas.
Os Tribunais devem está preparados para essas eventualidades. Sabe-se, ademais, que a aposentadoria de desembargadores não é suprida em tempo razoável, porquanto muito lento o processo de promoção com a investidura de juiz de primeiro grau na vaga do aposentado.
A sobrecarga de serviços existe tanto na primeira quanto na segunda instância; todavia, é mais acentuada e mais sentida no primeiro grau, pois aí é que se prepara, se instrui e se julga o processo; ademais, nem todas as ações julgadas sofrem o reexame nos Tribunais.