Criar perfis falsos na internet é crime?
As redes sociais tornaram-se um autêntico fenômeno de popularidade que se confundem com o próprio conceito de internet para vários brasileiros.
quinta-feira, 25 de março de 2010
Atualizado em 24 de março de 2010 11:25
Criar perfis falsos na internet é crime?
Alexandre Atheniense*
As redes sociais tornaram-se um autêntico fenômeno de popularidade que se confundem com o próprio conceito de internet para vários brasileiros. Se por um lado esta nova forma de comunicação propicia surgimento de vários negócios, amizades, relacionamentos e até casamentos, por outro, tem sido cenário para a prática de inúmeros abusos previstos na nossa legislação. Nos vários sites de relacionamento existentes os usuários exibem suas fotos pessoais, expõem a sua biografia, manifestam preferências, falam da família, exibem seus amigos e associam-se a comunidades de temas que se identificam com o seu perfil. Já o microblog Twitter vem estimulando as pessoas a se manifestarem sobre conteúdos de sua predileção divulgando instantaneamente as suas ideias para uma enorme audiência. Porém, o perfil exibicionista do brasileiro vem causando diversos problemas durante a interatividade online. A incidência dos perfis falsos, também conhecidos como fakes, tem aumentado e por este motivo tem sido recorrente o uso não autorizado de imagens de terceiros, divulgando conteúdos que atacam a honra, expondo as pessoas ao ridículo, e, por estes motivos, em alguns casos, poderão ser punidos pela legislação brasileira.
O Twitter, Facebook e Orkut têm sido alvo de inúmeros perfis falsos de atores, cantores e apresentadores de televisão e até de personalidades que já morreram. Mas afinal, ter um perfil falso na internet é crime?
Para responder a esta pergunta é preciso identificar que a criação dos fakes, em regra se manifesta de duas formas distintas. A primeira delas o internauta tem o intuito de buscar o anonimato para abordar terceiros se passando por uma pessoa fictícia, seja do mesmo sexo ou não. Esta prática resulta da escolha uma imagem de uma pessoa desconhecida para atribuí-la ao seu perfil falso. Já existem sites especializados na oferta de uma ampla seleção de fotos de terceiros de acordo com diferentes perfis para esta finalidade.
Esta prática não é crime, pois o internauta pode estar apenas infringindo alguma regra dos Termos de Serviço do site de relacionamento, que obriga o criador do perfil zelar pela integridade dos dados cadastrais. Se houver alguma denúncia de abuso o infrator poderá ter o seu perfil excluído. Caso não existam meios para comprovar a incidência de danos a imagem do terceiro que teve sua foto utilizada, está descartada a possibilidade de indenização pela prática deste ato. Entretanto, se a pessoa que teve sua foto utilizada indevidamente, descobrir este fato e julgar que houve danos a sua imagem, terá legitimidade e meios para comprovar o alegado e obter uma indenização judicial.
Portanto, criar um perfil falso, de alguém que não existe, só para preservar sua identidade durante os relacionamentos na internet, sem que esta prática não tenha causado dano, não é crime, mas pode ensejar a quem pratica, sua remoção por infração as condições estipuladas para a prestação do serviço, e, eventualmente, suportar uma indenização se houver meios desta comprovação.
Mas se o fake é criado a partir de uma pessoa real, viva ou morta, o responsável poderá cometer o crime de falsidade ideológica, desde que cause dano a vítima. O ato de incorporar a personalidade de outras pessoas e manifestar em nome de outrem, inserindo declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante é crime de falsidade ideológica.
É importante registrar que sempre há um limite entre a diversão e o abuso. Quem opta por criar perfis fakes nas redes sociais para buscar o anonimato tecnológico pode ultrapassar o limite e cometer crimes contra a honra tais como calúnia, difamação e injúria. A mesma prática pode incorrer também em crime de falsa identidade quando atribuir-se ou atribuir a terceiro falsa identidade para obter vantagem, em proveito próprio ou alheio, ou para causar dano a outrem. Além disso, poderá incidir a repercussão cível em que a pessoa lesada poderá requerer ressarcimento em danos morais pelo dano causado.
Outra situação comum é a utilização de imagens de terceiros. O direito à imagem é um dos direitos da personalidade previsto pelo Código Civil (clique aqui). A utilização de uma foto de outra pessoa em seu perfil viola o direito de imagem já que só é permitido usar fotos se a pessoa fotografada fornecer autorização por escrito. Nossa CF (clique aqui) já prevê em seu artigo 5°, inciso X que são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação, bem como é possível a livre manifestação do pensamento, desde que se faça sem a proteção do anonimato.
Vários casos em que as pessoas extrapolam o limite entre diversão e crime estão sendo apreciados pelo Judiciário e a justiça brasileira tem punido os responsáveis. A punição poderá alcançar inclusive o provedor de conteúdo. O Google recentemente foi condenado em Rondônia, pois um cidadão teve o seu perfil falso criado no Orkut, onde foram inseridas diversas informações injuriosas contra ele, que ofenderam a sua honra. A Justiça determinou que o Google retirasse o perfil falso do Orkut, fornecesse informações sobre quem teria criado a página sob pena de pagamento de multa diária de mil reais além de indenização pela reparação do dano causado.
Outra recente decisão ocorreu do TJ/RJ. Trata-se de um perfil falso de uma mulher que se dizia "na idade da loba, faminta por sexo, totalmente liberal, sem preconceitos", entre outras coisas. O criador do perfil falso ainda incluiu o telefone e o endereço dela. O Google não conseguiu se livrar da condenação que lhe impôs o pagamento de indenização de R$ 30 mil por danos morais a usuária. Nos casos de danos causados pela incidência de perfis falsos no Orkut, o Google é processado por fornecer suporte tecnológico e favorecer para a prática do ilícito.
Como resolver o problema?
Na maioria dos casos as opções existentes nos serviços de denunciar abuso não funcionam como deviam. Ou seja, nem sempre o gestor do site retira o conteúdo do ar, e, quando isto acontece, não fornece os registros eletrônicos que ajudariam a identificar a autoria do ilícito. Este procedimento estimula a impunidade e os incidentes acabam se repetindo posteriormente. Em decorrência desta postura é recomendável sempre que seja ajuizada ação cabível para a retirada do conteúdo cumulada com eventuais danos caso existam.
Nos casos em que a Justiça é acionada o procedimento de exclusão de um perfil falso no Orkut, Facebook ou no Twitter é necessário a tomada de algumas medidas imediatas como a preservação das provas e a quebra do sigilo ou fornecimento de dados cadastrais mediante autorização judicial.
É inegável que os serviços de redes sociais transmitam uma falsa impressão aos seus usuários de que todo conteúdo armazenado seja legalizado, pela possibilidade de liberdade de expressão, pela ausência de censura prévia ou mesmo pelo descontrole gerencial no acesso de inúmeras das informações que circulam pelo serviço. Os internautas devem ficar em alerta, pois o que pode se passar por uma diversão está sujeito a punição pela legislação vigente.
Como se vê nem sempre a prática de criar perfis falsos poderá ser caracterizada como uma conduta criminosa pela legislação brasileira. Mas esta conduta pode se transformar em um campo minado onde internauta terá que tomar muito cuidado para não ultrapassar o limite da sua diversão, ou da superação da timidez pelo anonimato tecnológico, sem causar danos a terceiros que poderão ser punidos pela justiça.
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*Coordenador do Curso de pós-graduação de Direito de Informática da Escola de Advocacia da OAB/SP, coordenador do curso de pós-graduação em Direito e Tecnologia da Informação no Praetorium. Editor do Blog DNT - O Direito e as novas tecnologias. Sócio do escritório Aristoteles Atheniense Advogados
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