Uma análise econômica: procedimento licitatório x poder judiciário
Busca o presente ensaio examinar o procedimento licitatório à luz da Análise Econômica do Direito. Para tanto, nosso intuito é demonstrar a importância das decisões proferidas pelo Poder Judiciário em questões que tangenciam o tema das licitações, decisões estas que envolvem interesses outros que não só o dos particulares participantes do procedimento licitatório, mas, em especial, o interesse público!
quarta-feira, 24 de março de 2010
Atualizado em 23 de março de 2010 11:21
Uma análise econômica: procedimento licitatório x poder judiciário
Luiz Felipe Hadlich Miguel*
Busca o presente ensaio examinar o procedimento licitatório à luz da Análise Econômica do Direito. Para tanto, nosso intuito é demonstrar a importância das decisões proferidas pelo Poder Judiciário em questões que tangenciam o tema das licitações, decisões estas que envolvem interesses outros que não só o dos particulares participantes do procedimento licitatório, mas, em especial, o interesse público!
É o principal objetivo da licitação a escolha, dentre várias propostas, daquela que melhor atenderá a este interesse público tutelado pela Administração contratante. Na maioria das vezes (exceções feitas às licitações tipo "técnica e preço"), e considerando que uma primeira fase do procedimento (em regra) se caracteriza pela habilitação técnica dos proponentes, pode-se dizer que o procedimento licitatório objetiva encontrar o melhor preço. Todavia, ao contrário da lógica e do que se observa em países de primeiro mundo, o preço ofertado pelos particulares à Administração é deveras superior aos preços praticados pelos mesmos particulares quando negociam com outros agentes privados.
Isso porque o Poder Público no Brasil, em geral, é mau pagador, obrigando o particular a incluir em sua proposta o "risco do calote". Ademais, o "risco judiciário" (que tem aumentado exponencialmente), implica na assunção de incertezas que, obrigatoriamente, irão compor o preço ofertado. Este é o escopo do presente trabalho: analisar o impacto econômico do "risco judiciário" nas licitações públicas, que acarreta um natural aumento de preços, e muitas vezes afasta a atuação administrativa da busca do interesse público primário.
Cumpre destacar que o Direito e a Economia, dia a dia, aproximam-se, forçando os profissionais dessas áreas a uma novel inter-disciplinariedade, sem a qual o fenômeno jurídico/econômico não pode ser compreendido. Na esteira do acima referido são as lições de Decio Zylbersztajn e Rachel Sztajn1:
Assim, o Direito influencia e é influenciado pela Economia, e as Organizações influenciam e são influenciadas pelo ambiente institucional.
(...)
É verdade que tanto Direito quanto Economia exercem papel primordial na formação de instituições e organizações. Todavia, é importante ressaltar que estas, por sua vez, influenciam a transformação do sistema jurídico e a consecução de resultados econômicos. As instituições, por seus efeitos sobre os custos de troca e produção, afetam decisivamente a performance econômica e, juntamente com a tecnologia empregada, elas, as instituições, determinam os custos de transação e transformação que formam os custos totais da atividade econômica em determinado ambiente.
Voltando à questão das licitações, vale lembrar que o "custo judiciário" é considerado pelos licitantes, por ocasião da formulação de suas propostas de preços. E o que compõe este custo? O primeiro item é o risco de que, uma vez não honrado pelo Poder Público o contrato, ter o particular que percorrer o árduo caminho do processo judicial para ver sua pretensão atendida. O sistema processual oferece recursos que, caso seja conveniente à parte, podem protelar o deslinde da causa por anos e, quem sabe, décadas! Ademais, vencida esta primeira etapa, a forma de pagamento de eventuais condenações pelo Poder Público (sistema de precatórios) é outro risco cujo custo é deveras elevado (e embutido no preço ofertado).
Um segundo elemento do referido custo é o de decisões judiciais divergentes: no Brasil o princípio da segurança jurídica encontra-se em desuso. É comum se distribuir ações semelhantes, e cada juiz decidir de uma maneira. Aliás, recentemente tivemos a oportunidade de nos depararmos com decisões conflitantes de um mesmo juízo, que em mandado de segurança concedeu medida liminar e dias depois, em outro idêntico, com as mesmas partes, mudando apenas o local da obra objeto do procedimento licitatório, negou a segurança liminarmente.
Por fim, a morosidade característica do Judiciário limita o poder de reação da parte lesada, pois de nada adianta um extenso rol de direitos positivados capazes de resguardar os interesses de particulares, se fazê-los cumprir está cada vez mais demorado e custoso. A demora na prestação jurisdicional implica não só num sentimento de injustiça, causando uma repulsa social à procura da tutela do Estado, mas também tem um grave impacto econômico. O Editorial da Folha de S.Paulo, de 16 de janeiro de 2007, destaca que "a pior justiça é a que não julga". Aponta a morosidade do Judiciário como responsável por prejuízos incalculáveis, afetando desde o fluxo de caixa de empresas até elementos imponderáveis, como a confiança nas instituições públicas.
Especificamente com relação às licitações públicas, a celeridade do judiciário representa economia de recursos. Isto porque não raras são as vezes em que, suspenso o procedimento licitatório por medida liminar, e enquanto se aguarda a solução definitiva da demanda, a Administração firma contratos com dispensa de licitação. E ainda temos situações em que ocorre o contrário: enquanto se aguarda o deslinde da questão posta em juízo, a Administração fica inerte, sob o manto protetor da decisão judicial, deixando de atender aos anseios da sociedade, e afastando-se de seu escopo final de atendimento ao interesse público.
Outrossim, há de se considerar que o próprio procedimento licitatório é custoso, tanto para o Poder Público, como para o particular que dele participa. Custoso para o Poder Público, que tem que elaborar o Edital, disponibilizar pessoal para realizar visitas técnicas (em caso de obras), elaborar projeto básico, etc. E custoso para o particular, que terá que providenciar uma séria de certidões e documentos, pesquisar orçamentos, elaborar proposta, etc. Portanto, a busca pela melhor oferta é acompanhada por uma série de gastos que muitas vezes não justificam o procedimento, se analisados pelo aspecto puramente econômico.
Essa singela análise econômica do procedimento licitatório não poderia deixar de considerar que muitos dos comportamentos adotados pelos licitantes, comportamentos estes por vezes considerados economicamente irracionais, ocorrem por imposições do sistema jurídico. Decio Zylbersztajn e Rachel Sztajn2 observam:
A análise econômica deve, então, considerar o ambiente normativo no qual os agentes atuam, para não correr o risco de chegar a conclusões equivocadas ou imprecisas, por desconsiderar os constrangimentos impostos pelo Direito ao comportamento dos agentes econômicos. (sem ênfase no original)
Exemplo de "constrangimento" imposto pelo Direito aos licitantes, que acaba por forçá-los a adotar medidas economicamente irracionais, é o contido no art. 48 e parágrafo da lei 8.666/93 (clique aqui). Este comando legal deixa claro que o valor oferecido pelo particular tem um piso e um teto, o que acaba por balizar a decisão econômica de compor o preço a ser ofertado. Portanto, claro está que decisões econômicas tomadas no contexto do procedimento licitatório se balizam por comandos do Direito posto - e tais balizas devem ser consideradas para a presente análise.
Todavia, no âmbito das decisões judiciais referentes a procedimentos licitatórios, em especial em mandados de segurança, nem sempre a questão econômica é considerada. Assim, comum nos depararmos com liminares que suspendem uma licitação, prejudicando muitas vezes o real e completo atendimento do interesse público, em prol de questões procedimentais de menor relevo, tais como inobservância de prazos previstos na lei, ou mesmo erros insignificantes de redação no instrumento convocatório (Edital).
A título de exemplo, segue trecho de sentença que desconsidera por completo o aspecto econômico:
Processo 1409/053.05.025969-8
5ª Vara da Fazenda Pública/SP
(...)
Assim sendo, procurando-se dosar o equilíbrio, a segurança jurídica do administrado, o interesse público subjacente, a proporcionalidade e a razoabilidade da medida, sinto que o pedido de concessão da liminar faz-se necessário, razoável, lógico e urgente, ainda mais em uma metrópole tão difícil de viver, onde, por vezes, o homem depara-se uma certa depressão social quando tem notícia de que os atos do poder público são capazes de causar prejuízo à população, o que pode gerar quase uma desilusão de cidadania, sendo de império, portanto, a adoção da medida menos gravosa para o interesse público, a qual, nesse instante, para o caso dos autos, é suspender os efeitos da concorrência pública. (sic) (g.n.)
Ora, a decisão se balizou por questões das mais diversas áreas (política, social, legal), mas desconsiderou totalmente o aspecto econômico. Pois bem, no caso em tela visava-se a venda de imóvel do governo do Estado de São Paulo. Com os valores obtidos na alienação o Estado iria constituir fundo garantidor capaz de tornar viáveis Parcerias Público-Privadas, dentre elas a de construir escolas e presídios. Desconsiderando o aspecto econômico, a decisão suspendeu a licitação, bem como os pagamentos pelo imóvel adquirido. Sob o rótulo de proteção do interesse público, a decisão impossibilitou a construção das referidas escolas e presídios, culminando no estado deplorável do ensino público e do sistema prisional do Estado, o que, a nosso ver, gera ainda maior desconforto social (a título de curiosidade, quase um ano depois a decisão foi revogada, pois restou provado que todo o processado estava correto e perfeito).
Direito e economia também se "encontram" nos pedidos de re-equilíbrio econômico financeiro dos contratos administrativos. Quando se participa de uma licitação, o que se licita, em última análise, é uma equação econômico-financeira, que deve perdurar por todo o contrato. Caso fatores outros que não os inicialmente previstos acabem por alterar a equação econômico-financeira pactuada, o re-equilíbrio é necessário. Apesar de albergado pelo sistema jurídico, tal direito teve origem em aspectos econômicos, em especial no custo do risco; caso o particular não tivesse direito a tal re-pactuação, os preços ofertados ao Poder Público para execução/prestação de serviços públicos seriam exponencialmente mais altos.
A decisão judicial é um poderoso instrumento, capaz de tornar material a relação entre direito e economia. Muitas decisões judiciais são elaboradas sem que o magistrado tenha em mente a repercussão econômica daquilo que está sendo decidido. E as conseqüências podem ser por demais gravosas, tanto para as partes envolvidas diretamente no processo, como para toda a sociedade. Assim, o magistrado tem a obrigação de, em suas decisões, sopesar princípios e considerar aspectos que orbitem em outras áreas do conhecimento humano que não única e exclusivamente o Direito.
A relação Direito/Economia vem tomando força, e a cada dia se mostra mais importante para a pacificação social. Necessário destacar que o magistrado agirá pautado por diversos princípios, inclusive morais, em suas decisões; contudo, o aspecto econômico, mesmo que superado, deve ser analisado.
Nas licitações públicas, ainda parece insipiente a discussão: o interesse público se coloca como único ideal a ser perseguido, mesmo quando cause ao particular forte abalo econômico. As Parcerias Público-Privadas vieram no sentido de alterar a sistemática acima exposta. A melhor alocação do risco, para aquele onde seu custo será o menor leva, mesmo que inconscientemente, o julgador a tomar decisões com forte apelo econômico. E este é o ideal. Terminamos com exemplo que nos parece conclusivo: no ímpeto de exercer um papel redistributivo em favor da parte mais fraca na relação, magistrados violam contratos, gerando grave insegurança jurídica. Num segundo momento, tal comportamento pode desencadear um subdesenvolvimento de determinados mercados, considerada a instabilidade das relações. E o maior prejudicado com isso são exatamente os grupos sociais que os magistrados buscavam beneficiar!
Isso tudo para lembrar que Direito e Economia andam lado a lado, se intercomunicam e se tangenciam, ora sobrepondo-se um, ora outro. Cumpre aos magistrados, sacerdotes do Direito, não se esquecerem do peso de suas decisões, que implicam em conseqüências econômicas muitas vezes diametralmente opostas das inicialmente perseguidas.
O ser humano e o bom juiz devem adaptar-se, imediatamente, ao novo milênio, que se aproxima velozmente, e a um mundo deslumbrante envolvido por novos mercados e blocos comerciais, significativas alterações das estruturas culturais e sócio-políticas, queda e criação de novos impérios econômicos e Estados, numa universalização jamais vista, e por descobertas científicas e tecnológicas, que exigem do homem e do novo juiz mais que meros expedientes legislativos ou messiânicas posturas, senão intensa arte de ourivesaria, na elaboração jurídica e aplicação do Direito, porque o verdadeiro direito é aquele que anda de mãos dadas com a justiça social e deve-se harmonizar com as novas realidades que despontam para não se apartar de vez do ser humano e fenecer solitário. Leon Frejda Szklarowsky
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1 ZYLBERSZTAJN, Decio; SZTAJN, Rachel. Análise econômica do direito e das organizações. In Direito & Economia. Rio de Janeiro: Campus, 2005, p. 3.
2 Op. cit., p. 03.
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*Sócio do escritório Advocacia Luiz Felipe e Carvalho Filho
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