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Gerar valor ao invés de vitórias

Os próximos seis anos prometem. Teremos a Copa do Mundo no Brasil em 2014 e as Olimpíadas no Rio de Janeiro em 2016. Esses dois eventos movimentarão fortemente a economia brasileira e, principalmente, a carioca. Empreendedores, com muito otimismo e a cabeça fervendo de idéias, firmarão os mais diversos contratos.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Atualizado em 22 de fevereiro de 2010 11:17


Gerar valor ao invés de vitórias

Leonardo Corrêa*

Os próximos seis anos prometem. Teremos a Copa do Mundo no Brasil em 2014 e as Olimpíadas no Rio de Janeiro em 2016. Esses dois eventos movimentarão fortemente a economia brasileira e, principalmente, a carioca. Empreendedores, com muito otimismo e a cabeça fervendo de ideias, firmarão os mais diversos contratos. Alguns deles serão descumpridos, outros enfrentarão adaptações que, em muitos casos, darão origem a acordos absolutamente novos e diferentes dos originais.

A explosão de negócios em um ambiente de excessivo otimismo e euforia é a receita clássica para desavenças futuras. Nesse cenário, é importante que os negociadores mantenham a serenidade durante toda a vida da relação comercial. Só assim será possível minimizar os riscos de se firmar um "negócio miragem".

Explico melhor: excessos de otimismo e de euforia distorcem a percepção, levando a uma análise negligente dos reais anseios e aspirações de cada parte. Chamo de negócio miragem, portanto, um acordo qualquer onde os contratantes, cegos pelas perspectivas positivas, não enxergam os reais objetivos da outra parte, preferindo acreditar em uma fantasia.

Quando o entusiasmo passa a enfrentar a realidade da implementação do negócio (ou o "dia a dia"), invariavelmente surgem conflitos e frustrações capazes de modificar completamente o humor das partes, e, muitas vezes, recentes parceiros transformam-se em ferrenhos inimigos. Conflitos e frustrações, assim, são subprodutos de negociações excessivamente eufóricas e entorpecidamente otimistas.

Dependendo do grau de ilusão resultante do estado emocional no momento da contratação e, principalmente, da personalidade dos contratantes, um desentendimento pode desencadear uma desconfiança crônica. A escalada dos conflitos é, invariavelmente, o prenúncio de uma fase que os norte-americanos chamam de "blame-game" - onde as partes se acusam mutuamente, perdendo completamente a capacidade de buscar alternativas viáveis.

Todos passam a se sentir enganados e não reconhecem que, na realidade, eles são os personagens principais do enredo, contribuindo, de alguma forma, para o desfecho infeliz. O quadro pode evoluir para o estado de "guerra", declarada formalmente com variantes da conhecida frase: "de agora em diante você só fala com o meu advogado".

Entram em cena, nesse momento, alguns personagens novos (os advogados) que, tradicionalmente, foram treinados nas universidades e talhados nos escritórios para "matar". E, assim, o "blame-game" ganha, nesse momento, litros de querosene para aumentar e expandir o incêndio.

Mas, por sorte, nem sempre a questão evolui dessa forma. Por talento, experiência ou curiosidade, alguns advogados aprenderam a adotar uma postura diferente da litigiosidade clássica, de modo a aproveitar essas situações para ambas as partes. A base dessa postura diferenciada consiste, primeiramente, na criação de uma barreira de proteção para a emoção dos clientes. O advogado não deve, em hipótese alguma, se deixar contaminar pelas emoções em um processo de "demonização" da outra parte.

Para fugir dessa tentação é fundamental se ter em mente que "matar raramente é a melhor solução", ou, arrisco dizer, "matar não é solução, é ato extremo admitido, apenas, na ausência de alternativas e em legítima defesa". Devemos, sempre, recorrer à racionalidade para minimizar os riscos de adotar uma medida calcada em reação emocional instintiva. Nos casos específicos das disputas comerciais, a racionalidade é representada por raciocínios que levem em consideração: custo-benefício, continuidade da relação comercial, possibilidades de minimizar os prejuízos, ou, ainda, chances de ganho até então negligenciadas.

Isso não quer dizer, por outro lado, que o papel do advogado seja desaconselhar a disputa com frases do tipo "mais vale um mau acordo do que uma boa demanda". Muito pelo contrário, a função do advogado é sempre encarar e mergulhar na disputa, nos seus fatos e nas suas causas, só assim ele poderá avaliar corretamente a situação. O que mudará, na realidade, serão a sua postura e perspectiva voltadas para a solução do conflito.

Essa mudança não é difícil, bastando manter sempre em mente a seguinte idéia: raramente uma disputa comercial será um "jogo de matar ou morrer". Além disso, por mais paradoxal que possa parecer, mesmo em uma disputa é preciso tentar manter certo otimismo em relação à outra parte, pois, de outra forma, uma solução negocial se torna praticamente impossível.

Torna-se fundamental, assim, entender as razões da disputa e as possibilidades de lado a lado, para, com isso, buscar alternativas que possibilitem um ganho para ambas as partes, ou, pelo menos, um mínimo de satisfação com a solução do conflito.

Esse será o papel do advogado brasileiro especialista em disputas nos próximos anos. Teremos de reinventar a nossa forma de trabalhar, eliminar vícios e fugir do "matar ou morrer". Teremos de apreender sobre negócios e ser mais curiosos sobre os fatos que permearam toda a relação comercial desde a contratação. Teremos, enfim, que tentar gerar valor ao invés de vitórias.

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*Advogado do escritório Machado, Meyer, Sendacz e Opice Advogados









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