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O Conselho Nacional de Justiça e o controle externo, administrativo, financeiro e disciplinar

Mário Helton Jorge

O Congresso Reformador instituiu, através da Emenda Constitucional nº 45, promulgada no dia 08.12.2004, o Conselho Nacional de Justiça, com o objeto de estabelecer um controle centralizado das atividades administrativas, financeiras e disciplinares exercidas pelos órgãos do Poder Judiciário, no território nacional, sob o aspecto da legalidade, de acordo com o Parecer nº 1.747, de 2004, à Proposta de Emenda à Constituição nº 29, de 2000 ( nº 96, de 1992, na Câmara dos Deputados, constantes da Emenda nº 240, da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania), inserindo o inciso I-A, no artigo 92, da Constituição Federal.

quarta-feira, 2 de março de 2005

Atualizado em 1 de março de 2005 11:44


O Conselho Nacional de Justiça e o controle externo administrativo, financeiro e disciplinar do Poder Judiciário: violação do pacto federativo

Mário Helton Jorge*

1. Introdução

O Congresso Reformador instituiu, através da Emenda Constitucional nº 45, promulgada no dia 8.12.2004, o Conselho Nacional de Justiça, com o objeto de estabelecer um controle centralizado das atividades administrativas, financeiras e disciplinares exercidas pelos órgãos do Poder Judiciário, no território nacional, sob o aspecto da legalidade, de acordo com o Parecer nº 1.747, de 2004, à Proposta de Emenda à Constituição nº 29, de 2000 ( nº 96, de 1992, na Câmara dos Deputados, constantes da Emenda nº 240, da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania), inserindo o inciso I-A, no artigo 92, da Constituição Federal.

A justificação política para a adoção do Controle Externo do Poder Judiciário deveu-se a necessidade de se estabelecer um canal de aproximação entre os órgãos do sistema judicial e a sociedade, razão pela qual deve ser composto por representantes do Poder Judiciário, do Ministério Público, de Advogados, de juristas indicados pela Câmara e pelo Senado. Ressalte-se que o Poder Executivo não tem assento no Conselho Nacional de Justiça, mantendo-se o Princípio Constitucional da Independência dos Poderes e da manutenção dos freios e contrapesos. A atuação da fiscalização e do controle é apenas uma das parcelas das atividades do Conselho. O acompanhamento dos atos administrativos do Poder Judiciário é importante para que a sociedade tenha informações sobre o planejamento de políticas públicas judiciais e sua concretização, e possa participar de sua construção. O Conselho terá o papel de recolher dados nacionais sobre o Poder Judiciário e de propor alternativas a curto, médio e longo prazos para a sua efetividade. Qualquer política judicial necessita de planejamento e esta será a função essencial do Conselho, analisando e sistematizando informações, elegendo prioridades e construindo alternativas para o desenvolvimento do acesso e da eficiência da Justiça1.

E
vidente que toda opção política faz nascer um discurso institucional de justificação que pretende harmonizar os mecanismos de proteção dos valores tidos como os mais importantes e, por outro lado, um contradiscurso que exerce a crítica desses valores e denuncia a ilegitimidade do exercício do poder.

No entanto, o fato é que, a partir da vigência da norma jurídica, o ponto de vista que ela consagrou é o que prevaleceu, isto é, o predominante. Ademais, é certo que dinâmica social faz com que o exercício do poder seja considerado benéfico ou maléfico, de acordo com o contexto histórico e segundo os diversos pontos de vista, a partir dos quais esse contexto é considerado. A justiça dos homens não passa de uma relação estabelecida entre uma ação e o estado variável da sociedade. A mutabilidade do ambiente social apresenta variações na medida em que a ação se torna vantajosa ou necessária ao grupo social.

Assim, o sistema jurídico, como um instrumento de controle social, visa realizar finalidades práticas e pode variar de acordo com as opções de conveniência da política social adotada pelo Estado. Considerando que o poder político é exercido pelas classes dominantes no contexto social, os fins perseguidos pela atividade política são variáveis, de acordo com a preponderância dos interesses sustentados pelos grupos dominantes. No entanto, não basta a vontade política para fazer prevalecer os interesses dominantes, porque o sistema é constituído de regras e princípios que devem ser observados, sob pena de violação da ordem jurídica constitucional.

O que se pretende com este estudo é apenas demonstrar que o controle centralizado a ser exercido pelo Conselho sobre todos os Tribunais e órgãos do Judiciário, em âmbito nacional, fere o pacto federativo.

2. O Sistema Constitucional de Controles: dos freios e contrapesos como formas de controle

A Constituição Federal consagrou a doutrina dos freios e dos contrapesos assim constatada: (1) O Legislativo controla o Executivo rejeitando o veto presidencial(art. 66 e §§), aprovando nomes para determinados cargos (art. 52, III e IV), tratados (art. 49, I); sustando atos normativos que exorbitem o poder de regulamentar ou dos limites de delegação legislativa (art. 49,V); fiscalizando os atos administrativos mediante Comissões Parlamentares de Inquérito (art. 58), o orçamento (art. 70); votando o "impeachment" do Presidente (art. 51, I, 52, I e § único, 85 e 86); (2) O Executivo controla o Legislativo através do veto de projetos de leis (art. 66,§ 1º); mediante a iniciativa legislativa, em determinadas situações (61,§ 1º, art. 63); na elaboração de leis delegadas (art. 68), na expedição de Medidas Provisórias (art. 62); (3) O Legislativo controla o Judiciário através da elaboração de leis de que necessita o Judiciário (art. 48); criando cargos (art. 48,X); votando a organização judiciária (art. 48,IX); ao votar a proposta de orçamento e fiscalizar a execução orçamentária (art. 48, II e 70), ainda que o Judiciário possua autonomia financeira; ao aprovar os nomes de magistrados do STF e dos tribunais superiores (art. 52, III"a", art. 101, § único; art. 104, § único; art. 111,§ 1º; art. 123); ao julgar os Ministros do STJ nos crimes de responsabilidade (art. 52,II); (4) O Executivo controla o Judiciário quanto o Presidente da República nomeia os Ministros do STF, dos Tribunais Superiores e dos Tribunais Regionais (art. 101, art. 104,§ único, art. 107; art. 111,§ 1º; art. 115; art. 119, II; art. 120,§ 1º, III; art. 123); ao conceder indulto e comutação de penas aos condenados (art. 84, XII); (5) O Judiciário controla o Executivo e o Legislativo nos atos administrativos e na constitucionalidade das leis.

Como se constata, na interação das funções executiva, legislativa e judiciária há recíproca colaboração de fiscalização, de forma a manter a harmonia dos poderes, como concretização da doutrina dos "checks and balances", sem violação das garantias outorgadas constitucionalmente ao Judiciário, mister a da sua independência.

Outras formas de controle externo sobre as atividades do Poder Judiciário podem ser constatadas nos julgamentos públicos e nas decisões fundamentadas; nos concursos públicos, os quais são realizados sob a fiscalização de um membro da OAB; a participação de Advogados e de membros do Ministério Público na composição dos Tribunais, através do "quinto" (art. 94,CF); a fiscalização da gestão orçamentária realizada pelos Tribunais de Contas( art. 70 e ss); as Juntas Eleitorais são compostas pela maioria de cidadãos; o Tribunal do Júri consagra o julgamento ( sete juízes leigos) pela vontade popular; nos Juizados Especiais Cíveis e Criminais existe a efetiva participação popular na conciliação e na arbitragem etc.

No entanto, afora o controle interno do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes e serventuários, exercido pelos Tribunais Estaduais e Regionais, os Juízes dos Tribunais Regionais Federais, Trabalhistas, Militares e Eleitorais, Ministros dos Tribunais Superiores estão livres de controle, no que se refere ao cumprimento dos deveres funcionais, por ausência de um órgão específico.

2.1. Controle dos Atos Administrativos

Os órgãos do Poder Judiciário praticam atos administrativos, razão pela qual, igualmente aos demais órgãos da Administração Pública, devem atuar de acordo com as normas disciplinadoras do ato, com a finalidade e o interesse coletivo em sua realização.

Assim, desde que não sejam observados as regras e os princípios básicos da Administração, o ato administrativo fica viciado, estando sujeito à anulação pelo poder controlador.

Segundo Hely Lopes Meirelles2 controle em tema de administração pública "é a faculdade de vigilância, orientação e correção que um Poder, órgão ou autoridade exerce sobre a conduta funcional de outro".

O controle sempre faz pressupor a existência de um órgão superior em relação ao controlado, dito, subordinado, nas situações de administração centralizada, ou de vinculação, entre órgãos de administração descentralizada.

Havendo subordinação, há hierarquia, em face do escalonamento vertical dos órgãos, em que os inferiores estão subordinados aos superiores. O órgão da cúpula sempre tem o pleno controle dos subordinados. Portanto, existirá sempre a supervisão, coordenação, orientação, fiscalização, aprovação, revisão e avocação das atividades controladas, bem como a aplicação de medidas corretivas aos agentes responsáveis. Na verdade, trata-se de policiamento das atividades dos órgãos subordinados.

Sendo o controle finalístico, a norma estabelece a autoridade controladora, as faculdades a serem exercidas e as finalidades objetivadas. É um controle limitado e externo, porque realizado por órgão diverso daquele que praticou o ato, eis que o controle é interno quando a próprio órgão realiza o controle da atividade praticada.

O controle ainda pode ser preventivo, quando anteceder à conclusão do ato, como requisito para a sua eficácia; concomitante ou sucessivo, quando o ato é acompanhado para a verificação da regularidade de sua formação; subseqüente ou posterior, quando é realizado, após a conclusão do ato controlado, visando a correção de eventuais defeitos, declarar a sua nulidade, ou dar-lhe eficácia.

O controle administrativo, portanto, é aquele em que os órgãos da administração dos Poderes exercem sobre as suas próprias atividades, com o objetivo de conformá-los à legalidade, tanto que o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula 473: "A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revoga-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos e ressalvado, em todos os casos, a apreciação judicial". Denomina-se controle interno.

3. Da estrutura do Poder Judiciário Nacional

O Poder Judiciário é uno, no âmbito territorial brasileiro. No entanto, possui estruturas federal e estadual. Fazem parte da estrutura dos Estados-Membros os Tribunais de Justiça e os Juízes estaduais, enquanto que se situam na esfera federal o Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justiça e os demais Tribunais Superiores, com jurisdição sobre todo o território nacional, e os Tribunais Regionais Federais, Tribunais Regionais do Trabalho, Eleitoral, e Militar e Juízes federais, com jurisdição regionalizada (art. 92, CF).

Importante destacar-se que entre os órgãos do Poder Judiciário não existe subordinação administrativa e jurisdicional, ou seja, os Tribunais não controlam uns aos outros.

4. Da composição do Conselho Nacional de Justiça

O Conselho Nacional de Justiça é órgão do Poder Judiciário (art. 92-I-A, C.F), com sede na Capital Federal, com jurisdição em todo o território nacional, é composto, por quinze (15) membros, com mais de 35 anos e menos de 66 anos de idade (art. 103-B, CF), com mandato de dois anos, admitida uma recondução, sendo um Ministro do STF, indicado pelo próprio Tribunal, um Ministro do STJ, indicado pelo próprio Tribunal, um Ministro do TST, indicado pelo próprio Tribunal, um Desembargador de Tribunal de Justiça Estadual, indicado pelo STF, um Juiz Estadual, indicado pelo STF, um Juiz Federal indicado pelo STJ, um juiz Federal do TRF, indicado pelo STJ, um Juiz de TRT, indicado pelo TST, um Juiz do Trabalho, indicado pelo TST, um membro do Ministério Público da União, indicado pelo Procurador-Geral da República, um membro do Ministério Público Estadual, escolhido pelo Procurador-Geral da República, dentre os nomes indicados pelo órgão competente de cada instituição estadual, dois Advogados, indicados pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e dois cidadãos, de notável saber jurídico e de reputação ilibada, devendo ser indicados um pela Câmara dos Deputados e o outro pelo Senado Federal. O Conselho será Presidido pelo Ministro do Supremo Tribunal Federal, além de que a função correicional será exercida pelo Ministro do Superior Tribunal de Justiça, sendo que todos os membros serão nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal. Exercerão o ofício junto ao Conselho o Procurador-Geral da República e o Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil(§ 6º). Aderem, ainda, ao Conselho os Ouvidores de Justiça, os quais possuem competência para receber reclamações e denúncias de qualquer interessado contra membros ou órgãos do Poder Judiciário, ou contra seus serviços auxiliares, representando-os diretamente (§ 7º) ao Conselho. A propósito, na estrutura do Poder Judiciário Nacional o Conselho está localizado logo depois do Supremo Tribunal Federal.

5. Da competência do Conselho Nacional de Justiça

A competência do Conselho está prevista no artigo 103-B,§ 4º, da C.F., além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura (atual LOMAN), destacando-se: controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário (esferas federal e estadual); controle do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes ( Ministros, Desembargadores e Juízes); zelar pela autonomia do Poder Judiciária e pelo cumprimento do Estatuto da Magistratura, com poder de regulamentação; zelar pela observância do artigo 37, CF (legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência dos atos administrativos); examinar, de ofício ou por provocação, a legalidade dos atos administrativos, podendo desconstituí-los, revê-los ou fixar prazo para que se adotem as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, sem prejuízo da competência do Tribunal de Contas da União; receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Poder Judiciário, serviços auxiliares, serventias e órgãos prestadores de serviços notariais e de registro, sem prejuízo da competência disciplinar e correicional dos tribunais; avocar processos disciplinares em curso e determinar a remoção, a disponibilidade ou a aposentadoria; representar ao Ministério Público, no caso de crime contra a administração pública ou de abuso de autoridade; rever, de ofício ou mediante provocação, os processos disciplinares de juízes e membros dos tribunais julgados há menos de um ano.

6. Características do Conselho Nacional da Justiça

O Conselho é formado por 15 membros: nove magistrados, dois membros do Ministério Público, dois Advogados e dois cidadãos, com mandato temporário de dois anos. Portanto, trata-se de um órgão jurisdicional de composição híbrida. A novidade é a participação de dois cidadãos indicados pela Câmara e Senado Federal, como representantes do povo, dando-se efetividade ao Princípio do Estado Democrático de Direito, isto é, uma forma de intervenção popular sobre o exercício do poder. Exercerá o controle sobre os demais órgãos do Poder Judiciário; assim, o controle será externo da atuação administrativa, financeira e funcional (sob o aspecto da legalidade), posteriormente à prática dos atos. Ainda que não haja subordinação entre os órgãos do Poder Judiciário, o Conselho Nacional de Justiça tem características de órgão superior, considerando que pode desconstituir atos administrativos, revê-los ou determinar prazos para a regularização, receber reclamações contra os membros do Judiciário, avocar processos disciplinares, aplicar sanções disciplinares. Portanto, trata-se de atividade de policiamento das atividades dos órgãos subordinados.

7. Da inconstitucionalidade material do Conselho Nacional de Justiça

A criação do Conselho Nacional de Justiça, como órgão integrante do Poder Judiciário, com competência de fiscalização, decorre de norma constitucional inovadora, através de emenda constitucional. Portanto, a inovação normativa não foi introduzida pelo Poder Constituinte, estando sujeita a disciplina prevista na Constituição Federal, acerca do modo de produção das normas primárias, da competência e dos procedimentos a serem observados na sua criação, sob o aspecto formal. Demais disso, em sua dimensão substantiva, determina condutas, enuncia valores a serem preservados e fins a serem buscados.

Sobressai a inconstitucionalidade formal quando um ato legislativo tenha sido produzido em desconformidade com as normas de competência ou com o procedimento estabelecido para seu ingresso no mundo jurídico. A inconstitucionalidade será material quando o conteúdo do ato estiver em contrariedade com alguma norma substantiva prevista na Constituição, seja uma regra ou um princípio.

A dogmática jurídica moderna reconhece o caráter normativo da Constituição, sua supremacia formal, material e axiológica, bem como destaca o papel hermenêutico fundamental dos princípios constitucionais. A Constituição é um sistema aberto de regras e princípios, que se concretizam em uma relação intensa, recíproca e dialética com os fatos e a realidade.

Portanto, o caminho natural e lógico do processo de interpretação constitucional inicia-se com a identificação do conjunto normativo relevante para a hipótese, seguida de sua compreensão como parte de um sistema, que deve ter a sua unidade e harmonia preservadas.

Na hipótese de confronto entre a diretriz constitucional e a emenda constitucional, prevalecerá, naturalmente, o mandamento superior, considerando-se inválidas as normas incompatíveis com a Lei Maior. Nada obstante, não deve o intérprete pronunciar a inconstitucionalidade de uma norma se houver alternativa legítima e razoável para preservá-la dentro do sistema3.

Primeiramente, a norma que criou o Conselho Nacional de Justiça o inseriu como órgão de controle integrante da estrutura do Poder Judiciário (diversamente da proposta original, constante da PEC nº 112/95). Sob este prisma, não existe previamente nenhum regime específico a ser observado. A independência dos órgãos continua preservada, porquanto não se vislumbr a prima facie que o Conselho se sobreponha, anulando-os completamente em sua manifestação estatal.

Em relação à sua composição mista, de magistrados, de integrantes do Ministério Público, de advogados e de cidadãos, representantes do povo, também não se afigura incompatível com o Princípio do Estado Democrático de Direito, considerando que o exercício da jurisdição é uma das expressões do poder do Estado, razão pela qual tem natureza política. Ainda que perdure o discurso da atuação apolítica do Juiz, em face da obrigatoriedade da imparcialidade, certo é que não se lhe retira a responsabilidade pelo conteúdo da justiça, ou da injustiça que a norma jurídica albergue, como se a aplicação da lei e a sua interpretação fossem feitas mecanicamente, isto é, robotizadas!

Assim, sendo a jurisdição de natureza política, por certo se sujeita aos postulados que regem a atividade do Estado Democrático de Direito, isto é, a controle de natureza popular, para alcançar a sua legitimidade. Evidente que choca essa afirmação, porque o discurso difundido é o de que o exercício da jurisdição é uma atividade eminentemente técnica e apolítica, sendo a fonte de sua legitimação a previsão constitucional, no que se refere ao ingresso nos quadros da magistratura. No entanto, a legitimação é apenas sob o aspecto formal. O controle popular sobre o Estado não se confunde, não se esgota no consentimento para o exercício do poder. A integração de pessoas estranhas ao Judiciário não é novidade. Note-se indiscriminadamente a presença de advogados e membros do Ministério Público como integrantes dos Tribunais; de populares (juízes leigos) na composição dos Tribunais do Júri; de populares nas Juntas Eleitorais e nos Tribunais Regionais Eleitorais.

Quanto à competência no controle da atuação administrativa e financeira do Judiciário, o Conselho concorre com a do Tribunal de Contas da União, e, também, em relação ao cumprimento dos deveres funcionais dos Juízes, serviços auxiliares,serventias e órgãos prestadores de serviços notariais e de registro, concorre com os Conselhos da Magistratura e as Corregedorias de Justiça dos Tribunais.

Como não existe função correicional nos Tribunais, em relação ao cumprimento dos deveres funcionais dos seus integrantes - Juízes dos Tribunais Federais e Desembargadores dos Tribunais Estaduais -, o Conselho terá competência exclusiva do controle, inclusive sobre os Ministros dos Tribunais Superiores.

7.1. Violação do Pacto Federativo

Nota-se que ao tratar da organização e divisão judiciárias, a Constituição atribuiu à União, no art. 22, XVII, a competência para disciplinar a organização judiciária do Distrito Federal e dos Territórios4, e ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores e aos Tribunais de Justiça a competência privativa para proporem ao correspondente Legislativo alterações na organização e divisão judiciárias (art. 96, II, d)5, cada qual na esfera de sua atribuição6.

Assim, aos Estados-Membros da Federação incumbe a organização de sua Justiça, observados os princípios estabelecidos na Constituição (CF, art. 1257). Compete-lhes, ainda, em comum com a União e os Municípios, zelar pela guarda da Constituição, das leis e das instituições democráticas (CF, art. 23, I8). Em um Estado Democrático de Direito, no qual vigora o princípio da supremacia constitucional, todos os intérpretes - inclusive e sobretudo os Poderes estatais de todos os níveis9 - devem fidelidade ao cumprimento da Lei Maior.

O federalismo, baseado na união de coletividades políticas autônomas, foi adotado pela Constituição, em seu artigo 1º, mediante a declaração de que o Brasil é uma República Federativa. A federação é composta de estados federados, Estados-Membros ou simplesmente Estados.

Estado Federal "é o todo, dotado de personalidade jurídica de Direito Público Internacional"10. Estados-Membros são entidades federativas componentes, dotadas de autonomia e de personalidade jurídica de Direito Público Interno.

A repartição de competências entre a União e os Estados-Membros constitui a base do Estado Federal, dando origem a uma estrutura estadual autônoma, principalmente no que se refere a capacidade normativa reservadas ao seu âmbito.

A autonomia dos Estados-Membros consubstancia-se na sua capacidade de auto-organização, de autolegislação, de autogoverno e de auto-administração (art. 18, 25, 28, CF).

A auto-organização encontra fundamento explícito nos art. 25, 28 e 125 da C.F, que dispõem sobre a organização dos poderes estaduais, respectivamente, Poder Legislativo, representado pela Assembléia Legislativa, pelo Executivo, representado pelo Governo e Poder Judiciário, representado pelo Tribunal de Justiça.

A capacidade de auto-organização(art. 25, CF) refere-se à distribuição de competências entre a União, Estados e Municípios. Os Estados possuem competência reservada.

Embora os Tribunais Estaduais e seus juízes estejam inseridos na Constituição Federal, como órgãos do Poder Judiciário Nacional (e não exclusivamente federal), compete aos Estados-Membros a organização de sua Justiça, observados os princípios estabelecidos na Constituição Federal. A jurisdição é nacional, com descentralização judiciária.

Portanto, compete ao Constituinte Estadual estruturar a sua Justiça, desde que preveja o Tribunal de Justiça como órgão de cúpula da organização judiciária. A Justiça Estadual é composta pelo Tribunal de Justiça, como órgão de segunda instância, e pelos juízes de primeira instância, mais os serviços auxiliares.

Ainda no âmbito da autonomia do Estado-Membro, independência e harmonia entre os poderes, compete ao Tribunal de Justiça (art. 169, CF) propor para a Assembléia Legislativa a alteração do número de seus membros, a criação e a extinção de cargos a fixação de vencimentos, dos juízes e de serviços auxiliares, dos juízos vinculados (secretarias, cartórios etc), bem assim propor um Código de Organização (constituição, estrutura, atribuição e competência dos juízes etc.) e Divisão Judiciárias (criação, alteração e a estrutura das seções, circunscrições, comarcas etc).

Por outro lado, os atos administrativos praticados pela Administração do Tribunal de Justiça estão sujeitos ao controle interno pelos seus órgãos e pelo controle externo, através do Tribunal de Contas do Estado.

O exercício do poder disciplinar está previsto no artigo21, V, da Lei Complementar nº 35/79 - LOMAN -, e compete aos Tribunais Estaduais, em consonância com o Princípio Federalista.

Os deveres dos magistrados estão elencados no artigo 35 da LOMAN, bem assim as penalidades estão previstas, no artigo 42, devendo estar disciplinado, nos regimentos internos dos Tribunais, o procedimento para a apuração das faltas (art. 48). A função disciplinar será exercida pelo Conselho da Magistratura (art. 104).

Ora, se o Princípio Federalista consagra a autonomia de os Estados-Membros (a) organizar a sua Justiça, estabelecendo competência ao Conselho da Magistratura para o exercício da função disciplinar sobre os integrantes do Judiciário Estadual e serventuários etc; (b) votar orçamento do Tribunal pelo Legislativo; e (c) fiscalizar a execução orçamentária, através do Tribunal de Contas Estadual, afigura-se razoável concluir que a norma inovadora, que criou o Conselho Nacional de Justiça para controlar os atos administrativos e a atuação financeira do Judiciário Estadual, bem assim o cumprimento dos deveres funcionais dos Desembargadores e Juízes Estaduais, fere o pacto federativo.

8. Breves conclusões

O Conselho Nacional de Justiça é um órgão centralizador de fiscalização de natureza externa e superior aos demais órgãos integrantes do Poder Judiciário.

A indicação de pessoas estranhas ao Judiciário para participarem de seu controle está de acordo com o Princípio Democrático de Direito, não significando nenhuma novidade na composição de seus órgãos.

Os dispostivos da Emenda Constitucional nº 45/04 inovam a ordem jurídica, no que se refere à competência do Conselho de poder controlar a atividade administrativa, financeira e disciplinar dos Tribunais e Juízes Estaduais, ferindo a autonomia dos Estados-Membros, assegurada pelo Pacto Federativo.
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1O Controle Externo do Poder Judiciário é originário da Proposta de Emenda à Constituição nº 112, de 1995, de autoria do Deputado José Genuíno, para a instituição do Sistema de Controle do Poder Judiciário, que seria inserido no Titulo III (Da Organização do Estado), Capítulo III (Dos Estados Federados) e da Seção (I), e composto pelo Conselho Federal de Justiça, Conselhos Estaduais de Justiça e Conselho Distrital de Justiça. Fonte: Diário do Congresso Nacional, de 08.08.1995, onde não consta a justificação da proposta. Posteriormente, foi anexado à PEC 96/92, de autoria do Deputado Hélio Bicudo que havia proposto modificações na estrutura do Poder Judiciário.
2Meirelles, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro.8.ed. atual.São Paulo. Revista dos Tribunais, 1982,p 638.
3Barroso, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da constituição, 2001, pp. 158 e 174-5: "Toda a interpretação constitucional se assenta no pressuposto da superioridade jurídica da Constituição sobre os demais atos normativos no âmbito do Estado. Por força da supremacia constitucional, nenhum ato jurídico, nenhuma manifestação de vontade, pode subsistir validamente se for incompatível com a Lei Fundamental. (...) A presunção de constitucionalidade das leis encerra, naturalmente, uma presunção iuris tantum, que pode ser infirmada pela declaração em sentido contrário do órgão jurisdicional competente (...) Em sua dimensão prática, o princípio se traduz em duas regras de observância necessária pelo intérprete e aplicador do direito: a) não sendo evidente a inconstitucionalidade, havendo dúvida ou a possibilidade de razoavelmente se considerar a norma como válida, deve o órgão competente abster-se da declaração de inconstitucionalidade; b) havendo alguma interpretação possível que permita afirmar-se a compatibilidade da norma com a Constituição, em meio a outras que carreavam para ela um juízo de invalidade, deve o intérprete optar pela interpretação legitimadora, mantendo o preceito em vigor".

4CF/88: Art. 22: "Compete privativamente à União legislar sobre:

(...)

XVII - organização judiciária, do Ministério Público e da Defensoria Pública do Distrito Federal e dos Territórios, bem como organização administrativa destes;"

5CF/88: Art. 96: "Compete privativamente:

(...)

II - ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores e aos Tribunais de Justiça propor ao Poder Legislativo respectivo, observado o disposto no art. 169:

(...)

d) a alteração da organização e da divisão judiciárias;"

6Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de direito processual civil, vol. I, 2001, p. 374/5: "Divisão judiciária é o regime legal da fragmentação do território nacional com o objetivo de atribuir porções deste à competência dos diversos órgãos e organismos que exercem a jurisdição. Ela vem estampada na Constituição Federal e nas leis federais e estaduais pertinentes à organização judiciária, levando em conta as peculiaridades de cada uma das Justiças e de seus graus jurisdicionais".

7CF/88: Art. 125: "Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos nesta Constituição."

8CF/88: Art. 23: "É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:

I - zelar pela guarda da Constituição, das leis e das instituições democráticas e conservar o patrimônio público."

9A moderna dogmática constitucional é informada pela idéia de que a interpretação constitucional não tem como personagens apenas os órgãos judiciários ou os juristas, mas também os poderes públicos e a comunidade como um todo. Confira-se, a propósito, Peter Häberle, Hermenêutica constitucional. A sociedade aberta dos intérpretes da Constituição: contribuição para a interpretação pluralista e procedimental da Constituição, 1997 , p.13.

10Silva, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 4.ed. rev.. atual.São Paulo:Revista dos Tribunais, 1990, p. 88.
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*Juiz substituto de 2º Grau (TJ/PR), Mestre em Direito (PUC/PR)





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