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Da necessidade de perícia para a configuração da majorante pelo emprego de arma no crime de roubo

Izabella Artur Costa

A matéria ainda está longe de ser pacificada. Doutrina e jurisprudência até então não encontraram um consenso acerca da necessidade de perícia, a fim de aferir a potencialidade lesiva da arma, para efeito da aplicação da majorante do crime de roubo, prevista no §2º, inciso II, do art. 157 do Código Penal.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Atualizado em 5 de fevereiro de 2010 10:51


Da necessidade de perícia para a configuração da majorante pelo emprego de arma no crime de roubo

Izabella Artur Costa*

A matéria ainda está longe de ser pacificada. Doutrina e jurisprudência até então não encontraram um consenso acerca da necessidade de perícia, a fim de aferir a potencialidade lesiva da arma, para efeito da aplicação da majorante do crime de roubo, prevista no §2º, inciso II, do art. 157 do Código Penal (clique aqui).

Reza o referido dispositivo legal:

"Art.157. (...)

§2º A pena aumenta-se de 1/3 (um terço) até metade:

I - se a violência ou ameaça é exercida com emprego de arma;"

São basicamente duas as teorias que buscam esclarecer a aplicação da causa de aumento de pena em apreço. A primeira, de ordem objetiva, enseja a aplicação do dispositivo quando houver efetivo risco à vítima pelo emprego da arma - e daí, a perícia seria necessária para aferir a potencialidade lesiva do artefato. Por outro lado, a teoria subjetiva leva em consideração, tão-somente, a força intimidativa que a arma exerce sobre o sujeito passivo do crime, o que demanda a simples comprovação do emprego da mesma.

Quinta e Sexta Turmas do STJ possuem entendimentos divergentes quanto ao tema. Enquanto na Quinta Turma predomina a corrente de que a apreensão e perícia da arma são prescindíveis, bastando que se demonstre por qualquer outro meio de prova o emprego da arma, a Sexta Turma do egrégio tribunal posiciona-se pela necessidade da diligência sobre a arma, "salvo se houver nos autos prova inequívoca de sua potencialidade lesiva" (2009).

Na mais alta corte do país, o problema não é diferente. Há, na Segunda Turma do STF julgados em ambos os sentidos. Entretanto, em decisão publicada em 5/6/09, referente ao HC 96.009/RS, o Tribunal Pleno assentou que "não se mostra necessária a apreensão e perícia da arma de fogo empregada no roubo para comprovar o seu potencial lesivo, visto que tal qualidade integra a própria natureza do artefato".

Apesar de persistir, nos tribunais brasileiros, uma tendência em adotar-se a corrente subjetiva, é forçoso reconhecer que tal assertiva não se coaduna com uma adequada interpretação teleológica do dispositivo legal, e tampouco com os princípios elementares do Direito Penal.

Como leciona Cezar Roberto Bitencourt, "o roubo nada mais é do que o furto 'qualificado' pela violência à pessoa" (2009, p.565). O emprego de violência (vis corporalis) ou grave ameaça (vis compulsiva), para fins de subtração de coisa alheia móvel, configura elementar do tipo penal do art.157 do Código Penal. Sem tais circunstâncias, não há que se falar em roubo, mas no crime de furto.

Na lição de Guilherme de Souza Nucci, "a grave ameaça é o prenúncio de um acontecimento desagradável, com força intimidativa, desde que importante e sério. O termo violência, quando mencionado nos tipos penais, como regra, é traduzido como toda forma de constrangimento físico voltado à pessoa humana" (2005, p.636).

Dessa forma, conclui-se que intimidação da vítima, seja pela violência física ou moral, já é considerada para a tipificação da conduta prevista no caput do art.157 do Código Penal. O aumento de pena, pelo simples efeito coercitivo exercido sobre o sujeito passivo, em razão do emprego de arma de fogo pelo autor do fato, incorre em verdadeiro "bis in idem". E o Direito brasileiro não admite que uma mesma circunstância - no caso, a intimidação da vítima - seja evocada, por mais de uma vez, para agravar a sanção do acusado.

Afastando-se a corrente subjetiva - manifestamente desfavorável ao réu - é necessário encontrar uma interpretação do dispositivo em apreço que garanta sua aplicação de forma congruente com os princípios elementares do Direito Penal, e as garantias fundamentais do cidadão.

E é por esta razão que, sob uma perspectiva teleológica do art.157, §2º, I do Código Penal, entende-se que o legislador somente inflige majoração na pena quando, do emprego de arma, resulta exposição da vítima a risco maior à sua integridade física. Logo, quando o artefato empregado no crime de roubo não oferecer potencial lesivo ao sujeito passivo, não há que se falar na aplicação da majorante.

Esta concepção é a mesma que levou ao cancelamento da Súmula 174 do STJ, em 24/10/2001, que assim dispunha: "No crime de roubo, a intimidação feita com arma de brinquedo autoriza o aumento de pena".

A súmula, quando editada, em 1996, levou em consideração o temor que o brinquedo, quando confundido com uma arma real, incitava na vítima. Por mais que a arma de brinquedo não pudesse causar nenhum mal efetivo ao sujeito passivo, era inegavelmente um instrumento de intimidação.

Como bem frisado no acórdão do REsp 213.054, pelo voto do relator, Ministro José Arnaldo da Fonseca,

"Que a arma de brinquedo ou qualquer outro simulacro de arma tem relevância penal, isso ninguém discute, porque lhe é inerente a capacidade de, simuladamente, ameaçar, intimidar, impossibilitar a resistência da vítima. Assim, não há dúvida de que a arma de brinquedo pode ser utilizada como instrumento eficiente para a prática de qualquer crime que possa ser cometido mediante grave ameaça, inclusive o roubo."

E, com base nessa premissa, conclui o magistrado que a Súmula 174

"ofende o princípio do ne bis in idem, pois a intimidação da vítima mediante o emprego da arma de brinquedo já configurava a 'grave ameaça' que é elemento típico do roubo simples, ou seja, a arma de brinquedo esgota a sua eficácia intimidativa na configuração do próprio injusto penal".

Não há nenhum argumento razoável que impeça a aplicação do mesmo raciocínio utilizado para o cancelamento da Súmula 174, relativamente ao emprego de arma sem potencial lesivo no crime de roubo. Se a arma, ainda que verdadeira, não está apta a causar risco à integridade da vítima, seu emprego restringe-se à eficácia intimidativa, o que, por si só, perfaz o delito de roubo simples, e não qualificado.

Nesse sentido, a irretocável lição de Rogério Greco:

"não se pode permitir o aumento de pena quando arma utilizada pelo agente não tinha, no momento de sua ação, qualquer potencialidade ofensiva por estar sem munição ou mesmo com um defeito mecânico que impossibilitava o disparo.

Embora tivesse a possibilidade de amedrontar a vítima, facilitando a subtração, não poderá ser considerada para efeitos de aumento de pena, tendo em vista a completa impossibilidade de potencialidade lesiva, ou seja, a de produzir dano superior ao que normalmente praticaria sem o seu uso". (2006, p.82)

Logo, sob a esteira da teoria objetiva, conclui-se que a apreensão e a perícia da arma empregada no crime de roubo, em um primeiro momento, são indispensáveis para a aplicação da majorante prevista no art.157, §2º, I do Código Penal. Entretanto, caso a potencialidade ofensiva do artefato possa ser demonstrada por meios de prova outros, em que reste inequívoco o incremento do risco à incolumidade da vítima, admite-se a incidência do aumento de pena.

Referências bibliográficas

BITENCOURT, Cezar Roberto. Código Penal Comentado - 5ª ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2009. 1259 p.

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal - Parte Especial - 2ª ed. Niterói: Impetus, 2006.

NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado - 5ª ed. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005. 1180 p.

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. HC 140.666/SP. Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura. Publicado em 14/12/09.

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. REsp 213.054/SP. Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca. Publicado em 11/11/02.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. HC 96.099/RS. Rel. Min. Ricardo Lewandowsky. Publicado em 5/6/09.

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*Advogada criminalista do escritório Castellar Guimarães Advogados Associados

 

 

 

 

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