Das Vacas
Indo de carro por uma estrada estreita, de mão única, pelo sertão da Paraíba, querendo chegar, o quanto antes, a Pernambuco, tinha que estar em Recife no mais tardar no começo da noite, minhas retinas tão fatigadas de pedra que nem as do poeta, flagraram mandando para o arquivo da memória a cena do homem sozinho e sua vaca.
quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010
Atualizado em 3 de fevereiro de 2010 09:33
Das Vacas
Edson Vidigal*
Indo de carro por uma estrada estreita, de mão única, pelo sertão da Paraíba, querendo chegar, o quanto antes, a Pernambuco, tinha que estar em Recife no mais tardar no começo da noite, minhas retinas tão fatigadas de pedra que nem as do poeta, flagraram mandando para o arquivo da memória a cena do homem sozinho e sua vaca.
Naquela vastidão de coisa nenhuma, tudo seco, o homem conduzia a sua vaca deixando livre o cabresto para que ela farejando algum verde pudesse estacionar num ponto qualquer da margem da estrada numa forma qualquer de esperança de não anoitecer a fome.
O carinho quase de irmão ou de pai com filha com que aquele homem conduzia pacientemente a sua vaca me deu muito o que pensar dali para a frente, enquanto não se exauriu a estrada, no quanto pela estimação chegamos a nos tornar dependentes de uns certos animais.
E vice - versa.
Foi quando conclui terminativamente o quanto faz sentido aquela teimosia cearense tão bem expressa nos versos de Venâncio, Corumbá e Jota Guimarães, popularizados por Luiz Gonzaga.
(... enquanto a minha vaquinha tiver um courinho no osso e puder com o chocalho pendurado no pescoço, vou ficando por aqui e que Deus do céu me ajude, quem foge da terra natal em outro canto não pára, só deixo o meu Cariri no ultimo pau de arara...)
Conheço muita gente no Maranhão que também pensa assim. Por mais pesadas que estejam as vicissitudes despencando ameaças e desesperanças não se intimida e nem pensa em desistir, indo se embora.
Quer continuar querendo manter acesa a luta contra a usurpação que se sustenta nas artimanhas contra os iguais, na bajulação aos poderosos do momento e na venda lá fora da nossa dignidade a apresentando como nossos representantes, o que em verdade, por estarem muito longe de alguma assepsia moral, em nosso nome nada representam.
Volto-me aqui para o tema deste enredo, a vaca.
Entre os israelitas, conta a Bíblia, os bois executavam muitos trabalhos na agricultura lavrando a terra, pisando o trigo, puxando carros enquanto as vacas eram poupadas porque tinham o leite a dar, e leite com mel, ó meu, era a sublimação do manjar.
Os bois, não. Trabalhavam, trabalhavam e quando já estavam exaustos eram levados às liturgias dos sacrifícios, oferecidos aos deuses e depois, obviamente e literalmente, comidos. As vacas podiam vaguear pelos campos.
Há quem entre nós por estas plagas deplore que esse endeusamento das vacas na Índia, onde são tidas como sagradas, intocáveis, e até infalíveis, tenha a partir de algum tempo e de algum modo contaminado a concepção inerente a umas certas vacas por aqui.
No bumba-meu-boi, o sacrifício final é do boi, nem se pensa em vaca.
Não há um bumba - minha - vaca.
Não nos olvidamos nunca daquele sonho do Faraó, contado no Velho Testamento. E as sete vacas feias e magras comiam as sete vacas gordas e formosas, e então acordou o Faraó.
Daí que depois ocorreram dois tempos, o das vacas gordas e o das vacas magras, ou vice - versa. É sina de todo Povo.
Para nós aqui neste Estado tão magro de tudo, exceto as burras do tesouro público que emagrecem mas não mínguam, eu nem sei se vale a pena esperar a passagem do tempo nessa ordem de substituições.
Estou certo que o melhor a fazer é não ficar contando com vaca nenhuma, nem a do momento, nem a que possa estar por vir.
Pelo que prefiro a conclamação de Amós, Capitulo 4, Versículo 1 - Ouvi esta palavra, oh vacas de Basã, que estais no monte de Samária, que oprimis os pobres, que esmagais os necessitados...
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*Ex-Presidente do STJ e Professor de Direito na UFMA
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