Sociedade de Credores da VARIG-GOL
Thomas Kuhn, no livro "A estrutura das revoluções científicas", contraditou a maioria dos estudiosos do conhecimento humano, segundo os quais a ciência é produto de acumulações sucessivas e constantes de invenções e descobertas e da eliminação paulatina de erros, mitos e superstições, ao doutrinar que a ciência progride por "revoluções científicas", baseadas em "mudanças de paradigmas", que explodem em momentos de profundas crises.
quinta-feira, 28 de janeiro de 2010
Atualizado em 27 de janeiro de 2010 13:13
Sociedade de Credores da VARIG-GOL
Jorge Lobo*
Thomas Kuhn, no livro "A estrutura das revoluções científicas, contraditou a maioria dos estudiosos do conhecimento humano, segundo os quais a ciência é produto de acumulações sucessivas e constantes de invenções e descobertas e da eliminação paulatina de erros, mitos e superstições, ao doutrinar que a ciência progride por "revoluções científicas", baseadas em "mudanças de paradigmas", que explodem em momentos de profundas crises.
Esta lição mostrou-se verdadeira à luz da Ciência do Direito, em particular do Direito Falimentar brasileiro, pois o paradigma, entre nós, sob o império do Decreto 7.661/45 (clique aqui), inspirado no sistema clássico vigente desde o Código Comercial francês de 1807, era beneficiar o devedor em mora com a concessão das concordatas preventiva e suspensiva da falência, que gerou a famigerada indústria da concordata, por enriquecer o devedor à custa dos credores, e uma grave crise no Direito Concursal pátrio, que impunha uma ruptura com o fracassado sistema legal em vigor.
E foi, de fato, o que fez o legislador pátrio em 2005, ao empreender uma autêntica "revolução", através de uma radical "mudança de paradigma", inovadora e instigante, de complexa e intrincada aplicação, pois o instituto da recuperação judicial criado pela lei 11.101/05, tem por fundamento a teoria da ética da solidariedade; por princípios a conservação e a função social da empresa, a dignidade da pessoa humana e a valorização do trabalho e a segurança jurídica e a efetividade do direito, e por finalidades, a um só tempo, assegurar a continuação da empresa, salvaguardar os empregos dos trabalhadores e preservar os direitos dos credores.
Infelizmente, no "caso VARIG", essa "revolução" foi ignorada; o "paradigma", desprezado; a "ética da solidariedade", esquecida; os "princípios", negligenciados, e, em conseqüência, os direitos dos credores da VARIG-GOL estão se esvaindo, lenta, contínua e inexoravelmente.
O que fazer para evitar o colapso do direito de crédito de milhares de credores, várias vezes anunciado pelos jornais Folha de São Paulo: "Endividada, velha VARIG deve parar amanhã" (ed. de 30 de outubro) e O Globo: "VARIG-FLEX Linhas Aéreas em pouso forçado antes de decolar". (ed. de 4 de novembro).
No país, a resposta seria simples e de péssimos efeitos: o credor insatisfeito deve promover a execução singular do que lhe é devido!
No exterior, há mais de 40 anos, com respaldo na concepção segundo a qual os credores, nos processos de falência e concordata, constituem uma comunidade ou coletividade por força de lei, denominada "massa passiva", a doutrina tem sugerido que os credores se reúnam em associações, como pregou José Gómez Segade, catedrático de Direito Mercantil da Universidade de Valência, ou em consórcio, eis que a massa passiva não é dotada de personalidade jurídica, conforme ensino de Joaquin Garrigues e Georges Ripert, dentre inúmeros juristas de escol.
A meu ver, as idéias da formação de associações e de consórcios, durante ou após os processos de quebra ou de recuperação da empresa em crise, pecam por não admitir a cessão da titularidade do crédito e por não criar a possibilidade de eles atuarem em nome próprio.
Por isso, a constituição de uma SPE (sociedade de propósito específico), sob a forma jurídica de sociedade simples, melhor atenderia à prevenção do choque de interesses díspares ou contrapostos dos credores entre si e à proteção e defesa dos direitos dos credores da VARIG-GOL junto ao Poder Executivo, para lutar pelo pronto pagamento da indenização decorrente da chamada "diferença tarifária"; ao Poder Legislativo, para pleitear a sua colaboração, já manifestada por diversas vezes no plenário de ambas as casas do Congresso Nacional, na solução da dívida da União com a VARIG; ao Poder Judiciário, para fazer justiça aos milhares de credores da VARIG-GOL, eis que repugna ao senso comum admitir que a alienação da VARIG para a GOL tenha sido realizada sob a égide do art. 60 e seu parágrafo único da lei 11.101/05, porquanto é notório que não se efetivou apenas a venda de uma "unidade produtiva isolada", conforme provam o edital de alienação judicial e o auto o leilão da VARIG, eis que foram vendidos à GOL, representada pela VRG, todas "as marcas de titularidade das empresas recuperandas que contenham a expressão 'VARIG'"; todas "as rotas domésticas e internacionais, slots e hotrans nos aeroportos domésticos e internacionais e áreas aeroportuárias nacionais e internacionais atribuídos às concessionárias Varig e Rio Sul, vigentes em março de 2006"; todas as "operações de transporte aéreo regular nacional e internacional da Varig e Rio Sul"; todos "os contratos das recuperandas" necessários ao desenvolvimento das atividades administrativas, comerciais, operacionais ou técnicas; todo "o complexo de bens e direitos relacionados à operação de vôo", excluídos alguns bens; todos "os manuais, logs, bancos de dados, softwares e sistemas de hardware necessários à operação"; todos "os bens e direitos relacionados ao programa Smiles", etc.
Destarte, como o direito de crédito não se circunscreve ao direito de ação contra o devedor inadimplente, mas, recorda o Professor Gómez Segade, apresenta-se como autêntica situação de poder em face do devedor - poder de controle externo; poder de fiscalizar e intervir, consensual ou compulsoriamente, na sua gestão patrimonial; poder de impugnar os atos nocivos aos interesses dos credores; poder de excutir bens e direitos, etc. -, os credores da VARIG-GOL, de todas as classes, devem reunir-se em uma SPE, para perseguir a satisfação de um interesse comum - o pagamento integral dos seus créditos -, ao invés de agirem individual e isoladamente.
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