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Lei de falências asfixia empresas em dificuldades

Fabio Greco

O tema é especialmente relevante quando se considera o cenário econômico atual, marcado por uma crise profunda da qual o país emerge com lentidão. Tal conjuntura adversa cria dificuldades a muitas empresas, e a comunidade jurídica enfatiza que, quando se trata se recuperação judicial e falência, é importante que o empresário tenha uma segunda chance, para poder se reerguer e voltar à atividade.

segunda-feira, 10 de setembro de 2018

Atualizado em 24 de setembro de 2019 15:25

A comunidade jurídica brasileira está atenta ao novo projeto que trata da nova Lei de falências e recuperação judicial e extrajudicial. O texto, que foi enviado ao Congresso em maio pelo presidente Michel Temer, altera a lei 11.101/05, que vigora desde 9 de fevereiro de 2005. O governo se mostrou animado com as perspectivas da nova lei. O presidente, em mensagem publicada em rede social, disse que o texto é "moderníssimo, visto, examinado, reexaminado por grandes juristas nacionais e especialistas dessa área".

 

O tema é especialmente relevante quando se considera o cenário econômico atual, marcado por uma crise profunda da qual o país emerge com lentidão. Tal conjuntura adversa cria dificuldades a muitas empresas, e a comunidade jurídica enfatiza que, quando se trata se recuperação judicial e falência, é importante que o empresário tenha uma segunda chance, para poder se reerguer e voltar à atividade.

 

Em 2005, a intenção evidente do legislador era deixar claro que o objetivo da recuperação judicial consiste na preservação da empresa, por meio da superação das eventuais crises. Em consonância com tal meta, a lei ajudaria na manutenção de empregos, na proteção dos interesses de credores e na preservação da função social da empresa.

 

A íntegra do artigo 60

Chamamos atenção aqui para o artigo 60, que prevê a possibilidade de venda das chamadas "unidades produtivas isoladas" (UPI) na recuperação judicial como uma medida a ser adotada para a regeneração da empresa.

É importante, em primeiro lugar, conhecer o artigo na íntegra. Segue o texto:

"Art. 60. Se o plano de recuperação judicial aprovado envolver alienação judicial de filiais ou de unidades produtivas isoladas do devedor, o juiz ordenará a sua realização, observado o disposto no art. 142 desta lei.

Parágrafo único. O objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária, observado o disposto no § 1o do art. 141 desta lei".

 

O que é a Unidade Produtiva Isolada

Com a redação desse artigo, o legislador imaginou permitir que as empresas em difícil situação econômico-financeira captassem recursos, garantindo o fluxo de caixa. Apesar da boa intenção, no entanto, o termo "unidade produtiva isolada" não ficou bem definido, e gerou divergências sobre seu significado.

O problema é que, para que se possa identificar se a venda de um determinado bem se enquadra no conceito de "unidade produtiva isolada", é preciso analisar o objetivo da venda, que pode ser apenas uma transferência do bem - sem que o comprador assuma as obrigações do devedor - ou, de fato, a recuperação da empresa.

A questão é complexa. No caso da alienação judicial de filiais e unidades produtivas, por exemplo, como a lei isola o bem de possíveis sucessões de dívidas na eventualidade de falência, essas operações são atraentes a quem está na ponta da compra. Mas, como como essas operações comprometem a receita, podem apenas adiar um desfecho desfavorável à empresa já em dificuldade.

A dificuldade cresce na medida em que a lei não dá garantias aos financiadores, que poderiam fornecer o capital de giro que as empresas em recuperação precisam para se reerguer. É por isso, aliás, que as companhias acabam sendo obrigadas a vender ativos. Assim, se não conseguem reduzir as dívidas, pelo menos geram alguma liquidez no caixa.

 

O que é o DIP financiang

A ideia abrigada na legislação, em si, não é ruim. O problema é o que acontece na prática em função de sua interpretação. O texto legal prevê uma forma de financiamento mais conhecida pelo nome em inglês: DIP financing (debtor-in-possession financing). Trata-se de uma operação com risco zero para os investidores.

 

Como funciona o DIP?

Uma vez protocolado o pedido de recuperação judicial, esse financiamento tem prioridade de quitação em caso de falência. O DIP tem prioridade até sobre direitos reais já existentes. Ou seja, são seguros e vantajosos também para credores da fase pré-recuperação.

 

Qual o problema, então?

Mais uma vez, o problema está na falta de clareza da lei, que não dá segurança aos investidores. Isso porque a única maneira de o DIP ser colocado em prática no Brasil seria no caso de os demais credores extra concursais decidirem voluntariamente receber seus créditos depois do financiador.

 

Que credores são esses, segundo a lei?

A lei dá a lista dos créditos que têm prioridade de quitação em caso de falência. São eles: os trabalhistas referentes a serviços posteriores à falência, remunerações ao administrador judicial, valores repassados à massa falida pelos próprios credores, custas judiciais, obrigações contraídas durante a recuperação e tributos gerados após a falência, além de despesas com realização do ativo.

É por isso que o DIP, embora previsto em lei, não se concretiza no Brasil. Sem preferência na hora da quitação, não tem como dar certo. Como o credor vai emprestar os recursos sem ter certeza sobre o prazo da quitação? Cria-se assim um círculo vicioso. Os negócios não se viabilizam e, consequentemente, não se forma a jurisprudência que poderia contornar o problema.

 

Venda a prazo nem pensar

O mesmo raciocínio se aplica aos fornecedores. A ausência de um programa de benefícios exclusivos a fornecedores, nos termos do DIP, dificulta a sobrevivência da companhia durante o período de recuperação. Naturalmente, há resistência dos fornecedores em vender a prazo. De certa maneira, esse aspecto é até mais grave do que o dos financiadores de capital de giro, pois a empresa é asfixiada em sua própria atividade, e não tem como dar continuidade à produção.

Outra dificuldade de a empresa em dificuldade financeira obter capital de giro é o processo judicial. Em tese, o financiador poderia entrar no capital social da empresa. Mas a prática ainda enfrenta dificuldades de aprovação no Judiciário.

Com pouco acesso ao essencial capital de giro, muitas empresas recorrem à venda de ativos, o que nos remete de novo ao DIP financing.

 

A posição do STF

O tema foi parar no Supremo Tribunal Federal, que não viu inconstitucionalidade no artigo 60. O voto do ministro Ricardo Lewandowski foi esclarecedor. Disse ele: "No caso, o papel do legislador infraconstitucional resumiu-se a escolher dentre os distintos valores e princípios constitucionais, igualmente aplicáveis à espécie, aqueles que entendeu mais idôneos para disciplinar a recuperação judicial e a falência das empresas, de maneira a assegurar-lhes a maior expansão possível, tendo em conta o contexto fático e jurídico com o qual se defrontou".

Ele continuou: "Isso porque o processo falimentar, nele compreendido a recuperação das empresas em dificuldades, objetiva, em última análise, saldar o seu passivo mediante a realização do respectivo patrimônio. Para tanto, todos os credores são reunidos segundo uma ordem pré-determinada, em consonância com a natureza do crédito de que são detentores. O referido processo tem em mira não somente contribuir para que a empresa vergastada por uma crise econômica ou financeira possa superá-la, eventualmente, mas também busca preservar, o mais possível, os vínculos trabalhistas e a cadeia de fornecedores com os quais ela guarda verdadeira relação simbiótica".

E concluiu: "Por essas razões, entendo que os arts. 60, parágrafo único, e 141, II, do texto legal em comento mostram-se constitucionalmente hígidos no aspecto em que estabelecem a inocorrência de sucessão dos créditos trabalhistas, particularmente porque o legislador ordinário, ao concebê-los, optou por dar concreção a determinados valores constitucionais, a saber, a livre iniciativa e a função social da propriedade - de cujas manifestações a empresa é uma das mais conspícuas - em detrimento de outros, com igual densidade axiológica, eis que os reputou mais adequados ao tratamento da matéria".

Ou seja, está evidente a intenção do legislador ao prever a possibilidade da alienação de unidades produtivas, se o objetivo é a recuperação econômico-financeira da empresa. Mas nunca é demais enfatizar o risco de tal artigo ser utilizado de forma a esvaziar o patrimônio da empresa. É por isso que a falta de uma definição precisa quanto ao escopo da UPI gera insegurança jurídica, só atenuada pela jurisprudência, que tem sido favorável à alienação de UPIs por empresas em recuperação judicial.

No momento em que o Congresso analisa um novo projeto é importante reconhecer que, apesar das críticas pontuais que devem ser feitas, a legislação brasileira nesse campo vem registrando avanços importantes.

A lei atual, a 11.101/05, aprovada durante o primeiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva, está em vigor há cerca de 13 anos. Ela substituiu o DL 7.661/45, aprovado nos estertores da ditadura do Estado Novo e que normatizou essa questão no Brasil por quase seis décadas.

Nos últimos anos, em que pesem as críticas pertinentes, os especialistas concordam que a lei brasileira amadureceu muito mais do que as legislações equivalentes em outros países.

No Brasil, uma estrutura jurídica sólida coloca o país à frente dos principais emergentes nesse quesito. O sucesso se deve, em parte, à compreensão de juízes e desembargadores. Registre-se também que as câmaras especializadas em recuperação e falência nos tribunais têm produzido decisões que contribuem para seu sucesso. O reconhecimento dos avanços, no entanto, não significa que a comunidade jurídica não se empenhe em aperfeiçoar a legislação.

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*Fabio Greco, mestre em matemática aplicada a finanças pela USP, é sócio-fundador da Vision Brazil Investments.

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