O novo CPC e suas implicações na atividade notarial e registral: regra de competência para danos causados por notários e registradores
terça-feira, 3 de maio de 2016
Atualizado às 08:06
Vitor Frederico Kümpel e Rodrigo Pontes Raldi
Dando continuidade à série de artigos, que tem por escopo apontar as principais modificações trazidas pelo novo CPC em matéria notarial e registral, teceremos, na coluna de hoje, considerações sobre a nova regra de competência para julgamento de ações indenizatórias em razão de danos imputados a notários e registradores.
Competência pode ser definida como "medida de jurisdição", tendo em vista que o exercício da atividade jurisdicional por um único órgão do Poder Judiciário tornaria a prestação inviável e improducente1. Daí a razão de se fracionar o exercício da atividade, levando-se em conta diferentes critérios de determinação do órgão competente para o julgamento da causa. Importante mencionar que o que se distribui entre os inúmeros órgãos que compõem a estrutura do Poder Judiciário é a atividade jurisdicional, e não a jurisdição em si, na medida em que esta é una e indivisível2.
A doutrina apontava, na vigência do Código de Processo Civil de 1973, para a existência de três critérios de determinação de competência3, sendo certo que a lei podia adotar um ou mais deles para fixação da regra. São eles: (i) critério objetivo, que contém a competência por matéria (ratione materiae), por pessoa (ratione personae) e por valor; (ii) critério territorial (ratione locci); e (iii) critério funcional.
No entanto, C. R. Dinamarco aponta que o legislador do novo CPC optou por não se ater estritamente e de maneira estruturante a tais critérios, passando a dividir as regras de definição de competência em três grandes seções: "a) uma onde apresenta disposições gerais, fixando regras básicas determinadoras da competência, especialmente da territorial (arts. 42-53); b) outra com a disciplina da modificação da competência (arts. 54-63); c) uma terceira sobre a incompetência (arts. 64-66), incluindo-se ali o trato do conflito de competência (art. 66)"4.
Em que pese a nova estruturação das regras de determinação de competência no novo CPC, não houve completa exclusão dos critérios antes desenvolvidos pela doutrina5, de modo que ainda é possível identificar, dentro das disposições gerais, regras que se baseiam em cada um deles (objetivo, territorial e funcional). Como exemplo, cita-se o próprio art. 53, III, f, NCPC6, que adota o critério territorial, dispondo que é competente o foro do lugar da sede da serventia notarial ou de registro para ações indenizatórias por danos causados em razão do ofício. Observe-se que o Código de Processo Civil de 1973 não trazia dispositivo correspondente, no que tange especificamente as serventias extrajudiciais.
Importante mencionar que, muito embora utilize o novo CPC como critério territorial o lugar da sede da serventia notarial ou de registro, o demandado na ação de reparação de dano por ato praticado em razão do ofício é sempre o notário ou o registrador (pessoa física), nos termos do art. 236 da Constituição Federal, bem como do art. 28 da Lei dos Registros Públicos7. Isso porque, as serventias notariais e de registro são despidas de personalidade jurídica, não podendo serem demandas em eventual ação indenizatória por atos praticados na prestação de sus serviços. Na realidade, não existe a figura do "cartório". As serventias extrajudiciais são entes despersonalizados. A delegação é atribuída ao notário e registrador pessoa natural e como tal atuam na qualidade de delegatários de serviços públicos. São particulares em colaboração com o poder público.
Assim, trata o art. 53, III, f, de exceção à regra do foro comum ou geral, vale dizer, em que é competente o foro do lugar do domicílio do demandado (art. 46, NCPC8). Ainda que não resida o réu delegatário na comarca da sede da serventia notarial ou registral, será o foro do lugar desta competente para julgamento da causa. É bom lembrar ainda que as serventias extrajudiciais não podem ter filiais, sucursais ou agências, de sorte que resta facilitada a vida do usuário demandante.
A regra tem suscitado críticas de parte da doutrina, que aponta para uma "superproteção" dada pelo novo CPC à atividade notarial e registral. Entendem, estes autores, por uma proteção privilegiada do usuário dos serviços notariais e de registro9. Na realidade, não há superproteção nem à atividade extrajudicial e nem ao usuário dela. O que ocorre é que com a efetivação do Estado democrático de direito, no viés da dejudicialização, houve um notável incremento nos serviços prestados por notários e registradores garantindo uma maior cidadania. O novo Código de Processo Civil, atento à nova realidade, estabeleceu uma regra útil a fim de evitar desnecessário incidente processual.
De qualquer forma, a regra processual existe e é extremamente útil. Aponta para a necessidade de contínuo aperfeiçoamento tanto da atividade notarial quanto da registra e garante ao usuário segurança na hora de demandar a serventia.
Continuem conosco.
Alegria! Sejam felizes!
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2 C. R. Dinamarco, Instituições de Direito Processual Civil, v. 1., 8a ed., São Paulo, Malheiros, 2016, p. 597.
3 Nesse sentido: F. L. Yarshell, Curso cit. (nota 1 supra), p. 183; C. R. Dinamarco, Instituições cit. (nota 2 supra), p. 623; H. Theodoro Júnior, Curso de Direito Processual Civil, v. 1, 57a ed., Rio de Janeiro, Forense, 2016, 208.
4 C. R. Dinamarco, Instituições cit. (nota 2 supra), p. 625.
5 H. Theodoro Júnior, Curso cit. (nota 3 supra), p. 209.
6 NCPC, art. 53: "É competente o foro: (...) III - do lugar: (...) f) da sede da serventia notarial ou de registro, para ação de reparação de dano por ato praticado em razão do ofício".
7 Lei 6.015/73, art. 28: "Além dos casos expressamente consignados, os oficiais são civilmente responsáveis por todos os prejuízos que, pessoalmente, ou pelos prepostos ou substitutos que indicarem, causarem, por culpa ou dolo, aos interessados no registro. Parágrafo único. A responsabilidade civil independe da criminal pelos delitos que cometerem".
8 NCPC, art. 46: "A ação fundada em direito pessoal ou em direito real sobre bens imóveis será proposta, em regra, no foro de domicílio do réu".
9 Nesse sentido: F. F. Gajardoni, Os Privilégios Processuais dos Cartórios Extrajudiciais no Novo CPC, s.l., publicado em 28-09-2015, disponível in https://jota.uol.com.br/os-privilegios-processuais-dos-cartorios-extrajudiciais-no-novo-cpc [02-05-2016].