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A polêmica súmula 343/STF e o elogiável acórdão proferido no julgamento do recurso especial 2.148.566/RS

quarta-feira, 18 de setembro de 2024

Atualizado em 17 de setembro de 2024 13:56

Sempre pareceu a uma das autoras desse artigo que a súmula 343 do STF1 beira à inconstitucionalidade.

Isto porque o critério do texto para impedir a admissão da ação rescisória é o de que, à época em que a decisão rescindenda foi prolatada, a jurisprudência não fosse uniformizada sobre a questão de direito ali discutida.

Trata-se, portanto, sob um certo aspecto, de um acaso. Isso significa dizer que serão beneficiados com a decisão que lhes favorece, ainda que posteriormente seja considerada incorreta, aqueles jurisdicionados que tiveram a "sorte" de ter sua ação julgada no momento em que havia, ainda, divergência nos tribunais, em relação a qual seria a solução correta a ser dada àquele caso.

Ora, uma das razões em função das quais se permite que o Judiciário altere suas posições é a de que se presume que se está caminhando para o aprimoramento. Portanto, se a jurisprudência se alterou, se o precedente foi superado e se não houve modulação, rescisórias têm que ser consideradas cabíveis da decisão que contraria a nova orientação.

Teori Zavaski, com a sagacidade que lhe é peculiar, afirma que, de rigor, se a jurisprudência era controvertida na época em que a decisão foi proferida, não havia propriamente norma a ser desrespeitada2. Trata-se, a nosso ver, de endossar um cinismo do estado: não cabe rescisória porque eu, estado, não tinha condições, naquele momento, de criar uma norma em que o jurisdicionado deveria basear o planejamento de sua conduta. Ou seja, é o estado admitindo a sua incompetência para regular as condutas dos indivíduos membros da sociedade. E o que é pior: faz com que esta sua falha gere consequências negativas na esfera do jurisdicionado!!!

Hoje, como tem sustentado uma das autoras desse artigo, se pode conseguir bem mais por meio do bom uso do instituto da modulação, impregnado de racionalidade jurídica, do que usar-se a horrível súmula 343 do STF! A modulação é um instituto que tem a potencialidade de evitar a rescisória e muito mais3!

Houve quem estabelecesse um parentesco próximo entre a súmula 343 e a súmula 4004, do mesmo tribunal, STF. Esta última, felizmente, cada vez menos invocada pelos nossos tribunais superiores5.

Ambas, ao nosso ver, comprometem o princípio da legalidade e o da isonomia6.

Por isso andou bem o STJ em acórdão recentemente publicado, que julgou o recurso especial 2.148.566/RS7. Lá se reconheceu que "em determinados casos especiais, a alteração fundamental do entendimento torna imperiosa a rescindibilidade, para que não reste ofendido o princípio da isonomia, pois a coerência é imprescindível para que a igualdade não seja violada, uma vez que é dever do Estado dar a todos os que estão numa mesma situação jurídica a mesma solução. Afinal, se a lei é uma só, de sua aplicação também deve resultar único resultado".

Ainda, sopesando ambas as súmulas do STF (343 e 400), o relator do caso, ministro Moura Ribeiro, bem destacou, no seu voto (que prevaleceu), a impossibilidade de aplicação automática dessas orientações. Há situações em que a possibilidade de "convivência de decisões contrárias, fundadas em "interpretação razoável", constituí visível afronta aos princípios da isonomia e da ilegalidade". No caso concreto, então, entendeu pela inafastabilidade da admissão da ação rescisória "pela manifesta violação da norma jurídica, porque não se pode conviver com julgamentos discrepantes acerca dos mesmos fatos".

No caso aqui analisado, a sentença rescindenda havia acolhido exceção de pré-executividade para extinguir ação de execução de título extrajudicial pelo reconhecimento da prescrição intercorrente. Entendeu, então, por condenar o exequente, que já havia tido seu crédito frustrado, ao pagamento de honorários sucumbenciais ao executado. Isto é, no caso subjacente originário, o credor, que não teve seu direito de crédito satisfeito, pela não localização de bens do devedor, ainda foi condenado ao pagamento de honorários sucumbenciais.

Esta questão parece ter sido resolvida pela redação do art. 921, §5º, do CPC, vigente desde 27/08/2021. Este dispositivo veda a imposição de ônus às partes quando, no curso do processo, é reconhecida a prescrição intercorrente para o fim de extingui-lo.

Mas mesmo antes, para a situação concreta que se apresenta no caso aqui analisado, nada autorizava a condenação do exequente ao pagamento do ônus sucumbencial. Elucidativo, a respeito do tema, é o acórdão proferido pela corte especial do STJ, no julgamento dos embargos de divergência em agravo em recurso especial 1.854.589/PR8.

Declarar a consumação da prescrição intercorrente significa, em linhas gerais, reconhecer a ineficácia do processo de execução para satisfazer o direito líquido, certo e exigível do credor. Ou os devedores nem sequer foram encontrados, ou não têm patrimônio para responder pela dívida.

Uma vez delineado esse estado de inadimplência crônica, tem início a fluência do prazo prescricional no curso do processo. Se, durante esse período, persistir tal estado de inadimplência, será o caso de se reconhecer a prescrição (superveniente) da pretensão executiva. Trata-se de opção legislativa para evitar a pendência indefinida de execuções que se revelarem infrutíferas.

É inegável que o fato determinante para essa extinção é a inviabilidade da ação executiva por força da inexistência de patrimônio penhorável.

Por isso, nessa situação, a condenação do exequente ao pagamento dos ônus sucumbenciais significaria dupla penalização: além de não conseguir recuperar o seu crédito, ainda é condenado ao pagamento de honorários sucumbenciais.

O credor não dá causa à extinção da execução quando se reconhece a prescrição intercorrente. Isso decorre do caráter infrutífero da cobrança, isto é, do inadimplemento da obrigação.

O princípio da causalidade, enquanto vetor da orientação a respeito de quem deve suportar o pagamento dos honorários de sucumbência, impede, então, a condenação do exequente, que teve seu crédito frustrado, ao pagamento dos ônus sucumbenciais.

Por isso, a nosso ver, extremamente elogiável a orientação adotada no acórdão proferido no julgamento do recurso especial 2.148.566/RS, no qual uma das signatárias desse artigo9 teve a honra de ver seus argumentos acolhidos ao fazer a sustentação oral.

O critério escolhido pelo texto da súmula 343 do STF para dizer que não cabe a rescisória na verdade não é um critério jurídico. Não tem sentido se dizer que o Estado (pobre Estado) naquele momento ainda não tinha conseguido editar uma norma em que o jurisdicionado pudesse confiar.

Completamente diferente a situação da modulação, quer dizer, a situação da proibição da ação rescisória como decorrência da modulação! Porque o critério que se usa aqui é impregnado da mais pura racionalidade jurídica: com a modulação se tutela a confiança do jurisdicionado nas orientações do estado; em uma palavra, se tutela a boa fé.

________

1 Súmula 343/STF: Não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais.

2 ZAVASCKI, Teori Albino. Ação rescisória em matéria constitucional. In: NERY JUNIOR, Nelson; ARRUDA ALVIM, Teresa (Coords.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis e de outras formas de impugnação às decisões judiciais - 4.ª Série. São Paulo: Ed. 2001, p. 1.041-1.067.

3 ARRUDA ALVIM, Teresa. Modulação na alteração da jurisprudência firme ou de precedentes vinculantes. 3. Ed. ver., atual. e ampl. - São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2024.

4 Súmula 400/STF: Decisão que deu razoável interpretação à lei, ainda que não seja a melhor, não autoriza recurso extraordinário pela letra "a" do art. 101, III, da Constituição Federal.

5 Transcreve-se, aqui, trecho interessante do voto de autoria do Ministro Eduardo Ribeiro, sobre o tema: "Embora já tenha invocado a súmula 343 do Supremo Tribunal Federal, assim como a de n. 134 do Tribunal Federal de Recursos, sempre encarei com reservas aqueles enunciados, que me parecem tentativa pouco feliz de fixar um critério objetivo para decidir quanto ao cabimento da rescisória, com fundamento no item V do art. 485 do CPC. A expressão utilizada - interpretação controvertida - está a significar que existiam julgados em um e em outro sentido. Observe-se, de logo, que, a toda evidência, não é isso que se revela. Entender-se-ia que se quisesse justificar a inviabilidade da rescisória com o fato de os tribunais se pronunciarem no mesmo sentido do acórdão rescindendo. Não que exista controvérsia, ou seja, que, se além daqueles, outros possam apontar, contrariando a tese nele consagrada, o que só poderia servir de amparo à procedência da ação. Hão de entender-se as proposições em exame como significando não caber rescisória quando, amparando o sustentado pelo acórdão, existam outros pronunciamentos dos tribunais. Ocorre que o fato de isso verificar-se não pode servir de motivo para que o órgão, a quem caiba julgar o pedido de rescisão, se demita da responsabilidade de examinar a concorrência do pressuposto colocado pela lei. Se houve a reclamada violação literal, isso haverá de ser reconhecido e proclamado, nada importando que no mesmo erro tenham incidido outras Cortes de Justiça (...) Assim como no direito anterior, exige o Código que o aresto rescindendo haja desatendido a literal disposição de lei. Expressão análoga foi empregada, em sucessivos textos, para definir o cabimento do recurso extraordinário até que, em 1967, passou-se a exigir a negativa de vigência de lei para fazê-lo admissível, modificação que, entretanto, em nada alterou o entendimento que já se tinha firmado. Com a instituição do recurso especial é que se adotou fórmula ampliativa, sendo cabível desde que a lei seja contrariada, não necessariamente violada em sua expressão literal. Vigentes as normas anteriores a 1988, o Supremo Tribunal Federal fixara interpretação traduzida na súmula 400. Esta, apesar das críticas que recebeu, era adequada aos parâmetros que então estabelecia a Constituição. Referindo-se a decisão contra a letra da lei, claro estava o propósito restritivo. Não seria qualquer descompasso como sentido da lei que propiciaria o recurso, mas apenas o equívoco clamoroso, ainda que pudesse resultar de interpretação. Há de entender-se como tendo ocorrido violação da letra da lei quando a ela se empresta interpretação que, razoavelmente, não possa ter. Se era isso exato para o recurso extraordinário, com maior razão há de ser para a ação rescisória". Embora neste acórdão se tenha propendido pela aplicação da súmula 343, na sempre lúcida manifestação do Ministro Eduardo Ribeiro, já se faz entender certa dose de restrição à aplicação indiscriminada da mesma súmula, com o objetivo de impedir ações rescisórias de sentenças de mérito que tenham dado interpretação errada à lei (AR 208/RJ, rel. Min. Nilson Naves, j. 11.03.92, v.u., RSTJ a. 4 (40), p. 15-30, dez./92).

6 Ao tratar da Súmula 343/STF, uma das autoras deste artigo e Maria Lúcia Lins Conceição já tiveram a oportunidade de constatar que: "Observe-se que na Constituição se demonstrou extrema preocupação com a igualdade. Basta dizer que no caput do art. 5º o Constituinte ainda inclui, entre os direitos invioláveis, o próprio direito à igualdade.

O princípio da isonomia é de alta significação política, particularmente quando se pensa no Estado de Direito e no regime democrático. Esse tema vem preocupando os povos ocidentais ditos civilizados desde a Revolução Francesa, que tinha como lema Liberté, Fraternité et Égalité.

Essa Súmula, a nosso ver, compromete o princípio da legalidade e o da isonomia, do mesmo modo que ocorria com a Súmula 400 do Supremo Tribunal Federal, que deixou de ser invocada pelos nossos Tribunais Superiores". ARRUDA ALVIM, Teresa; LINS CONCEIÇÃO, Maria Lúcia, Ação Rescisória e Querela Nullitatis. 3. Ed. rev., atual., e ampl. São Paulo: Thomson Reuters, 2022. P. 313

7 Recurso Especial nº 2.148.566/RS, 3ª Turma, Relator: Ministro Moura Ribeiro. Julgamento em 03/09/2024. Dje 06/09/2024 (por maioria).

8 "Assim, em homenagem aos princípios da boa-fé processual e da cooperação, quando a prescrição intercorrente ensejar a extinção da pretensão executiva, em razão das tentativas infrutíferas de localização do devedor ou de bens penhoráveis, será incabível a fixação de honorários advocatícios em favor do executado, sob pena de se beneficiar duplamente o devedor pela sua recalcitrância. Deverá, mesmo na hipótese de resistência do credor, ser aplicado o princípio da causalidade, no arbitramento dos ônus sucumbenciais.

Destarte, a causa determinante para a fixação dos ônus sucumbenciais, em caso de extinção da execução pela prescrição intercorrente, não é a existência, ou não, de resistência do exequente à aplicação da referida prescrição. É, sobretudo, o inadimplemento do devedor, gerando sua responsabilidade pela instauração do feito executório e, na sequência, pela sua própria extinção, diante da não localização do executado ou de seus bens". (Embargos de Divergência em Agravo em Recurso Especial nº 1.854.589/PR, Corte Especial, Relator: Ministro Raul Araújo, julgamento em 09/11/2023, Dje 24/11/2023).

9 Sustentação oral realizada pela advogada Suelen Mariana Henk (pela parte recorrente).