Breves linhas sobre a sustentação oral prevista no art. 942 do CPC
terça-feira, 18 de junho de 2024
Atualizado em 17 de junho de 2024 13:21
O art. 942 do CPC1 dispõe sobre técnica de julgamento de recursos e ação rescisória, a ser adotada pelo tribunal sempre que, em linhas gerais, o resultado do julgamento não seja unânime. Na hipótese de haver divergência de entendimentos entre o colegiado originário, amplia-se o quórum julgador, em número suficiente para eventual inversão do resultado inicial.
O CPC estabelece que "a convocação observará três possibilidades:
- em futura sessão a ser designada, segundo os termos daquilo que definido pelo regimento interno de cada tribunal;
- na mesma sessão em que constatada a divergência, se e quando presentes outros julgadores que componham o mesmo órgão colegiado;
- tratando-se de julgamento de ação rescisória, a ser redirecionado ao órgão de maior composição previsto no regimento interno do respectivo tribunal".2
A doutrina converge no sentido de que essa técnica de julgamento visa a ampliar o debate, independentemente de requerimento das partes ou de ato judicial, qualificando o contraditório e, por consequência, a decisão proferida. Assim entendem Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero3:
Não se trata de novo recurso, nem de incidente, nem tecnicamente de novo julgamento: O art. 942, CPC/15, constitui apenas um meio de provocar a ampliação do debate. A ampliação do debate não depende de requerimento de quaisquer das partes - o prosseguimento do julgamento deve se dar de ofício. (...) O prosseguimento pode ocorrer na mesma sessão, acaso já existam julgadores em número suficiente para reversão do resultado do julgamento presentes (...).
Nesse mesmo sentido, o STJ já decidiu que essa técnica tem por finalidade "aprofundar as discussões relativas à controvérsia recursal, seja ela fática ou jurídica, sobre a qual houve dissidência",4 e "maior grau de correção e justiça nas decisões judiciais, com julgamentos mais completamente instruídos e os mais proficientemente discutidos, de uma maneira mais econômica e célere". 5
O objetivo da norma, portanto, é promover um debate mais qualificado nas situações em que o próprio colegiado tenha visões diferentes acerca da resolução da matéria. Isso, de fato, acontece. Conforme demonstrado por Fernanda Medina Pantoja, em conclusões de ampla pesquisa empírica realizada no âmbito do TJ/RJ6:
É certo que o incremento do número de julgadores, por si só, pode contribuir para o aprofundamento da discussão, ainda que ao final da sessão não reste alterado o placar inicial. No entanto, é razoável supor que, se a decisão inicialmente prevalecente foi revertida depois da convocação dos novos magistrados, houve valorização do voto dissidente e possivelmente um maior debate. Nos casos julgados pelo TJ/RJ em 2017, constatou-se um índice de reversão de 21,2% nas apelações em que aplicada a técnica do art. 942. Ainda que o percentual seja consideravelmente menor do que o de 46,1% de provimento dos extintos embargos infringentes, não é nada desprezível: uma em cada cinco apelações teve o seu resultado modificado graças à aplicação da técnica de ampliação de julgamento.
Mas há uma nuance dessa qualificação do julgamento e, por consequência, da decisão, que não vem sendo observada pela doutrina e que, infelizmente, vem sendo desconsiderada pela jurisprudência e por boa parte dos regimentos internos7-8-9-10-11 dos tribunais: A finalidade da sustentação oral perante o colegiado ampliado.
O art. 942 dispõe que, ampliado o colegiado, será "assegurado às partes e a eventuais terceiros o direito de sustentar oralmente suas razões perante os novos julgadores". Em uma primeira leitura - e essa é a leitura que tem sido feita pela doutrina e pelos regimentos internos dos tribunais, o direito de sustentar oralmente as razões existiria apenas quando o prosseguimento do julgamento ocorrer em outra sessão, mediante a convocação de julgadores que não estavam presentes quando do início do julgamento e da realização da sustentação oral.
Assim, na hipótese de o julgamento prosseguir na mesma sessão, com a participação de julgadores já presentes, não seria permitido à parte realizar qualquer apontamento oral. Afinal, os novos julgadores já teriam ouvido as razões orais. Chega-se, inclusive, a se negar a sustentação oral mesmo nos casos em que o prosseguimento do julgamento ocorra em nova sessão, quando os membros do colegiado ampliado já tenham ouvido as razões orais das partes.12 O tema já foi objeto de análise pelo STJ que reconheceu a nulidade da decisão proferida nesses termos13, desde que, evidentemente, seja verificado prejuízo:
RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL, CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL PELO FATO DO SERVIÇO. ATRASO DE VOO. PASSAGEIRO MENOR (15 ANOS). JULGAMENTO ESTENDIDO. 1. PROCESSUAL CIVIL. JULGAMENTO ESTENDIDO. REALIZAÇÃO DA EXTENSÃO DO JULGAMENTO NA MESMA SESSÃO EM QUE LEVADO O VOTO VISTA VENCIDO. INTERPRETAÇÃO DA LOCUÇÃO "SENDO POSSÍVEL" CONSTANTE NO ENUNCIADO DO § 1º DO ART. 842 DO CPC. NECESSIDADE DE SALVAGUARDA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL E DA AMPLA DEFESA. 1.1. Esta Corte Superior é chamada a dizer da correta interpretação da locução "sendo possível" constante no início do § 1º do art. 942 do CPC, dispositivo a condicionar a realização do julgamento estendido na mesma sessão em que verificada a não unanimidade, e, ainda, acerca do direito à indenização pelo atraso de voo doméstico. 1.2. O legislador de 2015 estava imbuído do espírito que se fez evidenciar em multifárias passagens do CPC no sentido do primado do devido processo legal, e centrado, notadamente, no constitucional direito ao contraditório e à ampla defesa. 1.3. A regra do § 1º do art. 942 do CPC é clara e expressa acerca da possibilidade de o julgamento estendido ocorrer na mesma sessão quando: a) os demais integrantes do colegiado, embora não tendo participado do julgamento anterior, estiveram presentes à sustentação oral, dando-se por habilitados para o julgamento estendido, ou, b) quando se possibilite ao advogado, agora em face da extensão do julgamento e inclusão de novos integrantes, a realização de sustentação oral. 1.4. Caso concreto em que não se possibilitou ao advogado do demandante, ora recorrente, sustentar oralmente, o que, assim, faria nulo o julgamento realizado. 1.5. Nulidade, porém, que pode ser superada ante a possibilidade de, no mérito, ser provido o recurso especial, alcançando-lhe o direito à indenização pretendida.14-15
Referido entendimento deve ser aplicado, também, para as hipóteses em que:
- O quórum julgador seja ampliado e o julgamento prossiga na mesma sessão, mesmo que os novos julgadores tenham ouvido as razões orais das partes;
- A parte não tenha realizado sustentação em um primeiro momento. Em todos esses casos, diante da abertura da divergência, deve ser franqueada a realização de sustentação oral.16
Isso porque a previsão de nova sustentação oral não tem exclusiva relação com o direito de a parte expor suas razões perante aqueles que comporão o quórum julgador. Não se trata de um direito à repetição. A sustentação oral, nesse caso, tem especial relação com a qualificação do contraditório exercido e com a possibilidade de a parte dialogar com o voto contrário aos seus interesses.
Como leciona Antonio do Passo Cabral:
Comumente definido como o direito de desempenhar um papel ativo no processo, o contraditório abarca não só o conhecimento dos atos processuais praticados ou pendentes de realização, como também a possibilidade de pronunciamento a respeito. Compreende o direito de presença e de ser comunicado dos fatos processuais; abrange as faculdades de contra-argumentar, examinar os autos do processo, dirigir requerimentos ao Estado-juiz, formular perguntas a testemunhas e quesitos periciais, sustentar oralmente em audiência, em grau de recurso ou no plenário do Tribunal do Júri, dentre outras. A ratio do contraditório é permitir oportunidades de reagir ou evitar posições jurídicas processuais desfavoráveis. Identifica-se, portanto, um binômio essencial em torno do qual gravita o princípio: informação-reação - o contraditório significa audiência bilateral.17
Além disso, o próprio princípio da cooperação também serve de fundamento para que se conceda a palavra às partes (repita-se, ainda que já tenham sustentado na sessão ou tenham dispensado a sustentação em um primeiro momento). Afinal, impõe que o diálogo paute as relações entre os sujeitos processuais, de modo a se retirar o julgador da posição de protagonista.
É necessário, portanto, uma revisão da forma pela qual a sustentação oral do art. 942 vem sendo realizada. Os julgadores devem atentar para a necessidade de novo diálogo diante da divergência e os advogados devem considerar o dever de cooperação, de modo a utilizar o momento de expor suas razões orais para abordar as razões contrárias aos seus interesses, sempre de forma respeitosa, direta e o mais precisa possível.
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1 Art. 942. Quando o resultado da apelação for não unânime, o julgamento terá prosseguimento em sessão a ser designada com a presença de outros julgadores, que serão convocados nos termos previamente definidos no regimento interno, em número suficiente para garantir a possibilidade de inversão do resultado inicial, assegurado às partes e a eventuais terceiros o direito de sustentar oralmente suas razões perante os novos julgadores.
2 LANES, Júlio Cesar Goulart. A sistemática decorrente de julgamentos não unânimes. Comentários ao art. 942. P. 2.341. In WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Et. al. (Coord.). Breves Comentários ao Novo Código de Processo Civil. 3ª ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016.
3 MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Comentários ao Código de Processo Civil. Artigos 926 ao 975. V. XV. 3ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021, p. 240.
4 STJ - REsp: 1868072 RS 2020/0068170-9, Relator: Ministro FRANCISCO FALCÃO, Data de Julgamento: 04/05/2021, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 10/05/2021.
5 STJ - REsp: 1733820 SC 2018/0077516-2, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 02/10/2018, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 10/12/2018.
6 PANTOJA, Fernanda Medina. Notas sobre a divergência: premissas teóricas e inferências empíricas acerca da ampliação da colegialidade na apelação. Revista de Processo. Vol. 303/2020. p. 209 - 225. Maio/2020. DTR\2020\6804.
7 Se limitando à definição do procedimento de ampliação do colegiado: TJPR, art. 75; TJBA, art. 213; TJRJ, art. 97; TJAC, art. 53.
8 Com previsão de sustentação oral na mesma sessão e/ou em outra sessão: TJSP, art. 150; TJCE, art. 80, §1; TJDFT, art. 119, § 1º; TJES, art. 140; TJGO, art. 170; TJMA, art. 656, §3º; TJMT, art. 23-A; TJMG, art. 115-A; TJPA, art. 142; TJPB, art. 189-A; TJPE art. 200-A, §3º; TJPI, art. 266, §2º; TJRN, art. 323-A; TJRS, art. 233, §3º; TJSE, art. 104, XV; TJTO, art. 115.
9 Possibilitando a sustentação oral apenas sobre os temas em que se deu a divergência: TJAL, art. 170, § 2º.
10 Dispensando nova sustentação oral: TJRO, art. 268, § único.
11 Sem correspondência: TJAM, TJMS, TJRR, TJSC e TJAP.
12 TJ/SP - EMBDECCV: 10019814220168260081 SP 1001981-42.2016.8.26.0081, Relator: J. M. Ribeiro de Paula, Data de Julgamento: 25/03/2022, 12ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 25/03/2022; TJ-RN - APELAÇÃO CÍVEL: 0830781-50.2015.8.20.5001, Relator: MARIA ZENEIDE BEZERRA, Data de Julgamento: 12/03/2021, Segunda Câmara Cível, Data de Publicação: 16/03/2021; TJ-PR 000000001727995 Curitiba, Relator: Luciano Carrasco Falavinha Souza, Data de Julgamento: 05/06/2019, 12ª Câmara Cível, Data de Publicação: 28/06/2019; TJ-TO - AC: 00279745820188270000, Relator: JACQUELINE ADORNO DE LA CRUZ BARBOSA, Data de Julgamento: 11/03/2020, TURMAS DAS CAMARAS CIVEIS; TJ-DF 07121552320178070003 DF 0712155-23.2017.8.07.0003, Relator: ALVARO CIARLINI, Data de Julgamento: 15/09/2021, 2ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE : 06/10/2021 . Pág.: Sem Página Cadastrada.
13 Esse também é o entendimento da doutrina, vejamos: "Se a técnica de julgamento estendido não for aplicada quando deveria tê-lo sido, há vício de nulidade, passível de alegação via recurso especial. Havendo trânsito em julgado da decisão, é cabível ação rescisória, com base no art. 966, V". ALVIM, Teresa Arruda; CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins. Et al. Primeiros Comentários ao Código de Processo Civil. 3ª ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020. (ebook)
14 STJ - REsp: 1733136 RO 2018/0074888-5, Relator: Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, Data de Julgamento: 21/09/2021, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 24/09/2021.
15 Mesmo verificando a hipótese de nulidade, o relator, Min. Sanseverino, entendeu que o contexto fático do acórdão era suficiente para conhecimento da matéria, mesmo diante da inviabilização da sustentação oral: "Entendo que o legislador estava, sim, imbuído do espírito que se fez evidenciar em multifárias passagens no CPC de 2015 no sentido do primado do devido processo legal, e centrado, notadamente, no constitucional direito ao contraditório e à ampla defesa, ou seja, manifestara a possibilidade de se realizar a extensão do julgamento na mesma sessão estando presentes os advogados das partes para que, então, pudessem defender suas razões em face dos demais julgadores que não tivessem presenciado as sustentações orais. [...] O caso, pois, seria de nulificação do julgamento e reabertura dos debates orais para que se possibilitasse a sustentação oral pelas partes em face dos componentes do órgão julgador em sua feição estendida. No entanto, estou em superar a nulidade para, porque possível apenas com o contexto fático probatório estabelecido no acórdão recorrido pelos múltiplos julgadores que dele participaram, conhecer-se das questões de fundo e avançar no sentido do provimento do recurso especial do demandante quanto ao mérito".
16 Assim entendeu Arruda Alvim: "Importante mencionar que o § 1.º do art. 942 do CPC/2015 viabiliza o prosseguimento do julgamento na mesma sessão, desde que possível, "colhendo-se os votos dos outros julgadores que porventura componham o órgão colegiado." Afigura-nos que a condição imposta ao prosseguimento na mesma sessão, contida na expressão "sendo possível", deve ser interpretada de maneira a satisfazer o contraditório. Ou seja, para que seja "possível" que o colegiado se amplie na mesma sessão, não é suficiente que haja outros julgadores, ainda que em número suficiente para propiciar a inversão do resultado; é preciso, ainda, que seja assegurada às partes e a eventuais interessados a prerrogativa de sustentação oral a que alude o caput do dispositivo". ALVIM, Arruda. Manual de direito processual civil. 5ª ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021. (ebook). Em sentido contrário, Fredie Didier Jr. e Leonardo Cunha: "Se for possível prosseguir o julgamento na mesma sessão, não será necessária a designação de nova sessão de julgamento, já se colhendo, ali mesmo, os votos dos outros julgadores (art. 942, § 1º, CPC) esse caso, dispensa-se nova sustentação oral, pois os outros julgadores já terão assistido à que fora apresentada. É o que ocorre em tribunais que mantêm câmaras julgadoras de cinco membros: a apelação é julgada por três deles, formando-se a turma específica. Os outros dois, integrantes de outra formação, ficam no aguardo. Se, nesse caso, o julgamento não for unânime, já se aproveita a presença dos outros dois e se colhem seus votos, encerrando-se o julgamento". CUNHA, Leonardo Carneiro da; DIDIER JR., Fredie. Ampliação do colegiado em caso de divergência: algumas impressões iniciais sobre o art. 942 do CPC. In NERY JUNIOR, Nelson; ALVIM, Teresa Arruda. (Coord.). Aspectos polêmicos dos recursos cíveis e assuntos afins. V. 13. 1ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017. (ebook).
17 CABRAL, Antonio do Passo. O contraditório como dever e a boa-fé processual objetiva. Revista de Processo. Vol. 126/2005. p. 59 - 81. Ago/2005. DTR\2005\548