Desnecessidade de notificação pessoal dos acionistas sobre operações societárias de grupamento ou desdobramento de ações, pela companhia emissora
quinta-feira, 7 de março de 2024
Atualizado às 07:34
O ano de 2024 começou com a publicação de importante decisão do E. STJ para o contencioso de Mercado de Capitais, pois confirma a aplicabilidade das previsões contidas Lei 6.404/76 nos litígios judiciais promovidos por acionistas investidores contra companhias abertas.
Apesar de ter sido concebida para regulamentação das Sociedades por Ações, não é raro encontrar decisões judiciais afastando a aplicação da Lei 6.404/76 em demandas envolvendo, especialmente, investidores pessoa física. Isso, sob o fundamento de que o Código de Defesa do Consumidor - CDC regularia o relacionamento desses com as companhias emissoras, na medida em que a aquisição de ações para fins de poupança seria equiparável à aquisição de um produto ou bem.
Em algumas ocasiões, o STJ já se pronunciou em sentido contrário, confirmando a aplicabilidade das regras previstas na lei 6.404/76 mesmo quando o acionista é pessoa física e adquire ações como forma de investimento.1
Mas a decisão agora proferida no Agravo em Recurso Especial nº 2.410.427/RS, é ainda mais relevante. Nela, foi afastada tese que vinha sendo sustentada muito frequentemente por acionistas investidores. Qual seja: de que, em função do dever de informação previsto no CDC, as deliberações quanto aos eventos societários de grupamento e desdobramento das companhias abertas deveriam ser notificadas, pessoalmente, a todos os acionistas. E, consequentemente, que a não notificação pessoal a respeito desses atos configuraria ilegalidade capaz de gerar direito à indenização.
Como se sabe, o grupamento de ações, previsto no artigo 12 da lei 6.404/76, é uma operação societária deliberada pela Assembleia Geral de determinada companhia emissora, que implica a redução da quantidade de ações representativas do capital social da empresa, sem que haja alteração na sua expressão financeira. Trata-se de uma operação aritmética, que resulta da reunião de títulos, destinada a dar razoabilidade ao valor das ações quando este se torna demasiadamente diminuto.
Por exemplo, 1.000 (mil) ações que no total representam R$1 (um real), são grupadas na proporção de 1000/1, transformando-se em 1 (uma) ação no valor de R$1 (um real).
O desdobramento de ações, por sua vez é o oposto. Trata-se de ato pelo qual uma ação é desdobrada em tantas quantas a Assembleia Geral de acionistas aprove. Dessa forma, 1 (uma) ação no valor de R$ 1,00 pode ser desdobrada na proporção de 1/1000, e assim transforma-se em 1.000 (mil) ações com o valor total de R$ 1,00.
Ambas as operações são frequentes em companhias de capital aberto. E, embora não tenham o condão de alterar a expressão econômica das ações, podem acabar transmitindo a impressão de que teria havido prejuízo ao acionista - especialmente quando se delibera o grupamento de ações. Afinal, de um dia para o outro, reduz-se a expressão numérica das ações da companhia.
Ocorre que, não raras vezes, os acionistas investidores deixam de acompanhar os eventos societários das companhias de que possuem ativos. Frequentemente, mudam de endereço, telefone e deixam de manter seu cadastro atualizado perante suas corretoras de valores e perante as empresas emissoras, dificultando o recebimento de informações acerca de decisões tomadas pelas Assembleias Gerais.
Posteriormente, ao tomarem conhecimento do saldo de seus ativos, notam que eventos como grupamento de ativos acabaram por reduzir a sua quantidade. E, não raras vezes, sentem-se prejudicados, decidindo procurar o Judiciário para obter a restituição de suas posições.
Nessas demandas, invariavelmente alicerçados no CDC, os acionistas defendem que a quantidade de ações por eles adquiridas não poderia ter sido alterada sem que tivessem sido comunicados, pessoalmente, das deliberações assembleares - para fins de possibilitar a verificação e até contestação de sua legalidade.
Na recente decisão proferida pelo Min. Moura Ribeiro no ARESP 2.410.427/RS, acertadamente, reconheceu-se que inexiste previsão legal que obrigue as companhias emissoras a comunicarem, pessoalmente, os acionistas, acerca da realização de Assembleias que deliberam sobre eventos como grupamento. Veja-se:
"Ressalta-se que a convocação pessoal por telegrama ou carta registrada é exigida, tão somente, para o acionista de companhia fechada que representar 5% ou mais do capital social e desde que o tenha solicitado por escrito à companhia, com indicação do endereço completo (art. 124, § 3º da Lei n° 6.404/76). Forçoso concluir, portanto, que a Lei das Sociedades Anônimas não exige que os acionistas de companhia aberta, como no caso dos autos, sejam notificados pessoalmente sobre a realização das assembleias, e sim, que a comunicação seja feita mediante publicações realizadas em órgãos oficiais e jornais de grande circulação."
Na citada decisão, enfatizou-se que as decisões acerca de grupamentos de ações são deliberadas em Assembleia Geral Extraordinária, cuja convocação deve ocorrer na forma do art. 124 da Lei 6.404/76 e ser divulgada na forma do art. 289 da mesma Lei. Isto é, por meio de publicação no Diário Oficial do Estado onde se situa a sede da companhia e em jornal de grande circulação:2
"É cediço que as decisões a respeito dos grupamentos são tomadas pela Assembleia Geral Extraordinária, que é o órgão com poder de deliberação, nos termos do art. 121 da Lei n° 6.404/76 [...] Quanto aos procedimentos de convocação, o art. 124, caput da referida lei dispõe que ela será feita mediante anúncio publicado por três vezes, no mínimo, contendo, além do local, data e hora da assembleia, a ordem do dia e, no caso de reforma do estatuto, a indicação da matéria [...] O art. 289 da Lei n° 6.404/76, por sua vez, prevê que a divulgação do ato de convocação será feita no Diário Oficial do Estado onde se situa a sede da companhia, bem como em jornal de grande circulação, exatamente para que se estabeleça a presunção legal de conhecimento dos acionistas"
Em outras palavras: concluiu o STJ que não podem, os acionistas investidores, alicerçados no CDC, pleitear que o Judiciário reconheça o descumprimento de uma obrigação que a legislação própria das S/As não prevê.
Cabe ao investidor, portanto, estar sempre atento aos comunicados publicados pelas companhias emissoras, como demonstração de diligência para com os seus próprios interesses3.
Da mesma forma, é importante que o Judiciário garanta a devida observância da Lei das S.A em demandas que envolvem o mercado de capitais, para higidez desse sistema e como meio de impedir o enriquecimento ilícito de demandantes oportunistas.
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1 Ao julgar o recurso 1.685.098/SP, por exemplo, a Corte afastou a aplicação do CDC, concluindo não existir prestação de serviços no processo de aquisição de ações - REsp n. 1.685.098/SP, relator Ministro Moura Ribeiro, relator para acórdão Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 10/3/2020, DJe de 7/5/2020. Não obstante, a mesma Corte também já decidiu que, o CDC deve ser aplicado na relação entre investidores e corretoras de valores (REsp nº 1.599.535/RS, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 14/3/2017, DJe de 21/3/2017).
2 A respeito, Modesto Carvalhosa explica que tal forma de convocação evita que o acionista alegue desconhecimento, tal como têm se verificado em diversas ações propostas em face de companhias emissoras de ativos: " Objetivamente, no entanto, é uma notificação pública, uma vez que é meio pelo qual se dá ciência aos acionistas da reunião que irá realizar-se, a fim de que não possam, em qualquer hipótese ou sob qualquer pretexto, alegar ignorância relativamente à realização do conclave e seus efeitos jurídicos." CARVALHOSA, Modesto; KUYVEN, Fernando. Tratado de Direito Empresarial - Vol. III - Ed. 2023. São Paulo (SP):Editora Revista dos Tribunais, 2023
3 "Cabe, outrossim, ao acionista o direito de fiscalizar a gestão dos negócios sociais. O direito de fiscalizar corresponde a um dever da companhia de, espontaneamente, informar os acionistas. A iniciativa de manter o acionista informado constitui encargo da companhia, através de seus órgãos de administração, notadamente quando se trata de companhia aberta." (CARVALHOSA, Modesto; KUYVEN, Fernando. Tratado de Direito Empresarial - Vol. III - Ed. 2023. São Paulo (SP):Editora Revista dos Tribunais. 2023.)