Imparcialidade do árbitro e dever de revelação
terça-feira, 12 de dezembro de 2023
Atualizado às 07:51
Qual a gravidade da omissão do árbitro quanto ao dever de revelação? Quais as consequências deste descumprimento? Trata-se, a nosso ver, de problemas que devem ser resolvidos à luz da perspectiva do âmbito de eventual posterior atuação do Judiciário no controle da regularidade da arbitragem. Este controle deve, o tanto quanto possível, ser evitado.
Hoje em dia, já não mais se discute a respeito da natureza jurídica da arbitragem. Trata-se de jurisdição. Envolve a atividade exercida pelos árbitros que, uma vez escolhidos pelas partes - por força da autonomia de sua vontade -, julgarão o conflito que lhes foi submetido à apreciação.
Na jurisdição estatal, não se rediscute a decisão de mérito proferida pelos árbitros (art. 18, Lei n. 9.307/1996 - LArb). Isto é, uma vez que as partes acordaram, livremente, em submeter seu conflito à apreciação de profissionais que consideram aptos para tanto, e em que têm confiança, não lhes é aberta a possibilidade de rediscutir em juízo a decisão do árbitro no mérito.
A escolha definitiva dos árbitros se dá com base nas informações que estes devem revelar. A partir destes dados, as partes podem aferir imparcialidade e independência dos profissionais escolhidos, para o bom e fiel desempenho do múnus para o que foram contratados1.
Há um mecanismo criado pela LArb, de que se pode utilizar a parte interessada, com vistas a suscitar, perante o Judiciário, vício formal de que, porventura, tenha padecido o procedimento arbitral (art. 32): a ação anulatória, em conformidade com o art. 33.
A ação anulatória, frise-se, visa a, única e exclusivamente, apontar vícios formais existentes na arbitragem e/ou na sentença arbitral.
A nosso ver, a ação anulatória - naturalmente, quando cabível nos termos da LArb - ao contrário do que possa parecer à primeira vista, chancela a credibilidade da arbitragem2-3, já que concede ao poder soberano estatal - através do Poder Judiciário - a possibilidade de corrigir vícios formais4 que, porventura, tenham maculado o processo arbitral.
A ação anulatória é exemplo do importante regime de cooperação que deve haver entre as jurisdições do Estado e arbitral, regime esse sobre cuja existência também não mais se discute5.
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1 Nesse contexto, pode-se verificar a natureza também contratual da arbitragem. Por isso que costumamos afirmar que a arbitragem tem natureza jurídica mista: fruto de contratação entre as partes, para o exercício, pelos árbitros, de uma atividade jurisdicional.
2 "O uso da ação anulatória, na medida certa e de forma coerente, acaba por incentivar o uso do instituto da arbitragem". BELLOCCHI, Márcio. Precedentes Vinculantes e a Aplicação do Direito Brasileiro na Convenção de Arbitragem. São Paulo: Ed. RT, 2017.
3 No mesmo sentido, Dinamarco: "A admissibilidade da ação anulatória de sentença arbitral, sempre circunscrita a fundamentos de natureza processual (nulidades - LA, arts. 32-33), é um temperamento do sistema de direito positivo à autonomia da arbitragem e constitui um penhor da legitimidade desta perante a ordem constitucional, particularmente a garantia do controle judicial (supra, n. 6). No sistema brasileiro essa sentença é soberana no tocante ao julgamento de mérito, não se devolvendo ao Poder Judiciário qualquer competência para o exame de possíveis errores in judicando, seja no tocante ao exame dos fatos e provas, seja quanto à aplicação ou interpretação do direito material (...)". DINAMARCO, Cândido Rangel. Processo Arbitral. Curitiba: Editora Direito Contemporâneo, 2022, p. 265.
4 "Assim, na ação de invalidação de sentença arbitral, o controle judicial, exercido somente após a sua prolação, está circunscrito a aspectos de ordem formal, a exemplo dos vícios previamente elencados pelo legislador (art. 32 da Lei n. 9.307/1996), em especial aqueles que dizem respeito às garantias constitucionais aplicáveis a todos os processos, que não podem ser afastados pela vontade das partes." REsp n. 1.636.102/SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva.
5 Isso pode ser constatado no texto da LArb, art. 22-C, que trata da carta arbitral, documento emitido pelo árbitro, destinado ao Judiciário, com o objetivo de que seja cumprido o ato do árbitro que necessite do poder de coerção, exclusivo da jurisdição estatal. Também o Código de Processo Civil prevê essa figura (da carta arbitral), como se nota do inciso IV do art. 237.