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Tese, embargos de declaração e dores do crescimento

terça-feira, 3 de agosto de 2021

Atualizado às 07:29

O processo civil brasileiro sofre de dores de crescimento. Avança muito em certos pontos e deixa outros para trás. Inevitável, porque assim é o processo de crescimento. Acredito que isso só não aconteça com um processo civil estagnado. O nosso, felizmente, se adapta.

O legislador de 2015 criou um sistema de precedentes cuja função é, não exclusiva, mas predominantemente, a de  administrar a delicada questão da litigância de massa. Assim, por exemplo, em face da multiplicação de ações, coletivas ou individuais, que giram em torno de casos idênticos, pode o Tribunal Superior ou mesmo o de 2º grau, selecionar um ou mais recursos para que seja(m) julgado(s), e, assim, formar um precedente vinculante.

Criou-se, portanto, um sistema que parece ser capaz de produzir bons resultados, mas que se afasta da nossa tradição - nunca tivemos precedentes vinculantes - e mesmo da tradição do common law - lá os precedentes não nascem vinculantes, não são vocacionados a resolver o problema de litigância de massa e não há a redação de teses.

O que são essas teses? São ou devem ser - a essência do precedente. São uma forma de facilitar a compreensão do sentido e da extensão da decisão, para que possa ser operativa, de fato, sua vinculatividade.

Algumas teses se parecem com enunciados normativos e outras contêm a ratio. Essa afirmação é oportuna, embora não seja este o espaço adequado para se discutir essa diferença, que, aliás, não é importante para o que aqui se pretende sustentar.

Como  se trata de  um procedimento cujo objetivo é gerar uma decisão jurisdicional com forte carga normativa, já que a lei reconhece abertamente que se trata de precedentes vinculantes, é necessário que a formação dessas teses seja precedida de algum debate democrático, o que felizmente vem acontecendo como decorrência da convocação ou da admissão da intervenção de amici curiae e da realização de audiências públicas.

Além disso, as partes interessadas e os próprios amici curiae podem intervir também num segundo momento, que é justamente aquele em que se desenha a versão final da tese: o  que com certeza será tido como o parâmetro para que se saiba precisamente qual o  conteúdo do precedente e, portanto, qual o exato teor da decisão que vincula.

Pode acontecer que a tese não reflita de modo fiel a decisão  tomada ou não contenha os pressupostos considerados necessários para que se tenha chegado àquela conclusão ou, ainda, não discrimine exatamente os casos aos quais o precedente deve ser aplicado. Os embargos de declaração são um veículo extremamente útil, por meio do qual as partes podem se manifestar pedindo a adequação da tese firmada àquilo que tenha sido efetivamente decidido.

Trata se, como se percebe, do uso inortodoxo do recurso de embargos de declaração. De fato, art. 1022 não prevê, em nenhum dos seus dispositivos, a possibilidade do manejo dos embargos de declaração com essa finalidade: de rigor não se trata de omissão, nem de obscuridade, nem de contradição, nem de erro material e, na verdade, nem caberia recurso algum de uma tese, já que a tese não é uma decisão judicial. Como se sabe, recursos podem ser manejados contra decisões judiciais, por isso é que não cabem, por exemplo, contra um voto, mas só contra o próprio acordão. É oportuna, aqui, a lembrança da admissão, em nosso sistema, dos recursos especiais e extraordinários interpostos contra decisão de IRDR: também é inortodoxo admitir-se recurso de decisão sobre tese jurídica, que não resolve propriamente um caso concreto.

Assim, parece evidente que o sistema não só permite, como aconselha o uso dos embargos de declaração com essa finalidade, até porque eles acabam se convertendo num poderoso instrumento para tornar o sistema de precedentes mais eficiente, dando-lhe, também, mais legitimidade democrática.

São as dores do crescimento: o código criou um sistema interessante de precedentes, que tem o potencial de levar a efeito, de uma forma bastante visível, o princípio da isonomia, racionalizando o trabalho do Poder Judiciário e criando, como é óbvio, mais previsibilidade e segurança jurídica. Esqueceu-se, todavia, o legislador de acrescentar mais um inciso ao artigo 1022, permitindo o uso do recurso pelas partes ou pelos amici curiae para efeito de aprimorar o sistema de precedentes, sendo este um caminho que pode levar ao aprimoramento da versão final da tese.

Vale a pena aqui que nos lembremos de que os embargos de declaração sempre foram usados para correção de erros materiais, sem que, antes, houvesse previsão legal expressa.

Isso não significa, portanto, que o recurso não possa ser manejado para  fim de auxiliar no modelar da tese : afinal, se o "mais" é possível, será possível, também, o "menos": se é possível o uso dos embargos de declaração para adequação da ementa ao acordão, em todo e qualquer acordão, a fortiori, deve ser considerado possível e desejável o uso dos embargos de declaração para corrigir a adequação entre a decisão tomada por um Tribunal Superior, num recurso repetitivo, que tem força normativa para toda a sociedade, e a tese respectiva.