O importante é contestar
terça-feira, 15 de setembro de 2015
Atualizado às 10:34
Jorge Amaury Maia Nunes
O novo Código de Processo Civil já sofre algumas sérias ameaças de não entrar em vigor em 18 de março do ano que vem, dada a existência de projeto de lei que prorroga o fim do seu período de vacatio para as calendas, como tem sido insistentemente preconizado por parcela do Judiciário. Sem embargo disso, i.e., enquanto não se concretiza o atentado de 11 de setembro contra o processo civil brasileiro, discutamos o tratamento dispensado à contestação no novo Código, sempre com o intuito de condensar o máximo de informações com o mínimo de palavras, ainda que com o evidente risco de lavrar na seara da superficialidade acadêmica.
O Código de 2015 inovou no tratamento da matéria. O antigo art. 297 do Código de 1973 cuidava da possibilidade de oferecer contestação, exceção e reconvenção. Agora, de exceção (instrumental) não mais se cuida e a reconvenção, tratada no art. 343, passou a ser parte integrante da própria contestação. A ideia que ilumina o novo código é a concentração das defesas possíveis na contestação, consagrando o princípio da eventualidade, com a eliminação de penduricalhos e de intermináveis incidentes que as exceções instrumentais causavam.
Cabe observar que, com o deslocamento da audiência de conciliação e mediação para momento anterior à oferta da contestação, em procedimento técnico superior àquele determinado pelo Código de 1973, foi necessário descer a minúcias com relação ao prazo para contestar. Antes de tudo, não deve ser olvidado que o prazo será sempre contado em dias úteis, por força do disposto no art. 219 deste código. Depois, deve ter-se em mente que o prazo, no procedimento comum, é de 15 dias, ressalvada a concessão em dobro para: Ministério Público; União, Estados, Distrito Federal, Municípios, respectivas autarquias e fundações de direito público; Defensoria Pública (e entidades com ela conveniadas que prestam assistência jurídica gratuita) e escritórios de prática jurídica de faculdades de Direito reconhecidas por lei.
Além disso, cabe atentar para o termo inicial do prazo. Deveras, dadas as múltiplas possibilidades existentes na fase processual que antecede a contestação, o legislador optou pela cautela: em uma primeira hipótese, admitiu que a audiência de que trata o art. 334 (i) ocorra em uma única sessão; (ii) ocorra em mais de uma sessão; (iii) designada, haja o não-comparecimento de qualquer das partes, ou, em todas as hipóteses até então versadas, as partes não cheguem à solução do litígio. Nessas circunstâncias, a data da última audiência frustrada marca o termo inicial do prazo para contestar. Incide aqui a antiga regra, renovada no art. 224, de que deve ser excluído o dia do início e incluído o dia do vencimento.
Já se viu que o autor pode, na petição inicial, indicar seu desinteresse na realização da audiência de conciliação ou mediação. É necessário, entretanto, que haja, também, o desinteresse do réu (ou de todos os litisconsortes, se for o caso), que deve formular pedido de cancelamento, na forma do inciso II do art. 335. Se essa a hipótese, o termo inicial do prazo para contestar será a data da realização do protocolo desse pedido.
Se não se tratar de hipótese em que deva realizar-se a audiência de conciliação ou mediação, porque, por exemplo, a matéria não comporta autocomposição, o termo inicial do prazo obedece ao disposto no art. 231 do CPC, a saber: a data da juntada do AR aos autos; a data da juntada do mandado de citação devidamente cumprido; ou a data da própria citação quando esta se der por ato do escrivão ou do chefe de secretaria.
Há duas considerações adicionais a fazer, relativamente ao prazo para contestar, na hipótese de existência de litisconsórcio passivo. A primeira relativa ao fato de que o novo Código quebra a tradição do prazo comum para a contestação dos litisconsortes passivos: agora, em havendo manifestação de desinteresse na realização da audiência de conciliação ou mediação por parte de todos os litisconsortes passivos, o termo inicial do prazo para contestar será individual e contado da data da apresentação do respectivo pedido de cancelamento da audiência. A segunda, que repete parcialmente a regra do parágrafo único do art. 298 do CPC de 1973: se não cabe autocomposição e o autor desiste da ação em relação ao réu que ainda não foi citado, o prazo para resposta começa a fluir da data da intimação da decisão que homologar a desistência. Nessa hipótese, o prazo é comum para todos os litisconsortes remanescentes, aplicando-se, se for o caso, a dobra de que trata o art. 229 deste Código, ressalvados, por expressa disposição de lei, os processos eletrônicos.
O novo Código de Processo Civil determina (art. 343) que a contestação e a reconvenção sejam oferecidas na mesma peça processual. Agora, entretanto, somente será tratado da contestação, que continua regida, até com maior vigor, pela regra da eventualidade.
Na contestação, há possibilidade de oferecer defesa direta e indireta. Na defesa direta, o réu responde e nega a pretensão exercida pelo autor no seu núcleo, por exemplo: "não contratei ou peguei dinheiro emprestado com a parte autora", isto é, ele nega o motivo da demanda, refuta a causa de pedir remota e a próxima, ou nega a qualificação que foi dada pelo autor na petição inicial. A qualificação em tela diz respeito à compreensão jurídica do fato supostamente ocorrido, ou de como enquadrá-lo no mundo jurídico. Em outras palavras, o fato simples, em si, pode ter ocorrido, mas a configuração dada a ele pelo autor não se ajusta ao direito porque, no entendimento do réu, a premissa maior que deve incidir é outra, não aquela eleita pelo pretenso legitimado ativo. Assim, no exemplo acima, o réu pode requalificar a entrega material dos valores pecuniários; não há discussão sobre o fato de que houve a entrega de dinheiro do autor ao réu. O autor alega haver emprestado e o réu, entretanto, alega ter havido doação. O mesmo fato, entrega de numerário, pode ser qualificado de mais de uma forma, gerando consequências diversas no mundo jurídico.
Na defesa indireta, o réu admite o fato alegado pelo autor, mas opõe outro capaz de impedir a consequência pretendida pelo adversário. Por exemplo, alega que a dívida não está vencida, que foi novada, que possui recibo de quitação, que a pretensão está prescrita, etc. Pode ser percebido que os exemplos enunciados são pertinentes ao pedido mediato, ao bem da vida perseguido. A defesa indireta, sob essa ótica, consiste na alegação de fatos impeditivos, modificativos e extintivos do direito do autor.
Além das defesas diretas e indiretas demérito, há outras que são de natureza meramente processual. A respeito dessas, a doutrina costuma dizer que se trata de defesas indiretas processuais. Cabe lembrar que as defesas contra o processo são lançadas na própria contestação, em forma de preliminar, e constam no rol do artigo 337. Essas preliminares pertencem a duas ordens distintas. Umas são peremptórias (do latim perimere) e sua alegação tende a extinguir o processo. Outras, de natureza dilatória, não têm essa virtualidade; apenas visam à correção do rumo processual. Exemplo da primeira é a alegação de coisa julgada. Exemplo da segunda é a alegação de conexão de causas e de incompetência do juízo.
Em primeiro plano, cabe ao réu alegar inexistência ou nulidade de citação. Citação inexistente é a citação que falta, a que não foi realizada, ou foi realizada por quem não detinha poderes para realizá-la (o filho de um juiz, por exemplo, que não seja agente do Estado), ou feita a pessoa diversa daquela indicada para recebê-la, ou que indique processo de conteúdo diverso daquele de onde se extraiu a ordem, etc. Citação nula é a citação existente, porém não formulada na conformidade de seu figurino legal, estabelecido a partir do artigo 238 do Código de Processo Civil, como por exemplo, a citação que é feita ao cônjuge do morto exatamente no dia do óbito, em ofensa ao disposto no artigo 244, II, do Código de Processo Civil.
A inexistência ou nulidade de citação podem e devem ser arguidas pelo réu, comparecendo espontaneamente para fazê-lo. Dessa data, então, começará a fluir o prazo para contestar (art. 239, § 1º). Nesse caso, o réu pode apresentar toda defesa que tiver, juntamente com a alegação de inexistência ou nulidade, circunstância em que, se o magistrado reconhecer efetivamente um desses dois eventos, proclamará a tempestividade do ato praticado pelo réu. Caso contrário, este será considerado revel.
Pelo inciso II do art. 337, se o réu tiver razões para crer que a ação foi aviada perante juízo incompetente (tanto faz seja incompetência absoluta ou relativa), deverá discutir a matéria antes de ingressar na questão meritória. Advirta-se, entretanto, que, se não alegar em preliminar a incompetência absoluta, poderá fazê-lo posteriormente, até porque a admissão desse tipo de incompetência é ato que o magistrado pode praticar de ofício. Diferentemente, se não alegar a incompetência relativa, neste momento processual, esta será automaticamente prorrogada, na forma do disposto no art. 65 do Código.
Os arts. 291 e seguintes do Código de Processo Civil tratam das regras de fixação do valor da causa, que deve ser lançado tanto na petição inicial quanto na reconvenção. Ressalvado ao juiz o poder de corrigir esse valor de ofício, é na contestação e de forma preliminar que o réu deve arguir a incorreção do valor à causa atribuído pelo adversário, sob pena de preclusão.
Sobre a inépcia da inicial, de que cogita o art. 337, IV, convém alguma detença. A petição é inepta quando contém vícios relativos ao libelo, isto é, relativos ao pedido ou à causa de pedir quais sejam: se a inicial não possuir pedido ou causa de pedir; o pedido for indeterminado (salvo se a lei autorizar a formulação de pedido dessa natureza) da narração dos fatos não decorrer logicamente a conclusão; ou contiver pedidos incompatíveis entre si.
Se lhe falta pedido, o Estado-Juiz está impedido de acionar os mecanismos próprios da jurisdição. Com efeito, lição antiga ensina que nenhum juiz prestará a tutela jurisdicional senão quando a parte ou o interessado a requerer, nos caos e formas legais. Ademais, o art. 141 dispõe que o juiz decidirá o mérito nos limites propostos pelas partes, sendo-lhe vedado conhecer de questões não suscitadas, a cujo respeito a lei exige iniciativa das partes. Esse fragmento legal firma a convicção de que vigora, no direito brasileiro, o princípio da disponibilidade da demanda, não sendo possível ao magistrado (i) saber qual o bem da vida que o autor pretende obter por meio da intervenção estatal; (ii) substituir-se ao autor para o fim de suprir a omissão e formular pedido em seu lugar. Ora, se assim é, não havendo pedido formulado, impossível ao magistrado acatar a petição inicial a que falte uma de suas partes fundamentais. O mesmo deve ser dito em relação à ausência de causa petendi. O Direito Processual Civil brasileiro não admite que um eventual sujeito de direitos venha a juízo formular pedido sem indicar quais as razões jurídicas que o autorizam a tanto. É necessário que o autor indique, para que o pleito para que o pleito possua as mínimas condições de exame, o fato constitutivo de seu direito e, se for o caso, da obrigação do réu.
Assim também, é necessário que a parte formule pedido certo e determinado. Para a doutrina prevalecente, formular pedido determinado é fazê-lo indicando o bem da vida da forma mais precisa possível, extremando-o de quaisquer outros. Formular pedido certo é formular pedido que não deixa margem a dúvida quanto ao que se pretende, seja em termos de qualidade, seja em termos de extensão, seja em termos de quantidade. Diversamente, acreditamos que pedido certo é o pedido formulado de forma expressa, sem a utilização de formas vagas, genéricas e destituídas de sentido exato. E o pedido deve ser expresso justamente porque não se admitem pedidos implícitos, ressalvadas as exceções indicadas no próprio Código de Processo Civil. Como consequência, para nós, a determinação do pedido engloba todas as características relativas à certeza e determinação indicadas nas anteriores lições doutrinárias.
A hipótese prevista no inciso III do § 1º do art. 330 dispõe sobre a inépcia da petição inicial naquelas situações em que da narração dos fatos não decorrer logicamente a conclusão. A questão que se coloca nesse dispositivo tem pertinência com uma espécie de congruência endógena da petição inicial. O discurso da peça de ingresso assume uma forma de (=é apresentado como se fosse) silogismo em que o autor apresenta (a) os fatos, premissa menor, (b) a regra jurídica que deve incidir no caso concreto, premissa maior, e (c) o pedido, que é a conclusão e que tem de ser absolutamente compatível com a subsunção de uma premissa na outra. Se não há essa compatibilidade lógica, o magistrado não tem como determinar o prosseguimento do feito, porque, a rigor, se trata de uma de duas coisas: (i) ou de pedido sem a correspondente causa petendi; ou de (ii) causa de pedir sem pedido, hipóteses já mencionadas no inciso I do mesmo parágrafo.
Considerando que o novo código não cuidou da impossibilidade jurídica do pedido, a última hipótese de inépcia consiste no fato de a petição inicial apresentar pedidos que são incompatíveis entre si. Vale um registro importante a esse respeito. A incompatibilidade de pedidos de que aqui se cuida é somente a que decorre da chamada cumulação própria. Dizendo de outra forma, se se tratar de cumulação imprópria, seja alternativa, seja eventual, não haverá inépcia da inicial por incompatibilidade de pedidos. O raciocínio da doutrina é claro quanto ao tema: ocorre inépcia da inicial que contém pedidos incompatíveis entre si na cumulação simples, porque o autor formulou dois pedidos, quer obter provimento em relação aos dois pedidos, mas a simples leitura da petição permite verificar que o simples acolhimento de um deles implica a automática frustração, exclusão, do outro. Por exemplo, o autor pede a anulação de um testamento e, também, que lhe seja entregue um legado, decorrente do próprio testamento que quer ver anulado. Há evidente incompatibilidade absoluta entre esses dois pedidos. Diversamente ocorre com relação à cumulação imprópria. Nesse caso, apesar de o autor haver formulado mais de um pedido, sua pretensão é obter apenas um deles; então, a questão da incompatibilidade entre pedidos não se põe.
Os incisos IV, V, VI e VII do art. 337, tratam de litispendência, coisa julgada e perempção, conhecidos pressupostos processuais litisingresso impedientes, na escorreita definição adotada pelo professor CELSO NEVES, são defesas preliminares que encontram definição no próprio Código de Processo Civil: (i) quanto à perempção, diz o artigo 486, § 3º: Se o autor der causa, por três vezes, a sentença fundada em abandono da causa, não poderá propor nova ação contra o réu com o mesmo objeto, ficando-lhe ressalvada, entretanto, a possibilidade de alegar em defesa o seu direito. A perempção, assim, é a sanção processual que decorre do abandono da causa pelo autor, quando esse tipo de conduta omissiva tiver ensejado, por três vezes anteriores, a extinção do processo sem resolução de mérito.
Quanto à litispendência e à coisa julgada, o próprio artigo 337 traz os elementos necessários à conceituação. O § 1o desse dispositivo identifica a ocorrência de litispendência ou de coisa julgada, quando se reproduz ação anteriormente ajuizada, esclarecendo que uma ação será idêntica à outra quando possuir as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido. Na litispendência, repete-se ação que ainda está em curso. Na coisa julgada, diz o § 4º do artigo sob comentário, repete-se ação que já foi decidida por decisão transitada em julgado. Aqui, por certo, o legislador andou mal das pernas e disse mais do que deveria ter dito: enunciou conceito que compreende também a coisa julgada formal, e não só a coisa julgada material. Ora, somente a coisa julgada material (vale dizer, a coisa julgada a que se submete a sentença que resolveu o mérito) funciona como preliminar peremptória. A coisa julgada formal não obsta a que o autor promova nova ação com a mesma pretensão de direito material.
A conexão, preliminar de natureza dilatória, também tem definição legal, prevista no artigo 55 do Código: reputam-se conexas duas ou mais ações, quando lhes for comum o pedido ou a causa de pedir. Se realmente a hipótese for de conexão, porque um dos dois elementos é comum às duas demandas propostas, esse evento, em tese, pode provocar o deslocamento da competência ao juízo prevento, ou seja, aquele perante o qual foi feito o registro ou da distribuição da inicial em primeiro lugar, conforme disposto no art. 59 do CPC.
Incapacidade de parte, defeito de representação, ou falta de autorização de que trata o inciso IX são defeitos relativos a pressupostos processuais subjetivos. Aqui, estão abrangidas tanto as questões relativas à capacidade de ser parte, a de estar em juízo (artigo 70 e seguintes do CPC) como também a capacidade postulatória (advogado impedido de advogar, ou advogado excluído dos quadros da OAB).
A lei 9.307, de 23/9/96, alterada pela lei 13.129, de 26/5/15, institui a arbitragem, que pode ser eleita pelas partes previamente, como forma de solução de conflitos relativos a direitos disponíveis. A convenção de arbitragem tanto pode estar presente na forma de uma cláusula compromissória por meio da qual as partes comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que eventualmente possam vir a surgir relativamente ao contrato em que lavrada a referida cláusula; como na forma de um compromisso arbitral que é o ajuste por meio do qual as partes submetem um litígio à arbitragem de uma ou mais pessoas, podendo ser judicial ou extrajudicial.
Se houver o ajuste pela convenção de arbitragem, as partes não poderão promover uma ação a respeito daquilo que seria objeto da arbitragem (ver, entretanto, a parte final deste comentário), a não ser que questionem a própria existência ou validade da convenção ou a nulidade da sentença arbitral, na forma do artigo 32 da lei de regência.
No que concerne ao inciso XI, ausência de legitimidade ou de interesse processual, o Código manteve duas das três anteriores condições da ação a cuja ausência apelidava de carência de ação. A terceira era a possibilidade jurídica do pedido, que não foi mantida pelo novo CPC. Nesses casos, o juiz deve extinguir o processo sem resolução de mérito, a teor do disposto no artigo 485, VI, do mesmo Código. Em breves palavras, o Código tentou romper com a teoria do trinômio desenvolvida por LIEBMAN e abraçada pelo Código de 1973, mas não teve coragem suficiente para tanto. Faltou-lhe pulso para proclamar, por exemplo, que legitimidade é sempre uma questão de mérito e que não possui conteúdo processual.
Falta de caução ou de outra prestação que a lei exige como preliminar. Trata-se, aqui, de impedimentos processuais de que cogitam, por exemplo, os arts. 83 e 92 do Código de Processo Civil. No primeiro caso, se um estrangeiro sem bens no Brasil promove, por exemplo, milionária ação indenizatória contra a Petrobrás e vem a ser vencido na demanda, consectário natural disso é arcar com os ônus da sucumbência e pagar os honorários dos advogados. Para que a execução não seja infrutífera, há de ter sido respeitado o artigo 83 do CPC que impõe o dever de prestar caução suficiente ao pagamento das custas e os honorários. No segundo caso, dispõe o artigo 92: Quando, a requerimento do réu, o juiz proferir sentença sem resolver o mérito, o autor não poderá propor de novo a ação, sem pagar ou depositar em cartório as despesas e os honorários em que foi condenado.
A impugnação à gratuidade da justiça era realizada em petição autônoma, que deveria ser apensada ao processo, na forma da Lei nº 1.060, de 1950. Referida lei teve a grande maioria dos seus artigos revogada pelo CPC atual (art. 1072) e seu conteúdo material incorporado ao Código, nos arts. 98 a 102. Dentro da filosofia implantada pelo novo Código, não mais se cuida de incidente processual e sim de mera preliminar de contestação.
Quanto ao tema de arguição de preliminares, cabe o registro final de que, salvo a convenção de arbitragem (e a ausência de alegação da convenção, neste momento, implica renúncia ao juízo arbitral) e a incompetência relativa, todas as matérias enunciadas nos incisos deste artigo são de ordem pública e, de conseguinte, podem ser conhecidas de ofício pelo magistrado.
Boa inovação aparece no art. 338 do novo CPC. Deveras, o Código de 1973 regulava, nos arts. 62 e seguintes, uma figura de intervenção de terceiros denominada nomeação à autoria, por meio da qual o réu em ação reivindicatória ou indenizatória buscava sua exclusão do processo (extromissão), efetuando, para tanto, a indicação do nome daquele que julgava ser o verdadeiro legitimado passivo. Ainda que não fosse a parte passiva legítima, a lei atribuía ao réu original o dever de nomear a pessoa em nome de quem detivesse a coisa demandada ou houvesse praticado o ato.
Essa figura de intervenção de terceiros foi excluída do novo Código e, em seu lugar, foi instituído o procedimento de que cuidam os arts. 338 e 339 do Código de 2015. É bem de ver que, na nova regência, não se trata de extromissão apenas em ação reivindicatória ou indenizatória. A conduta cabe, agora, em qualquer tipo de ação em que o réu, ao mesmo tempo (i) não se considere legitimado passivo; e, (ii) tendo conhecimento da pessoa que realmente pode ostentar essa qualidade, faça a devida indicação nos autos do processo.
Presente essa situação, o magistrado deverá abrir prazo de quinze dias para que o autor, se entender que deve aceitar a indicação (e pode não o fazer), altere a petição inicial com a substituição do polo passivo. Se assim ocorrer, ao autor será imposto o pagamento das despesas do réu excluído e dos honorários de seu procurador.
Como já antecipado, o novo Código houve por bem eliminar as chamadas exceções instrumentais, dentre as quais a de incompetência relativa. Pelo novo modelo, tanto a incompetência absoluta como a relativa devem ser suscitadas como preliminar. Se for o caso (normalmente hipótese de incompetência de foro), a contestação poderá ter seu protocolo realizado no foro do domicílio do réu, sob comunicação imediata ao até então juiz da causa (que deverá decidir sobre sua própria competência para continuar ou não na direção do processo), de preferência por meio eletrônico. Cabe anotar que, no foro do domicílio do réu, pode não haver, ainda, nenhum juiz vinculado ao feito (por exemplo, nos casos de citação pelo correio). Nessa hipótese, a contestação será submetida a livre distribuição, apenas para que o juízo proceda a sua remessa ao juízo em que iniciado o processo.
Se a citação ocorrer por meio de carta precatória, já terá havido distribuição ao juízo deprecado. Nessa hipótese, será conveniente que o magistrado determine que se aguarde o prazo para contestar. Uma vez juntada a contestação, com a alegação de incompetência, determinará sua remessa ao juízo deprecante. Se reconhecida a incompetência do juízo, os autos deverão retornar ao foro em oferecida originariamente a contestação, hipótese em que prevento será o juízo deprecado ou aquele ao qual a contestação foi distribuída.
Delicada é a hipótese de que cuida o § 3º. Nela, supõe-se que, ao momento da alegação da preliminar de incompetência, exista uma audiência de conciliação ou mediação designada e não realizada. Ora, já se viu que o prazo para contestar (e, evidentemente, oferecer em preliminar, a alegação de incompetência) flui após a realização da audiência antes referida ou do reconhecimento de sua inviabilidade. Assim, em tese, ao momento da contestação, não poderia ocorrer a hipótese descrita no parágrafo em referência. Como não se deve admitir a hipótese de um fragmento legal reger de um conjunto vazio, o que se pode admitir é que alguém, citado na forma do art. 334 para comparecer a uma audiência de conciliação ou mediação por ato de juiz que repute incompetente, antecipe em muito a oferta da contestação, que será apresentada antes do dies a quo para contestar, com amparo no § 4º do art. 218, que considera tempestivo o ato processual praticado antes do termo inicial do prazo. É uma solução que procura dar utilidade ao texto e ao parágrafo seguinte que, após a definição do juízo competente, defere a este a designação de nova data para a realização da audiência de conciliação ou mediação.
Não se deve perder de vista, entretanto, que a solução preconizada frustra os objetivos do Código, com relação ao procedimento comum, que é justamente trazer a audiência em destaque para momento anterior à oferta da contestação e à cristalização dos rancores entre partes.
Na defesa substancial ou de mérito, o réu deve lançar mão tanto das defesas diretas quanto das indiretas, isto é, tanto poderá negar a ocorrência do fato, quanto poderá requalificá-lo. Poderá admitir o fato com a exata qualificação atribuída pelo autor, mas apresentar outros, que tenham aptidão para obstar a consequência jurídica pretendida na inicial, por terem natureza impeditiva, modificativa ou extintiva do direito do autor.
Bem é de ver que o ato de contestar implica a necessidade, imposta pelo ordenamento processual, de que o réu se manifeste especificamente sobre os fatos agitados na petição inicial. Se assim não o fizer, poderá ocorrer a presunção de veracidade da versão apresentada pelo autor na petição inicial.
Assim somente não ocorrerá se não for admissível a seu respeito a confissão, como, por exemplo, nas hipóteses previstas no art. 392 do CPC que preconiza não valer como confissão a admissão, em juízo, de fatos relativos a direitos indisponíveis. Ora, se não vale a confissão feita de modo expressão, perante o juiz do feito, com muito mais razão não caberá a presunção de veracidade dos fatos não impugnados.
Também não cabe falar em presunção de veracidade se a petição inicial não estiver acompanhada do instrumento público que a lei considerar da substância do ato. Conceda-se que essa é uma previsão de difícil ocorrência no mundo dos fatos haja vista que, antes de o juiz determinar a citação do réu para contestar, haverá de verificar a falta dos documentos indispensáveis à propositura da ação e, nessa circunstância, ao invés de determinar a citação, deverá, na forma do art.320 do CPC, abrir prazo para que o autor faça a juntada desse documento.
Da mesma forma, não haverá presunção de veracidade se, apesar da ausência específica de manifestação as alegações do autor estiverem em contradição com a defesa, considerada em seu conjunto.
Cumpre ao réu impugnar de forma específica os fatos alegados pelo autor, sendo inviável a apresentação de contestação por negação geral, salvo se a defesa estiver sendo exercida por advogado dativo (advogado atribuído ao réu e não contratado por ele) por curador especial (em caso de incapaz que não tenha representante legal, ou cujos interesses conflitem com os daquele; ou réu preso ou revel citado por edital ou com hora certa) ou pelo Ministério Público. Nessas circunstâncias, muitas vezes, o responsável pela defesa não têm nenhum contato com o réu, e não pode, por isso mesmo, ter conhecimento dos fatos, isto é, da versão dos fatos sob a ótica do defendente.
O réu, ao oferecer contestação, deve balizar-se pela já aludida eventualidade e apresentar todas as defesas que tiver, no mesmo evento. Essa necessidade se torna mais evidente quando se sabe que a regra é no sentido de que, se o réu não apresentou suas alegações sobre a matéria de fato nesse momento, não poderá mais fazê-lo, salvo se presente alguma das hipóteses deste artigo ou do art. 493, conforme será mais bem explicitado na parte final deste comentário. Assim, somente deduzirá novas alegações se (i) forem pertinentes a direito ou a fato superveniente, (ii) delas puder conhecer o juiz de ofício; (iii) por expressa disposição legal puderem ser formuladas em qualquer tempo e grau de jurisdição, como, por exemplo, a matéria prescricional de que trata o artigo 193 do Código Civil brasileiro; ou (iv) a parte demonstrar que não pôde realizar essas alegações por motivo de força maior, caso em que poderá fazê-lo até em grau de apelação, conforme dispõe o artigo 1.014 do Código de Processo Civil.
No que concerne à hipótese encartada no inciso I, é conveniente lembrar que, relativamente ao Código de 1973, houve uma espécie de elastecimento. Falava-se, antes, apenas em direito superveniente. Agora, cuida-se, também, de fato superveniente. Isso, entretanto, não altera substancialmente a equação processual, sobretudo em face das limitações impostas pela chamada estabilização objetiva do processo, de que trata o art. 329, I e II do CPC. Essa estabilização impede que um fato novo (tanto no sentido de sua ocorrência quanto no sentido de seu conhecimento pelas partes, que dele antes não puderam valer-se, como já preconizava o art. 517 do CPC de 1973) tenha aptidão para configurar alteração da causa petendi.
Assim, a referência que fizemos ao art. 493 há de ser entendida, no que concerne à causa de pedir, tendo em conta a sua imutabilidade após a estabilização objetiva do processo. O fato novo há de ser conexo com os fatos que compõem a lide, mas não podem ir ao ponto de alterá-la.