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ADO 73, proteção ao trabalhador frente à automação e previdência social - Interações

segunda-feira, 19 de agosto de 2024

Atualizado em 16 de agosto de 2024 13:21

Recentemente, iniciou-se, no STF, o debate sobre a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão 73, proposta pelo procurador-geral da união. A questão é relativa ao art. 7º, XXVII da CF/88, o qual expressa, como direito fundamental dos trabalhadores, a "proteção em face da automação, na forma da lei". Diante de aparente inércia legislativa na matéria, ajuizou-se a ADO.

De fato, inexiste normativa legal minimamente capaz de disciplinar o desejo constitucional do amparo ao trabalhador no contexto apontado. No entanto, qual seria a medida legislativa desejável? É certo que o debate na Assembleia Nacional Constituinte foi variado, desde a perspectiva de perda de postos de trabalho até a visão de potenciais vantagens no tema. 

Interessante notar que, em uma das redações propostas do art. 7º da CF, foi adotada a previsão do direito de trabalhadores à "participação nas vantagens advindas da modernização tecnológica e da automação". Ou seja, mesmo naquele momento histórico, não havia a premissa da automação como algo necessariamente ruim. 

A divergência de outrora parece ter se perpetuado, a ponto de o legislador ordinário nunca disciplinar o tema. Afinal, o que pode ser feito? De início, nos parece necessária a premissa na qual a automação e, mais recentemente, a inteligência artificial, são medidas impostas pela realidade contemporânea e, em igual medida, não necessariamente ruins aos trabalhadores.

Seria no mínimo risível exigir do Poder Público e empregadores privados a preservação de postos de trabalho em franco desuso pela singela finalidade da manutenção do emprego. Ao invés de resgatarmos os acendedores de lamparinas movidas a óleo de baleia, temos de vislumbrar como superar a situação, com coerência, pragmatismo e no interesse da sociedade.

Um aspecto é evidente: A automação é potencialmente favorável e benéfica ao dispensar a atividade humana em atividades perigosas, insalubres, penosas e repetitivas. Tais realidades laborais matam, mutilam e invalidam milhares de trabalhadores brasileiros todos os anos. A indignidade de determinadas atividades é superada pelo uso de máquinas. Em suma, a automação salva vidas.

Mas o que fazer com os postos de emprego extintos? Afinal, o trabalho é o caminho para a vida digna. Mas não qualquer trabalho. Postos insalubres devem ser extintos, e nada justifica a manutenção humana em atividades melhor desempenhadas por máquinas. A solução não é afastar a automação e a inteligência artificial, mas, em postura conciliadora, adaptar a mão-de-obra às novas realidades. 

A solução legislativa desejável - ou, agora, judicial - seria a imposição de desenvolvimento profissional e aprimoramento da mão-de-obra nacional, deixando as atividades insalubres para as máquinas. O Brasil parece ter se transformado em um país de bacharéis, mas nada fez quanto às profissões de nível médio, as quais são carentes em várias partes do país.

Enquanto notamos advogados, engenheiros e administradores em atividades acessórias e sem a necessária especialização angariada por anos de estudo, verificamos uma absoluta falta de especialistas em atividades rotineiras em âmbito familiar e empresarial, como eletricistas, mecânicos, soldadores, encanadores etc. 

Esta deve ser a proteção ao trabalhador frente a automação: o aperfeiçoamento profissional. Daí decorre a imposição ao Poder Público: Direcionar o investimento público à formação de profissionais; criar mão-de-obra especializada, a qual trabalhará em conjunto com as máquinas, e não contra elas. A medida não representa abandonar o ensino superior gratuito atualmente existente, mas sopesar os interesses da sociedade. Menos bacharéis, mais técnicos. 

Afora aspectos ideológicos envolvidos no debate, há outro elemento relevante na discussão: a previdência social. A reforma previdenciária de 2019 foi importante ao estabelecer idades mínimas de aposentadoria, algo desejado desde a reforma de 1998. O fim da aposentadoria exclusivamente por tempo de contribuição foi medida correta e necessária, como amplamente debatido. 

No entanto, há um aspecto pouco conhecido. A aposentadoria por tempo de contribuição também serviu, ao longo de todos esses anos, como forma de mitigar afastamentos por incapacidade, especialmente em atividades profissionais penosas nas quais os trabalhadores, após anos de dedicação, padeciam de sequelas variadas, especialmente no contexto das doenças profissionais.

Tais pessoas se esforçavam além de suas capacidades, mas alcançavam suas aposentadorias, às custas de muito esforço e sequelas para a vida toda. Hoje, provavelmente não conseguirão, recorrendo às prestações por incapacidade do Regime Geral de Previdência Social. Além de não produzir a economia desejada, a normativa previdenciária vigente, aliada às condições inadequadas de trabalho, só produzirá uma geração de aposentados por incapacidade permanente. 

A ADO 73 possui a oportunidade de iniciar a mudança: Reconhecer a evolução tecnológica como algo inexoravelmente vinculado ao mercado de trabalho atual e, também, favorável aos trabalhadores, na medida em que elimina a atividade humana de funções penosas e insalubres. Da mesma forma, permite direcionar o correto investimento em aperfeiçoamento de mão-de-obra e, por fim, a manutenção das pessoas no mercado de trabalho até idades previstas pelo sistema previdenciário para aposentadorias voluntárias.

Quaisquer medidas diversas ou a continuada omissão produzirão piora do quadro laboral, desemprego elevado, sobrecarga dos sistemas de saúde e previdenciário e, eventualmente, o colapso da proteção social brasileira. É chegada a hora de agir.