A reforma do Contencioso Tributário
segunda-feira, 16 de maio de 2022
Atualizado às 11:19
Tem sido amplamente noticiada a criação de comissão de juristas para a modernização do processo administrativo, incluindo o tributário federal, envolvendo temas controversos dos mais variados, como o voto de qualidade e limitações de multas fiscais, entre outros temas. A medida é bem-vinda, pois é inegável que melhorias podem e devem tomar lugar. A dúvida reside na estratégia a ser adotada.
De saída, deve-se ter em mente que a complexidade do contencioso tributário é, em grande parte, derivada da complexidade do próprio sistema tributário nacional. Em um modelo fiscal no qual conseguimos complicar até tributos originalmente simples, não é difícil entender como o contencioso tributário chegou ao ponto atual. Por exemplo, basta analisarmos a contribuição para o financiamento da seguridade social sobre o faturamento (COFINS), tributo que assumiu feição complexa mediante regras de incidência não-cumulativa conjugadas com sistemáticas de substituição tributária e incidências monofásicas. Não há como imaginar que o contencioso daí derivado venha a ser minimamente racional e objetivo.
Em paralelo, em um modelo tributário esquizofrênico como o nosso - parodiando o eterno Alfredo Augusto Becker - é natural que autoridades fiscais, na atuação ordinária de suas funções ou como representantes do fisco federal em instâncias administrativas julgadoras, como o CARF, tenham posição conservadora, adotando premissas de incidência a priori em quaisquer hipóteses que possam, minimamente, configurar alguma tentativa de evasão fiscal. Isso tudo sem entrar no complexo debate sobre os limites do planejamento fiscal...
Ou seja, vivemos um momento no qual há o pior dos mundos: complexidade normativa inédita no sistema tributário vigente e, ainda, tibieza das autoridades fiscais em admitir as lacunas inexoravelmente existentes, as quais, por inevitável, acabam por ser exploradas pelos contribuintes com melhor assessoramento fiscal. Como a revisão do processo administrativo fiscal pode apresentar alguma melhora?
Talvez a situação aparentemente insolúvel seja, em verdade, uma oportunidade extraordinária. Na ausência de autoridades legislativas, administrativas ou mesmo judiciais que estabeleçam parâmetros seguros de condução dos negócios jurídicos no Brasil, o processo administrativo fiscal federal, por meio de suas instâncias decisórias - em especial, o CARF - poderá apontar quais condutas são adequadas, como um farol de segurança jurídica para contribuintes e norte de atuação para os demais Poderes.
Para tanto, um aspecto central deve ser a autonomia desta instância julgadora. A admoestação a julgadores que escapam às premissas do fisco federal são inadmissíveis e devem ser superadas. A autonomia dos profissionais, especialmente quando oriundos da Receita Federal do Brasil, deve ser respeitada. A incompatibilidade dos julgadores classistas com a advocacia, fixada sob a emoção da Operação Zelotes, pode ser temperada, de forma a admitir profissionais experientes na seara tributária. Tudo em prol da melhoria de qualidade e respeitabilidade do contencioso administrativo tributário federal.
Em conclusão, o contencioso administrativo fiscal deve escapar das amarras a que é hoje submetido, com pressões variadas sobre julgadores; prazos precários para análise de processos complexos; incompatibilidades que afugentam profissionais experientes e, por fim, o retorno a legalidade, nos seus devidos termos, sem as abstrações românticas e imaginativas sobre como o sistema tributário deveria ser, ao invés de analisá-lo como ele é. Talvez, com isso, tenhamos alguma chance de sucesso.