Contribuição previdenciária patronal versus imposto sobre a renda das pessoas físicas - Uma confusão desnecessária
segunda-feira, 6 de setembro de 2021
Atualizado às 08:26
Não é de hoje que encontramos decisões, especialmente nas instâncias administrativas, aplicando uma "analogia" entre as bases-de-cálculo do imposto de renda das pessoas físicas - IRPF e da cota patronal previdenciária. Ou seja, caso haja acréscimo patrimonial dos segurados do Regime Geral de Previdência Social em virtude de aportes pecuniários de empresas, estaria ali caracterizado não somente a renda tributável pelo IRPF, mas, também o salário-de-contribuição, haja vista o pagamento somente ter ocorrido, a priori, pela existência de contrato de trabalho.
Além da evidente falha de aplicar critérios de integração do direito quando não há lacuna a ser preenchida, a premissa interpretativa reside em erro elementar na identificação das hipóteses de incidência de cada uma das imposições fiscais. Enquanto o imposto sobre a renda, dentro dos critérios da generalidade e universalidade, alcança, indistintamente, rendimentos do trabalho ou capital, além de proventos de qualquer natureza, as contribuições previdenciárias limitam-se aos rendimentos do trabalho.
A Constituição de 1988, no art. 195, I, "a", mesmo com todas as reformas previdenciárias até hoje, continua a delimitar o referido universo de incidência da cota patronal previdenciária. Sendo o aspecto material da hipótese de incidência o labor remunerado, nada mais natural e necessário que a tradução numérica (base-de-cálculo) seja limitada a rendimentos do trabalho, exclusivamente. Hipoteticamente, a Constituição poderia, especialmente em modelo universal de proteção social - que não corresponde ao arquétipo bismarckiano que ainda prepondera no Brasil - prever a incidência previdenciária como mero adicional de imposto sobre a renda. Mas não é esta a nossa realidade protetiva e normativa.
A referida premissa, apesar de óbvia, é frequentemente ignorada. Não é incomum construções exóticas como aquelas que pressupõem, sem qualquer suporte doutrinário, jurisprudencial ou mesmo normativo, que quaisquer valores pagos a empregados, desde que não providos de clara natureza indenizatória (incluindo ressarcimentos), seriam qualificados como salário-de-contribuição, salvo ressalva expressa da lei.
Ou seja, temos na prática fiscal uma tributação por analogia derivada de uma ficção na qual todos os rendimentos pagos a segurados, salvo dispensa expressa em lei, são rendimentos do trabalho. Os resultados negativos são variados, como, por exemplo, a insistência da contribuição previdenciária sobre participações de lucros e resultados a administradores não-empregados, mesmo quando a própria Fazenda Nacional admite a inaplicabilidade da Lei nº 10.101/00 ao caso.
Não se ignora que, com alguma regularidade, rendimentos tipicamente derivados do trabalho são camuflados como retribuições do capital, de forma a usar a distinção ontológica entre as espécies de ganho pecuniário como forma de fraude fiscal. Todavia, não sendo o caso, a equiparação explícita das dinâmicas impositivas do IRPF e da cota patronal previdenciária reflete equívoco desprovido de suporte normativo mínimo.