Por uma nova perspectiva da invalidez previdenciária
segunda-feira, 26 de abril de 2021
Atualizado às 09:07
Diante da abrangente reforma previdenciária de 2019, com foco explícito na redução do gasto previdenciário, observamos a (correta) extinção da aposentadoria por tempo de contribuição para novos segurados e, ainda, a adoção da idade como parâmetro regular de aposentadoria voluntária.
No entanto, em virtude da quase absoluta ausência de preocupação com a gestão do meio ambiente do trabalho, em cenário já dramático, é intuitivo que haverá forte incremento dos benefícios por incapacidade no futuro, com especial atenção à aposentadoria por invalidez, nos termos do art. 42 da lei 8.213/91.
Já tive oportunidade de questionar a miopia da reforma previdenciária de 2019 neste aspecto, mas, no momento, outro ponto demanda atenção: como reinterpretar o evento determinante da aposentadoria por invalidez dentro do quadro normativo vigente? Seria a adoção das premissas interpretativas clássicas ainda o roteiro adequado?
Como se sabe, a interpretação administrativa do benefício previdenciário por invalidez implica a admissão da incapacidade não somente permanente (sem desconsiderar a natureza reversível da prestação), mas, também, a natureza total, ou seja, para a atividade remunerada habitual do segurado e quaisquer outras. Afinal, estando a pessoa incapaz, de forma total e permanente, o engajamento em novas atividades teria o condão de desfazer o evento determinante do benefício.
Maiores reflexões, no entanto, nos apontam caminhos alternativos. Seria razoável impor à pessoa aposentada por invalidez a proibição absoluta de quaisquer atividades remuneradas, mesmo que em jornadas reduzidas? Seria essa medida compatível com premissa elementar da Ordem Social na Constituição de 1988, que é o primado do trabalho (art. 193)? Entendo que não.
A dicotomia capaz versus incapaz reflete uma percepção da cobertura previdenciária incompatível não somente com o ideal da dignidade humana, mas, também, com a ambivalência da sociedade contemporânea. As dualidades e certezas das categorias jurídicas de outrora não mais se justificam na realidade em que vivemos. Uma releitura se faz necessária.
Interessante notar que essa medida foi tomada pelo legislador ordinário, por meio da lei 13.146/15, na qual, ao descrever o rol de dependentes do RGPS, evoluiu para além do conceito restrito de "inválido" para incluir a pessoa "que tenha deficiência intelectual ou mental ou deficiência grave". Com isso, superou-se não somente preconceitos terminológicos e conceituais, mas, indo além, houve nova visão sobre a invalidez previdenciária.
Entendo que, em uma perspectiva sistêmica do modelo protetivo, não é adequado e mesmo razoável, no âmbito dos beneficiários do RGPS, adotarmos modelo alargado de incapacidade para dependentes e, na cobertura da clientela preferencial do modelo protetivo (segurados), ainda preservarmos perspectiva retrógrada e limitativa da aposentadoria por invalidez.
Conjugando o primado constitucional do trabalho como o roteiro à vida digna, em sintonia com as alterações legislativas apresentadas, é tempo de evoluir a um novo conceito de invalidez previdenciária, o qual seja capaz, simultaneamente, de atender segurados absolutamente incapazes de garantir meios mínimos de existência e, também, não impedir que atividades periféricas sejam desenvolvidas, no intuito de preservar bem-estar físico e mental ao aposentado.
A admissão de capacidades residuais de atividade remunerada não confronta com o correto conceito de invalidez previdenciária, pois esta decorre da ausência de higidez física e/ou mental suficiente, ou seja, que viabilize a atividade remunerada continuada e na frequência usualmente desejada pelo mercado de trabalho. Segurados que detenham limitações severas devem ser qualificados como beneficiários da aposentadoria por invalidez, ainda que, perifericamente, sejam capazes de atividades pontuais. A interpretação extensiva da lei 13.146/15 se faz necessária.