A judicialização em matéria previdenciária - O necessário fortalecimento do CRPS
terça-feira, 3 de novembro de 2020
Atualizado às 08:47
Em recentíssima pesquisa publicada pelo CNJ, em parceria com o Instituto de Ensino e Pesquisa (INSPER), há abrangente análise da realidade nacional das demandas previdenciárias junto ao Poder Judiciário, as quais têm se ampliado consideravelmente (aumento de 140% nos últimos 4 anos). Em resumo, o competente trabalho sumariza as seguintes razões principais para a judicialização previdenciária:
"(i) a intensidade e o perfil da judicialização da previdência estão relacionados às condições socioeconômicas locais, como nível de renda e desenvolvimento do mercado formal de trabalho; (ii) parte da judicialização da previdência decorre de problemas de coordenação entre o INSS e Judiciário, sobretudo para incorporação de novos entendimentos jurisprudenciais pelo INSS, o que é claro tanto nos resultados quantitativos quanto qualitativos referentes à concessão do BPC; (iii) há descompasso entre as perícias do INSS e do Judiciário, o que reflete uma judicialização mais intensa e desfavorável ao INSS em casos que envolvem perícia administrativa; (iv) nos últimos dez anos houve redução do quadro de pessoal técnico e de procuradores do INSS, o que está associado ao aumento do tempo médio de análise de benefícios e à judicialização pela demora da autarquia em responder às solicitações dos segurados".
Especialmente para os profissionais que atuam na advocacia previdenciária, já havia, intuitivamente, as mesmas impressões, em particular pela recusa da adoção administrativa dos entendimentos jurisprudenciais assim como, também, a demora nas decisões administrativas quanto a concessões iniciais de benefícios e eventuais recursos. O ano de 2020 tem sido particularmente dramático quanto ao último ponto.
Muitas estratégias podem e devem ser adotadas, de forma a evitar o adiamento indevido do reconhecimento de direitos previdenciários. A demora, além de incluir segurados e dependentes em situação de vulnerabilidade social, acaba por tornar o trâmite decisório extremamente oneroso a toda a sociedade, que deve arcar com o aumento de demandas na esfera judicial.
Uma medida fundamental é o reforço da instância administrativa de apreciação das impugnações às decisões do INSS. Desde o início do Séc. XX o Conselho de Recursos da Previdência Social - CRPS tem atuado com diligência e esforço em busca de soluções céleres e efetivas às demandas da clientela previdenciária. Todavia, ainda carece de investimento e fortalecimento como principal filtro de resolução de conflitos no âmbito do Regime Geral de Previdência Social.
Apesar de o relatório do CNJ apontar o subaproveitamento das vias administrativas, nesse ponto, talvez tenha faltado a devida ênfase em sua importância e, ainda, o cenário histórico no qual houve a opção - deliberada ou não - de robustecer a Justiça Federal, sem o mesmo zelo com as instâncias administrativas. Importante notar que a jurisdição administrativa no contexto do direito previdenciário e laboral tiveram nascimento conjugado, sendo a última alçada a segmento do Poder Judiciário Federal. A parcela previdenciária não. A matéria previdenciária não recebeu um ramo do Judiciário Federal específico e, também, não foi devidamente aprimorada na estrutura administrativa.
Com a Constituição de 1988, a Justiça Federal foi reavivada, incluindo a criação de Tribunais e a ampliação de varas federais pelo interior, com a competência para o deslinde também de temas previdenciários. Não obstante a compreensível e mesmo necessária conduta do Poder Constituinte, é intuitivo que a medida, ainda que de forma imprevisível, tenha propiciado evidente estímulo a segurados e dependentes de ingresso em juízo, deixando em segundo plano a instância administrativa.
Parte da solução para a judicialização excessiva, portanto, perpassa o fortalecimento do CRPS, o qual possui condições de alcançar metas não somente de eficácia, atendendo e decidindo pleitos previdenciários em tempo hábil, mas, ainda, de procedimento eficiente, tendo em vista o custo menor de manutenção de uma entidade administrativa de decisão colegiada, formada por especialistas do serviço público e setor privado.
Em um contexto de pandemia e restrição orçamentária, cabe ao Poder Público desenvolver a capacidade de fazer mais com menos. Uma medida óbvia é o fortalecimento do CRPS, desafogando a Justiça Federal e produzindo ganhos a todos os brasileiros.