Relações concomitantes e direito a pensão previdenciária.
segunda-feira, 7 de outubro de 2019
Atualizado às 09:24
O título do presente artigo reproduz a apresentação do Tema 529 no recente informativo do STF. O julgamento é relativo ao RE 1.045.273, de relatoria do ministro Alexandre de Moraes. O debate concreto não é propriamente sobre a possibilidade de concessão da pensão por morte no concubinato, mas, em contexto mais particular, trata do rateio do benefício previdenciário entre companheiros oriundos de relações hetero e homoafetiva. O texto do Tema 529 é "Possibilidade de reconhecimento jurídico de união estável e de relação homoafetiva concomitantes, com o consequente rateio de pensão por morte".
A questão jurídica não é propriamente nova. Historicamente, a divisão da pensão por morte sempre fora realizada administrativamente, sem maiores questionamentos. Todavia, desde o RE 397.762/BA, o tema sofreu reviravolta, na qual o STF, adotando premissas tipicamente civilistas, ignorou a finalidade protetiva do Direito Previdenciário e afastou o direito ao benefício na hipótese de concubinato, sob justificativa de ausência de amparo expresso na lei ou na Constituição.
Ironicamente, quase que simultaneamente, avançava no mesmo Tribunal o direito ao pensionamento nas relações homoafetivas, não obstante a mesma lacuna normativa. Neste caso, foram superadas convicções morais da sociedade sobre as relações amorosas em prol da preservação da cobertura previdenciária. Naquele, não. Como o destino não perdoa certas contradições, há agora, o xeque-mate da realidade social: mas é quando o "concubinato" é, na verdade, uma relação homoafetiva? Essa é a questão que se coloca no Tema 529.
Como tenho defendido nos últimos 20 anos, para fins estritamente previdenciários, pouco importa se a união estável visa ao casamento e o concubinato não. Os dependentes previdenciários são aferidos dentro de parâmetros sociais e econômicos, independente das convicções éticas da sociedade. A proteção social não se conforma a uma concepção ideal de vida e família; não visa a impor projetos de vida ou condutas dentro da moral dominante.
Da mesma forma, não se trata de chancelar uniões heterodoxas ou contrárias aos valores da sociedade, mas sim de assegurar os meios mínimos de vida aos segurados e seus dependentes econômicos. Não é, também, benesse estatal ou caridade alheia, mas forma de seguro social atuarialmente financiado para atender a tais situações, como o concubinato - hetero ou homoafetivo - que não podem ficar ao largo do sistema por contrariar padrões éticos de como a vida deve ser vivida.
Admitir, em tais casos, a prevalência de um conceito restritivo de união estável, ainda que previsto na Constituição, em detrimento do direito à vida e à previdência social (igualmente previstos na Constituição), é chegar a um resultado inadequado de ponderação, afastando aspectos fundamentais do bem-estar social em favor de um perfeccionismo ético que, no contexto previdenciário, não se sustenta.