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A armadilha da Reforma

segunda-feira, 22 de abril de 2019

Atualizado em 18 de abril de 2019 15:19

Em ambientes variados, no Brasil e exterior, noto que empresários e investidores veem a reforma da previdência brasileira como elemento fundamental para qualquer projeto de retomada da economia nacional. Sem a reforma, o Estado não recuperará sua capacidade de gestão e aprimoramento dos serviços públicos, com o colapso gradual de seus encargos básicos, como saúde, educação e segurança pública.

O primeiro sentimento é indagar: mas qual a conexão da previdência social com todos esses temas? Afinal, aprendemos que previdência social é um sistema de proteção voltado a trabalhadores e dependentes frente aos infortúnios da vida e demais necessidades sociais. Não seria um exagero colocar na "conta" previdenciária todos os males da sociedade brasileira?

Mas o cenário é um pouco mais complexo. Indicadores econômicos são robustos no sentido de que gastamos demais para uma população majoritária de jovens e adultos. A demografia também não ajuda ao apontar o rápido envelhecimento da população. Tudo isso assinala a inviabilidade futura do sistema previdenciário nacional. Como o modelo econômico capitalista trabalha com expectativas - que são péssimas - o reflexo na queda da atividade econômica é imediato.

Sem qualquer disfarce, as reformas propostas pelo Governo Temer e Bolsonaro não deixam dúvidas sobre o foco: a recuperação da economia, via aprovação da proposta previdenciária e consequente reativação das percepções positivas dos agentes econômicos. Temos de admitir, em alguma medida, que isso é parte do jogo. O modelo capitalista carece de estímulos, e não podemos ignorar a realidade.

O mercado, figura intangível e mítica, é formado por expectativas e impressões, geralmente construídas com base em uma racionalidade superficial, a partir de consensos preguiçosamente compartilhados. O atual ministro da Economia conhece bem essa realidade, e por isso, em sua proposta de reforma, busca atender às expectativas, até como estratégia de curto prazo para a recuperação da economia. Pragmaticamente, aprova-se a reforma, recupera-se a confiança do mercado, incrementa-se a atividade econômica e, assim, o Brasil se levanta. Dando errado o projeto da "Nova Previdência", é "só" fazer outro no futuro. A situação nos lembra os velhos manuais de guerra em que uma estratégia ruim é ainda melhor que estratégia nenhuma. Com a retomada da economia, tudo melhora, até a seguridade social, pois as receitas sobem proporcionalmente, a atividade formal cresce, a demanda por assistência social cai.

No entanto, como construída, a reforma proposta pode ser uma armadilha. Focada desproporcionalmente nas expectativas do mercado, descura do aspecto protetivo e, por consequência, sofre o elevado risco de não ser aprovada, agravando ainda mais as percepções ruins do mercado sobre nossa capacidade de adequar o sistema. Algum senso crítico se faz necessário, pois, como reconhece a própria economia, há uma distância razoável entre o ideal e o possível. O modelo proposto, de tão duro, dificilmente será aprovado no conteúdo original, nos gerando o pior dos mundos: uma reforma que não resolve as falhas de nosso modelo protetivo e, pior, incapaz de superar a desconfiança de empresários e investidores, agravando, por consequência, as contas públicas e eliminando a já escassa capacidade estatal de investimentos e manutenção de seus encargos. O resultado será mais do mesmo: piora dos indicadores sociais, incremento da violência, recrudescimento das milícias, etc.

Talvez nos ajude uma boa dose de humildade, capaz de permitir ao governo Federal dialogar com a oposição e buscar, em uma aproximação comprometida com um consenso razoável, uma reforma adequada a ambos os objetivos. Na verdade, a recuperação econômica, mediante a reativação das expectativas positivas do mercado, deve ser a consequência de uma proposta bem construída, e não sua causa. Temperança e modéstia nunca fizeram tanta falta ao Brasil como agora.