Aspectos (ainda) controvertidos da Contribuição Previdenciária sobre a Produção Rural - O segurado especial
segunda-feira, 27 de agosto de 2018
Atualizado em 24 de agosto de 2018 10:52
Já tive oportunidade de discorrer sobre a temática da contribuição previdenciária de produtores rurais, inadvertidamente chamada de "FUNRURAL". Naquela época, apontei o que me pareceu estratagema legislativo de superação da decisão do STF quanto à constitucionalidade da tributação.
Todavia, a discussão não se limita a tal aspecto, o qual foi amplamente divulgado por envolver setor econômico de elevada presença no mercado nacional. O financiamento previdenciário da área rural é potencialmente confuso, demandando alguma atenção do intérprete e aplicador do Direito. Dito isso, importa notar que, quando discutimos a contribuição previdenciária do produtor rural sobre a receita bruta, há uma divisão importante a ser feita.
Em uma das imposições legais sobre a receita rural, discutida no STF e apontada no texto supracitado, houve a apreciação da cota patronal previdenciária, a qual, para empregadores da área rural, é, em regra, sobre a receita da produção. Como visto, houve decisão inicial da Corte pela inconstitucionalidade da tributação, por falta de amparo na CF/88 (tema 202) para, posteriormente, admitir sua validade mediante nova legislação posterior à EC 20/98 (tema 669).
No entanto, há outra imposição importante sobre a receita da produção rural. Sem prejuízo da incidência patronal, há, ainda, a tributação do pequeno produtor rural, na condição de segurado obrigatório do Regime Geral de Previdência Social, o qual, também, possui a tributação sobre a receita oriunda da comercialização da produção rural. Esse produtor é conceituado pela legislação como "segurado especial".
É fundamental a compreensão de que a contribuição sobre a produção rural possui duas dimensões. A primeira delas, como forma alternativa de tributação da cota patronal previdenciária, fundada, na Constituição, no art. 195, I, "a", e aqui substituída pela sazonalidade da atividade rural. Ao invés da folha de pagamento, tributa-se a receita da produção. A segunda é a tributação do pequeno produtor rural, como trabalhador e, portanto, segurado obrigatório do sistema protetivo, cuja submissão aos encargos previdenciários é fixada no art. 195, II da CF/88.
O art. 195, II da CF/88 não estabelece expressamente a base imponível dos segurados - ao contrário dos empregadores - deixando, portanto, maior margem de atuação ao Poder Legislativo. No caso particular do pequeno produtor rural, há regra particular da Constituição, a qual, desde sua redação original, no art. 195, § 8º, disciplina regramento específico de cobertura previdenciária para tais pessoas, mediante contribuição exclusiva sobre a produção rural.
A coincidência de regras de incidência tem provocado confusões na interpretação e aplicação do plano de custeio da previdência social, não raramente induzindo os aplicadores da lei ao clássico erro de confundir a contribuição previdenciária patronal (art. 195, I, "a", CF/88) com a contribuição previdenciária de trabalhadores (art. 195, II, CF/88). Ainda que dotadas de hipóteses de incidência parecidas, são imposições tributárias de natureza diversa, haja vista a diferença na sujeição passiva.
Superada a confusão das contribuições - o legislador também não ajuda ao colocar ambas as incidências no mesmo artigo 25 da lei 8.212/91 - temos de observar que toda a divergência que norteou a discussão do "FUNRURAL" para empregadores agrícolas não deve tomar lugar na contribuição do segurado especial, pois, para este, a Constituição sempre admitiu a incidência particular sobre a receita oriunda da comercialização da produção rural.
O debate tem repercussão geral reconhecida pelo STF no tema 723 ("Validade da contribuição a ser recolhida pelo produtor rural pessoa física que desempenha suas atividades em regime de economia familiar, sem empregados permanentes, sobre a receita bruta proveniente da comercialização de sua produção"). Em minha opinião, não há - nem nunca houve - obstáculo para a tributação particular.
Aqui, outro ponto importante a ser considerado é o potencial efeito adverso da decisão da Corte sobre a proteção social dessas pessoas. Uma eventual declaração de inconstitucionalidade irá, por consequência, dificultar sobremaneira a contagem de tempo de contribuição dessas pessoas, retardando ou mesmo inviabilizando a obtenção de benefícios.
Esse efeito indesejado não é novo em decisões do STF, como ocorreu, por exemplo, para os exercentes de mandato eletivo, os quais, nos períodos de 1998 a 2004, ficaram em uma espécie de "limbo previdenciário", tendo em vista a decisão proferida no RE 351.717/PR. As manifestações do STF em temas relacionados ao custeio previdenciário, mais do que preocupar-se com os bilhões envolvidos, deve atentar para os efeitos potencialmente desastrosos na cobertura protetiva.