Reforma da Previdência e a economia
segunda-feira, 11 de dezembro de 2017
Atualizado às 08:02
Como temos visto nos últimos meses, o tema da reforma previdenciária domina os noticiários, eventualmente entremeado por notícias de operações policiais, corrupção e decisões do STF. Nessa semana, a previdência tem tido especial destaque, com foco no tradicional déficit da previdência e, mais recentemente, nas expectativas do mercado quanto ao aprimoramento de nosso aparato protetivo.
Quanto à existência ou não do déficit da previdência social, já escrevi aqui e alhures sobre isso. Continuo a defender a mesma percepção: nosso modelo, a depender das premissas contábeis que sejam adotadas, até pode, hoje, ser considerado superavitário, mas, seguramente, alguma adequação é necessária do ponto de vista atuarial, tendo em vista o descompasso entre os planos de custeio e benefício, em particular no contexto nacional de rápido envelhecimento e elevada retração da natalidade.
Já no segundo ponto, que é relativo à percepção do mercado quanto à necessidade da reforma e seus objetivos, noto, com alguma perplexidade, como tal sentimento é adotado, não raramente, como central no debate previdenciário da atualidade. As cifras envolvidas, sempre na casa dos bilhões, são adotadas como fundamentos determinantes para as estratégias adequadas de mudança.
Nessa realidade, temos de repensar o que desejamos em nosso modelo previdenciário. É certo observar, em alguma medida, as expectativas de agentes econômicos e as variáveis macroeconômicas envolvidas, especialmente pelo vulto fiscal da previdência nas contas públicas. O Brasil - em alguns momentos - parece adotar alguma forma de "capitalismo envergonhado", em que busca as benesses da economia de mercado, mas, ao mesmo tempo, ainda possui o ranço das ideologias de esquerda estatizantes e satanizadoras do lucro.
Por outro lado, nos últimos cinquenta anos, a Ciência Política tem formado um consenso elevado sobre a impossibilidade de políticas públicas, em ambiente democrático, serem fundamentadas em objetivos exclusivamente econômicos. Nunca é demais lembrar a emblemática obra de John Rawls, a qual, nesse tempo, tem produzido relevante influência em toda a literatura especializada. Afinal, a sociedade contemporânea deve ter como meta primeira a existência digna.
É indiscutível que todos nós, independente da ideologia política, desejamos um governo que seja ágil, capaz e, principalmente, eficiente nos gastos públicos, atendendo o maior número de demandas com o menor custo. Todavia, a esses objetivos deve ser conjugada a proteção à vida digna. O Brasil não é exceção, demandando a construção de uma sociedade livre, justa e solidária.
O pensamento utilitarista, que tem dominado o debate da reforma previdenciária, não pode subjugar os objetivos de nossa Constituição. Ótimos de Pareto não são mais importantes que vidas humanas. Enquanto que, sob o ponto de vista da eficiência, faça sentido defenestrar pessoas e carreiras para produzir melhor ganho para um número expressivo de pessoas, na perspectiva dignificante da pessoa humana desejada pela Constituição de 1988, isso é inaceitável.
É natural que o mercado perceba as políticas públicas unicamente sobre os influxos econômicos produzidos, especialmente no curto-prazo. Todavia, não deve o Estado guiar-se pelas mesmas percepções. Na medida em que as políticas públicas - e previdenciárias - são construídas por pessoas com o viés exclusivamente utilitarista, descompromissado com os direitos fundamentais, o resultado será sempre o fracasso.
É certo que a reforma previdenciária implicará restrições a obtenção de direitos e mesmo reflexos negativos para profissionais em atividade, mas tais mudanças devem ser feitas de forma a preservar, na melhor medida do possível, as nossas escolhas de vida. Somente assim o Estado brasileiro será capaz de aprovar as mudanças e, também, restaurar sua credibilidade com o povo brasileiro.