Porandubas nº 870
quarta-feira, 4 de dezembro de 2024
Atualizado em 3 de dezembro de 2024 15:14
Abro a coluna com uma historinha que o ex-governador do Piauí, Alberto Silva, contava. Análise da índole piauiense.
Sou do Piauí, e daí?
Alberto Silva dizia que a alma piauiense sofria de complexo de inferioridade. Na Sudene, em Recife, ouvi dele esse chiste: um interlocutor pergunta a outro: o senhor é de onde? Resposta: sou do Piauí e daí? E já mostrava os punhos para esmurrar o interlocutor.
E foi pensando nisso que ele, quando governador, decidiu criar a Potycabana, uma praia de Copacabana, às margens do rio Poty. Importou equipamentos que faziam ondas nas águas. Não foi bem sucedido. No dia da inauguração, discursou: não precisamos ao Rio de Janeiro para tomar banho em Copacabana. Temos a nossa Potycabana. A criançada, em algazarra, mergulhou nas ondas barrentas. Uma criança morreu. O sonho foi embora.
Bonecos de Olinda, prazer!
Certa feita, acompanhei Michel ao Recife para uma visita ao senador Jarbas Vasconcelos, então governador do Estado. Fazia parte da liturgia do presidente do PMDB ouvir as lideranças do partido, ainda mais se tratando de Jarbas Vasconcelos, que realizou um grande trabalho pelo partido, desde os tempos em que o presidiu.
Chegamos já tardinha, com o sol se pondo. A casa do governador parecia um museu a céu aberto, Pela coleção de bonecos, o artesanato pernambucano se fazia intensamente presente nos cômodos. Sentamo-nos na sala de recepção. Os raios do sol abriam uma pequena claridade numa sala contígua, onde em uma mesa de jantar/almoço, convivas pareciam se regalar com os acepipes.
Fiquei curioso. Michel, então, muito educado, pediu licença de Jarbas, levantou-se e se dirigiu aos convivas, querendo cumprimentar cada um.
Mão estendida para o primeiro, veio o susto. Eram 7 ou 8 bonecos de Olinda, em tamanho natural, sentados à mesa e diante de pratos e talheres. Disfarçando o gesto risível, o presidente da Câmara volta ao nosso convívio sem conseguir o riso.
- I Parte
Avanços da humanidade
Que maravilha! As últimas duas décadas produziram mais descobertas tecnológicas para a Humanidade do que muitas décadas do século XX. A inteligência artificial emerge como o epicentro de uma nova era de Conhecimento. O mundo envolto em guerra usa aparatos avançados, drones, artefatos nucleares. Os remédios e drogas se incorporam às curas de doenças que se mostravam mortíferas. A cura da Aids se avizinha. Muitas variedades de câncer - o mal do século - já podem ser dominadas. Os avanços disparam em todas as áreas, das comunicações aos transportes, da biogenética à informática, da medicina ortomolecular à tecnologia de alimentos.
A massificação do saber
Alguns dos mais avançados apetrechos tecnológicos do mundo moderno fazem a festa, entre nós, a partir desse aparelhinho, o celular, que modificou comportamentos, mudou conceitos, acelerou a transmissão de ideias, fez germinar a árvore do conhecimento. Nos hospitais, as cirurgias com apoio de robôs dão mais segurança aos pacientes. Drogas avançadas contêm a disseminação de epidemias. As máquinas ganham novas versões. Os robôs infestam o chão de fábrica. Os carros elétricos chegam com seu silêncio e barulho zero. Enfim, o mundo, banhando-se nas águas da tecnologia, avança, abrindo novas fronteiras do saber.
O passado mostra a cara
Que vergonha! O passado faz questão de nos visitar, a toda hora. Um mosquito continua a minar as energias de milhões de brasileiros, infestando famílias com dengue, que, todos sabem, era uma doença do princípio do século, ao lado da febre amarela, da tuberculose, do tifo. Não há como explicar o paradoxo: a festa da tecnologia, que oferece a química salvadora de vida e apetrechos para o bem-estar das pessoas, ao lado do festival de mosquitos, que corrói a saúde de milhões. O vírus da Covid continua à espreita.
O que se passa?
O que se passa? Será o descaso, a incompetência, a falta de recursos ou recursos mal aplicados? Será ausência de planejamento, inércia, politicagem? Ou um pouco de tudo isso? Ou mais alguma coisa? Corrupção? Por aí, as respostas. O algo mais se chama torpor, uma espécie de inércia moral que os governantes desenvolvem na vivência do poder. Com tanta pressão, informação, jogos de interesse, com tantas decisões a tomar, em todos os setores da vida econômica e política, os governantes acabam criando camadas que vão se superpondo e tornando dormentes seus instintos.
Sensibilidade rinocerôntica
Os homens públicos acabam ganhando a pele de rinoceronte, dura e impermeável. As grandes catástrofes já não os abalam. Os eventos de impacto não disparam a adrenalina. Os sustos já são esperados. O imponderável deixou de ser surpresa. A máquina psíquica entra em coma profundo. A ebulição social não provoca quentura nas pestanas dos governantes. Só assim se explica a atitude olímpica do presidente Lula em pedir a seu ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para apresentar à Nação um plano de gastos e cortes, cheio de retalhos, feito com a tesoura da improvisação.
Só tem olhos para 2026
Lula só tem olhos para 2026. Hoje, firma-se como o único protagonista do PT em condições de lutar pela continuidade do assento na cadeira do Planalto. Haddad seria seu herdeiro. Mas o ministro não tem forças para impor sua visão de economia ao grupo que domina a máquina petista. Se o desemprego continuar em níveis baixos, se estabilidade do país for alcançada, sem inflação, Haddad até poderia mirar-se no espelho de 2026. Com o dólar valendo R$ 6, a inflação paira sobre nossas cabeças.
Brasil lá fora e aqui
As taxas de juros são criminosas. O BC quer segurar a inflação. Conseguirá? A seca se alastra em regiões do Norte e Nordeste, ameaçando os reservatórios. A região amazônica exibe o leito seco de grandes rios. Lula comemora o triunfo da COP 28. O Brasil volta ao mapa-mundi cheio de orgulho por ter resgatado a imagem esfacelada por Bolsonaro. É fato que a imagem externa do país volta a ganhar prestígio. Apesar das ameaças de Donald Trump, de punir os países do BRICs, se estes aprovarem uma nova moeda para suas transações. Mas, e aqui? Ora, o presidente, impassível, do alto do palanque da reeleição, abre espaços na agenda apenas para negociações no balcão dos ministérios. Que serão objeto de mudanças. E com redistribuição de grande fatia das 38(ou 39?) Pastas. E assim, a oitava (ou a nona?) economia do mundo navega, procurando esconder o lixo da sala sob o tapete.
E as oposições?
Onde estão as oposições? Discutindo o sexo dos anjos, ou seja, debatendo sobre quem é mais importante, qual líder tem mais força, que tipo de acordo pode ser feito entre seus partidos. O PL de Bolsonaro também fazia parte do complô do golpe. O capitão, é sabido, viajou para Miami, no final do ano passado, para evitar ser descoberto como o grande articulador do golpe. Se a coisa eclodisse, poderia dizer: não tenho nada a ver com a tramoia. Tanto que viajei para fora do país. O Centrão dá as cartas. Fará o próximo presidente da Câmara. E com força para influir no Senado.
- II Parte
Raspando o tacho...
- A ameaça de Donald Trump contra países dos BRICs que criarem uma moeda para suas transações deve ser levada a sério. Ele quer provar que prometeu retaliação e deve cumprir promessas. Questão de não passar por mero falastrão.
- Bolsonaro quer se manter no centro da polêmica. É adepto do refrão: falem mal, mas falem de mim. E quanto mais empurrar a polêmica do golpe para adiante, melhor. Gostaria de levar o assunto até a beirada de 2026.
- Me mandaram uma ilustração de uma Champagne Moet Chandon, dizendo: neste Natal quero Moer Chandão. Boa sacada. Haja criatividade.
- Conheci o ministro Flávio Dino, quando dirigiu a Embratur. Tivemos um papo, regado a um bom vinho com queijos, sobre o turismo brasileiro face ao turismo mundial. Meus cumprimentos ao ministro pelo casamento com a ex-assessora, Daniela, com quem vive há 10 anos.
- Geraldo Alckmin tem a discrição de Marco Maciel, vice do presidente Fernando Henrique. Porém, é um perfil bem-humorado. Diferente do pernambucano, mais contido.
- O PIB cresceu 0,9% no trimestre, cerca de 4% no ano. Festa para Lula. Mas o pacote fiscal foi muito tímido, segundo o mercado. Lula sem festejo.
- RS às voltas com inundações. Terras dos pampas tomadas por novas enchentes.
- Haddad, o ministro da Fazenda, entre a cruz e a caldeirinha. Pacote fiscal, de um lado, querendo fechar a gastança, de outro, abrindo o cofre.
- Fecho a coluna com Sêneca:
Sêneca, o filósofo, nascido em Córdova, na Espanha, no ano I a.C, deu o alerta: "não é curto o tempo que temos, mas dele muito perdemos. A vida é suficientemente longa e com generosidade nos foi dada, para a realização das maiores coisas, se a empregamos bem. Mas, quando ela se esvai no luxo e na indiferença, quando não a empregamos em nada de bom, então, finalmente constrangidos pela fatalidade, sentimos que já passou por nós sem que tivéssemos percebido. O fato é o seguinte: não recebemos uma vida breve, mas a fazemos, nem somos dela carentes, mas esbanjadores".