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Porandubas nº 866

quarta-feira, 6 de novembro de 2024

Atualizado em 5 de novembro de 2024 14:56

Abro a coluna com um frio aperto de mão.

O frio aperto de mão

O deputado baiano mandou cartão de Natal para uma mulher que morrera há muito tempo. A família, irritada, retribuiu: "Prezado amigo, embora jamais o tenha conhecido durante os meus 78 anos de vida terrena, daqui de além-túmulo, onde me encontro, agradeço o seu gentil cartão de boas festas, esperando encontrá-lo muito em breve nestes páramos celestiais para um frio aperto de mão. Purgatório, Natal de 2005." O deputado recebeu a resposta. E espera, angustiado e insone, pelo aperto de mão.

  • Parte I - As eleições nos EUA

A alma da América

Há 193 anos, em abril de 1831, Alexis de Tocqueville e seu amigo Gustavo Beaumont embarcaram no Havre (França) com destino aos EUA. Os dois jovens magistrados se investiam de uma missão de exame sobre as instituições penitenciárias americanas. Cumpriram a tarefa. Tocqueville produziu o clássico "A Democracia Americana", onde pontuava sobre a alma norte-americana: "existe um amor à pátria que tem a sua fonte principal naquele sentimento irrefletido, desinteressado e indefinível que liga o coração do homem aos lugares onde o homem nasceu. Confunde-se esse amor instintivo com o gosto pelos costumes antigos, com o respeito aos mais velhos e a lembrança do passado; aqueles que o experimentam estimam o seu país com o amor que se tem à casa paterna".

O desencanto

Hoje, espraia-se por todos os lados o desencanto. A desesperança. O país que elege, neste 5 de novembro (esta coluna foi escrita ontem), seu presidente, está coberto por uma camada de ódio, violência e medo. Pergunta-se: que amor à Pátria pode existir em espíritos tomados pelo pavor, pela violência de tiros à esmo, por conflitos raciais, por ter um candidato misógino, racista, disposto a exportar para fora das fronteiras americanas milhões de imigrantes? Que espírito público pode vingar no seio da população, quando a conflituosidade se expande, dividindo espaços de poder, de forma egocêntrica e ignominiosa?

O lamento de Bolívar

Volta à ordem do dia o lamento de Simon Bolívar, o grande timoneiro, quando, um dia, retratou a sofrida América Latina: "não há boa-fé na América, nem entre os homens nem entre as Nações; os tratados são papéis, as constituições não passam de livros, as eleições são batalhas, a liberdade é anarquia e a vida um tormento. A única coisa que se pode fazer na América é emigrar". Pois bem, o que hoje se pode esperar é uma espada sobre a cabeça dos emigrantes. Emigrar foi a opção de milhares de pessoas de muitas regiões que escolheram os EUA para viver. Hoje, muitos pensam em retornar à casa sob o medo de um troglodita no comando da Nação.

A saudade telúrica

Não basta, contudo, emigrar ou fazer o caminho de volta. O planeta vive uma era de dissonâncias. Guerras explodem em algumas regiões do mundo. Os povos olham para os céus e não encontram faróis. As multidões sonham em recuperar velhos sinais antigos de bem-estar. O gosto suave de passear pelas ruas, andar à noite, conversar com os vizinhos, buscar o calor da convivência comunitária, reforçando os vínculos de solidariedade, destruídos pela explosão populacional das grandes cidades e pela deterioração das infraestruturas de serviços. A violência irrompe nos grandes centros, chegando até nas médias e pequenas cidades, empurrada pelo fluxo centrífugo de bandos incontroláveis que os governos não conseguem deter.

As desigualdades

A chama telúrica se apaga com o violento sopro da inchação das metrópoles e o crescimento desordenado das margens sociais. Os governos se tornam entes incapazes de dar soluções imediatas às demandas. O blá blá blá se expande. Os horizontes ficam sombrios. As desigualdades atacam as classes sociais, abrindo imensos grotões de miséria. Tristes tempos.

Enfeites cosméticos

Os territórios ganham traços e enfeites cosméticos. A imagem parece a de um jogo de futebol com a melhor bola da FIFA, os uniformes mais bonitos. Mas o campo está esburacado. Até os jogadores exibem sua "moderna" estética nas cabeças trabalhadas por tesouras que fazem veredas no cabelo. As pinturas no cabelo chamam a atenção. Um colorido extravagante comprova que os jogos de futebol passaram a ser desfiles mambembes de cabeças ocupadas pela nova arte de cortar cabelo, tronco e membros tomados pela tatuagem. Frases de poesia bicuda e demônios é o que não faltam. Há figuras que mais parecem um festival de assombração.

O estado de degradação

Não é a toa que consumidores, a toda hora, reclamam da eficiência dos serviços públicos, tocados por burocracias lentas e paquidérmicas, quadros funcionais ineptos e desmotivados. Cresce o número de reclamações, explodem as denúncias sobre negligências, malhas de corrupção, jogos de interesses. E mais uma vez chegamos no futebol: jogadores são suspeitos de integrar a máfia das apostas. Jogos comprados. Jogador fazendo corpo mole.

Ninguém apaga o passado impunemente

A infelicidade grassa na casa de milhões de aposentados, submetidos à vergonha das imensas filas, ao rigor das frias burocracias, para não se falar dos proventos indignos que pingam em suas contas. E o pior é que temos um sistema previdenciário na beira da falência. Um país que trata mal os contingentes que deixaram o mercado de trabalho, em função de uma merecida aposentadoria, quer apagar seu passado. E ninguém passa uma borracha no passado sem pagar o preço de comprometer as vigas do futuro. Pois que geração forte se quer forjar, quando já não se respeitam os mais velhos?

Um Estado protetor

No mais, aqui, ali e acolá, os cidadãos querem ter um Estado protetor e não viver sob o manto de um Estado usurpador. É o discurso que se ouviu nos EUA ao correr da campanha eleitoral. É o discurso que se ouve ali na esquina. O Estado brasileiro dá medo. Está longe de assumir a figura do pai, que acolhe de braços abertos os filhos. São dezenas de impostos, encargos e contribuições. Reforma tributária? É para inglês ver. Os aumentos de combustíveis, vez ou outra, atacam os consumidores. E a Petrobras continua distribuindo altos dividendos a seus donos.
No mais, o velho bordão:

- O mundo gira e a Lusitana roda.

  • Parte II

Raspando o tacho...

- Lula fez mal em anunciar publicamente sua torcida por Kamala Harris. E se o desembestado Donald Trump ganhar?

- Bolsonaro fez um vídeo dando apoio a Trump, que deve ter ganhado com esse apoio uns 20 milhões de votos...

- Lula faz bem em fazer exames constantes para avaliar os efeitos da queda e batida na cabeça.

- Agnaldo Rayol morreu por ter sofrido uma queda. Mais grave que a de Lula.

- Os idosos enfrentam esse risco. Andar na rua em São Paulo é um tormento. Calçadas esburacadas e desniveladas. O leito das ruas virou trajeto para idosos. Menos acidentado. Mas e os carros e ônibus? Pior a emenda que o soneto.

- No dia 12 de outubro, quatro romeiros morreram durante peregrinação pela rodovia Presidente Dutra a caminho de Aparecida/SP. Duas vítimas estavam fazendo a romaria a pé e outras duas faziam o trajeto até o Santuário de bicicleta.

- A derrota tem poucos pais. A vitória, muitas mães.

- O mundo todo aguarda com expectativa o desfecho das eleições nos EUA.

- Putin, Xi Ji Ping, Netanyahu e a direita europeia torcem por Trump.

- A "intelligentzia" americana torce por Kamala.

- Trump traz medo, Kamala, otimismo.

Fecho a coluna com a sabedoria de um paraibano.

Sinceridade e sagacidade

Zé Cavalcanti, ex-deputado paraibano, conta em seu livro A Política e os Políticos, que um coronel do sertão, ao passar o comando de seus domínios para o filho, aconselhou:

- Meu rapaz, se queres ser bem-sucedido na política, cultiva estas duas verdades: a sinceridade e a sagacidade.

- O que é sinceridade, meu pai?

- É manter a palavra empenhada, custe o que custar.

- E o que é sagacidade?

- É nunca empenhar a palavra, custe o que custar.