Abro a última coluna de janeiro com duas historinhas.
Água no feijão
Getúlio Vargas recebe o repórter no Palácio do Catete:
- "Presidente, para vencer na política, o que é necessário?"
- Vargas: "Muita coisa. Por exemplo, boa memória. A política é como água no feijão. O que não presta flutua. O que é bom repousa no fundo".
Pequena reflexão. Tirando a diferença histórica: quem é bom e quem não presta na política brasileira? Quem flutua na água e quem está no fundo? Um prêmio para quem acertar a resposta.
(Contada por Sebastião Nery)
Será o Benedito?
Às vésperas da escolha do interventor de Minas Gerais, em 1934, Benedito Valadares se encontrou no Rio de Janeiro com José Maria Alkmin:
- Se você for o escolhido, me convida para secretário?
- Você está louco, Benedito?, respondeu um divertido Alkmin.
Dias depois, Getúlio Vargas anunciaria a escolha de Valadares, que logo recebeu um telegrama: "Parabéns. Retiro a expressão. Ass. Zé Maria".
Zé Maria Alkmin acabou nomeado secretário do interior.
(Enviada por Álvaro Lopes)
- Parte I
A força dos prefeitos: pequena reflexão sobre a administração municipal
Pergunta recorrente: no pleito de outubro, os prefeitos que se candidatam à reeleição têm mais chances? Resposta: em princípio, sim. Contam com uma superestrutura, milhares de servidores, que não possuem estabilidade, mas querem continuar nos seus cargos e posições, devendo se engajar, informalmente, na campanha, sob uma malha de obras na esteira do ano eleitoral. Portanto, esse aparato, por si só, pode alavancar o nome dos alcaides.
A vacina da responsabilidade
Os prefeitos acordaram. Depois de décadas de acomodação, regadas a mandonismo, filhotismo e votos de cabresto, a prefeitada tomou a vacina da lei de responsabilidade fiscal, aplicada sob o olhar duro de um eleitor cada vez mais crítico e exigente. O fisiologismo histórico que tem alimentado os currais eleitorais não foi embora de todo, mas está sendo paulatinamente substituído por cooptação eleitoral ancorada em ações substantivas, obras e projetos de interesse das comunidades. Os tempos do eleitor "maria-vai-com-as-outras" estão passando. Os prefeitos sabem muito bem que já não é mais possível governar com o lema: "para os amigos pão, para os inimigos pau".
A velha política
Os prefeitos continuam a enfeixar grandes fatias de poder. Não se trata daquele tipo de poder que Victor Nunes Leal tão bem descreveu em "Coronelismo, Enxada e Voto", um clássico sobre o mandonismo municipal: "exerce o coronel uma ampla jurisdição sobre seus dependentes, compondo rixas e desavenças e proferindo, às vezes, verdadeiros arbitramentos, que os interessados respeitam. Também enfeixam em suas mãos, com ou sem caráter oficial, extensas funções policiais, de que frequentemente se desincumbe com sua pura ascendência social, mas que eventualmente pode tornar efetivas com o auxílio de empregados, agregados ou capangas". Os coronéis "padeceram", mas deixaram herdeiros, entre os quais centenas de prefeitos espalhados principalmente nas regiões menos desenvolvidas cultural e politicamente.
A micropolítica
O que passa a predominar no cenário político é um conjunto de prefeitos mais conscientes, imbuídos do ideal de servir, atentos aos movimentos sociais e, sobretudo, preocupados com fazer algo mais substantivo. Promessas mirabolantes já não fazem a cabeça de um eleitor, cujas demandas se abrigam no terreno da micropolítica - a escola perto da casa, o transporte fácil e barato, a iluminação e o asfaltamento da rua, o sistema de esgoto, o alimento barato, a assistência social. E, nesses tempos de violência em crescimento, segurança.
O passaporte de volta
A pergunta que abriu a coluna pode ter também uma resposta negativa: não. O cargo de prefeito não garante a reeleição. Por quê? Prefeito ineficaz não se reelege e não fará o sucessor. Ganhará o passaporte para voltar à sua casa. Dinheiro até pode mudar o sentido de uma eleição, mas não tem o mesmo peso do passado. Vida limpa, passado e presente decentes, obras focadas no interesse coletivo, transparência administrativa, enxugamento de estruturas, racionalização de processos, circulação no meio do povo, desburocratização e simplificação de serviços constituem os parâmetros modernos para a conquista do eleitorado.
Só dinheiro não elege
O dinheiro está curto e cada centavo passa a ser valorizado. Apesar de um fundo eleitoral que ultrapassa os R$ 4 bilhões, aprovado por Lula sob pressão do Congresso. Ademais, fortalece-se o poder crítico das bases municipais, fator que se percebe na conduta de vereadores conscientes do papel fiscalizador. E, para arrematar o quadro, há uma mídia denunciativa, que procura bem informar, interpretar e opinar criticamente.
O poder centrípeto
Um fenômeno dos novos tempos é o poder centrípeto. Nasce nas margens sociais e corre para o centro, a denotar uma força extraordinária adquirida pela sociedade. A maior taxa de responsabilidade que incide sobre os 5.570 prefeitos do país recebe, assim, o endosso de uma malha de conscientização e controle, inserida nas organizações intermediárias da sociedade. Esse fenômeno merece estudo. Há uma nova e forte articulação social em marcha no país, pouco detectada por pesquisas e quase despercebida pelos cientistas políticos. A força emergente da sociedade nasce nos grupamentos organizados, na "nova classe" integrada por segmentos do empresariado médio, principalmente do setor terciário, que vive fase de expansão, após a pandemia da Covid-19, e, ainda, pela estrutura do comércio das cidades polos do interior e por correntes de trabalho voluntário e de religiosidade que se espalham pelo país, levando mensagens de solidariedade, esperança e renovação.
Poder de pressão
Milhares de entidades se formam em todas as regiões, juntando grupos de interesse e de opinião, promovendo mobilização e desenvolvendo articulação entre os eixos da grande roda social. Essa rede funciona como paredão de pressão sobre os poderes Legislativo e Executivo. E por falar em pressão, é oportuno lembrar que a comunidade municipal exerce maior pressão sobre os prefeitos que a comunidade estadual sobre a figura do governador. Quanto menor a unidade, maior será a pressão, em função da proximidade entre os agentes políticos e as bases. Governadores não são tão cobrados quanto prefeitos.
Democracia participativa
Nessa moldura, a democracia representativa está sendo exercida pelo universo de entidades intermediárias, com forte prejuízo para a instituição política tradicional, caracterizada pelos "catch-all parties" ("partidos agarra tudo que puderes"), na expressão de Otto Kirchheimer, cientista social alemão. Não é à toa que os nomes de candidatos, entre nós, têm prevalência sobre os partidos. Os perfis mais atraentes são os funcionais-assépticos, descomprometidos com esquemas corrompidos, de propostas diretas, objetivas e que se comunicam diretamente com o eleitorado. A impopularidade de uns e outros tem muito a ver com a embalagem que lhe proporcionam as estruturas e formas tradicionais da política. A falta de continuidade na administração pública também proporciona desconforto e descrença.
O eterno retorno
O povo tem a sensação de que estamos sempre recomeçando, saindo do nada. O novo governante apaga tudo que o antecessor construiu, inclusive as coisas boas. O fato gera desesperança. Por isso mesmo, o povo acalenta farta dose de apatia. Deixa as decisões para a última hora. Na nova parede, a mulher tem destaque. Ela não quer mais ser apenas figuração de cenário. Assume, cada vez mais, papel de coadjuvante.
- Parte II
Raspando o tacho
- O governo Lula coleciona derrotas no Congresso, apesar dos largos espaços concedidos ao Centrão. O corpo parlamentar derrubou até agora (repito, até agora) 53% dos vetos de Lula a MPs e projetos de lei.
- Constatação à boca pequena entre analistas, consultores e jornalistas: a corrupção voltou com força nesses tempos de "eterno retorno". À propósito, o Brasil cai 10 pontos no ranking de percepção da corrupção, assinado pela Transparência Internacional.
- O recapeamento em São Paulo, capital, é o mais intenso das últimas décadas. A cidade virou um canteiro de obras. Ricardo Nunes, o prefeito, pensa em "capturar" muitos votos com sua avalanche obreira. Será que pensou no "vice-versa"? Os transtornos no trânsito multiplicaram as imprecações contra o alcaide.
- Voltou também com força a onda de violência, que se espraia por todos os espaços. A segurança pública, mesmo se sabendo que não é função das municipalidades, será um dos carros-chefes da campanha municipal deste ano.
- Os filmes que concorrem ao Oscar enchem as salas de cinema, que estiveram vazias por um bom tempo, na esteira da pandemia de Covid.
- A governadora de Pernambuco, Raquel Lira, surpreende. Por enquanto, é mal avaliada pelos pernambucanos. Pesquisas mostram que tem a menor aprovação dentre os 27 governadores do país. Levantamento da Atlas Intel diz que tem 36% de aprovação e 49% de desaprovação. Esta coluna torce para seu crescimento.
- Ronaldo Caiado, de Goiás, leva, por enquanto, a melhor avaliação. Repito, por enquanto. Seu eixo? Segurança pública.
- Tarcísio Nunes, de SP, tinha cerca de 60% de aprovação em dezembro. Caiu cerca de 10 pontos. Mas continua bem avaliado. Por enquanto.
- O PT quer fazer uma grande bancada de prefeitos e vereadores. Será um desafio. Em jogo, uma avaliação do governo Lula 3.
Fecho a coluna com um conceito.
Comunicação organizacional: uma orquestra
A comunicação organizacional é a possibilidade sistêmica, integrada, que reúne diversos instrumentos. Exerce a função de laço, por meio da criação de um sentimento de unidade, com todos se sentindo irmanados em um mesmo grupamento. Assemelha-se a uma orquestra, tendo, nessa imagem, a função de clarim. Ou seja, trombeteia para anunciar aos públicos os negócios e a imagem de uma organização. Possui também a função de diapasão, que procura compor uma linguagem homogênea. Registra-se, ainda, a função do apito, quando a comunicação convoca os participantes para atuarem no jogo organizacional. Por último, a comunicação organizacional usa a função de boca. A metáfora quer abrigar o cochicho, os aconselhamentos.