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Porandubas nº 801

quarta-feira, 29 de março de 2023

Atualizado às 07:20

Abro a coluna com uma historinha das Minas Gerais.

Lei da Gravidade

A Lei da Gravidade, de vez em quando, dá dor de cabeça aos mineiros. Na Câmara Municipal de Caeté, terra da família Pinheiro, de onde saíram dois governadores, discutia-se o abastecimento de água para a cidade. O engenheiro enviado pelo governador Israel Pinheiro deu as explicações técnicas aos vereadores, buscando justificar a dificuldade da captação: a água está lá em baixo e a cidade, lá em cima. Seria necessário um bombeamento que custaria milhões.

- Sinceramente, acho o problema de difícil solução a curto prazo, conforme os senhores desejam.

- Mas, doutor - pergunta o líder do prefeito - qual é o problema mesmo?

- O problema mesmo - responde o engenheiro - está ligado à Lei da Gravidade.

- Isso não é problema - diz o líder - nós vamos ao doutor Israel e ele, com uma penada só, revoga essa danada de lei que, no mínimo, deve ter sido votada pela oposição, visando perseguir o PSD.

O líder da oposição, em aparte, contesta o líder do prefeito e informa à edilidade, em tom de deboche:

- Ah, ah, ah, o governador Israel nada pode fazer, visto ser a Lei da Gravidade de âmbito Federal.

O presidente deu por encerrada a sessão.

(A historinha é de José Flávio Abelha, em seu livro A Mineirice).

  • Panorama

Adeus, março

Estamos fechando os dias de março. E o governo vê quase completado seu ciclo de 100 dias. O que se pode dizer do Lula 3 até o momento? Tentemos, de forma breve, mostrar alguns sinais: 1. O governo parece sem rumo; 2. A base política da administração se apresenta esgarçada, desgastada; 3. O imponderável nos visita com certa regularidade; 4. O ambiente social está escurecido, tomado por denso nevoeiro; 5. Há uma ala mais tranquila e outra mais agitada na estrutura ministerial; 6. O bolsonarismo começa a se levantar depois do coice eleitoral que sofreu; 7. Os presidentes do Senado e da Câmara, em escaramuças, tendem a chegar a um acordo de convivência; 8. Os desastres naturais nesse início de ano mostram a fragilidade da infraestrutura de emergência; 9. A direita se organiza e vai mostrar a cara; 10. Lula, o veemente, sai da sombra de Lula, o apaziguador e 11. Os horizontes de 2024 apontam para acirramento das narrativas.

Sem rumo

O andar de caranguejo entra na imagem governamental. Para os lados, para a frente e para trás. Espera-se a âncora fiscal, sob o mando e comando do ministro Fernando Haddad, da Fazenda. Uma ala do PT quer uma teia mais flexível, menos engessada. O governo anuncia a volta de uma série de programas, do tipo Minha Casa, Minha Vida, Bolsa Família, e, ufa, o desastroso PAC, Programa de Aceleração do Crescimento, um fracasso no governo Dilma. Lula cobra novidades de seus ministros, mas centraliza todas as decisões. Até agora, nada importante pode ser mostrado. A não ser uma chama iluminando as relações internacionais.

Base esgarçada

Imaginava-se a formação de uma base política sólida, homogênea, capaz de funcionar como invencível fortaleza de defesa da administração. O que se vê é insatisfação de grupos, alas e partidos com a distribuição de recursos e espaços na máquina. Os parlamentares, à boca pequena, se queixam do ministro Rui Costa, da Casa Civil, e do ministro Alexandre Padilha, das Relações Institucionais, por não darem tratamento satisfatório a seus pleitos. E abrem buracos no queijo da administração Federal.

O Imponderável

De repente, uma infecção bacteriana muda a agenda tão esperada na China. A viagem de Lula e o grande encontro com Xi Jinping é adiado. Reversão de expectativas. Quase 300 empresários haviam se disposto a fazer parte da comitiva. Muitos já estão naquele país. Os acordos comerciais deverão aguardar por uma ida mais saudável de Lula à potência asiática. Em Londres, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, sentiu fortes dores, com pedras nos rins. Quem já padeceu desse sofrimento, sabe o tamanho da aflição. Aqui e ali, o Imponderável nos visita, trazendo catástrofes e pontos fora da curva.

O ambiente social

Impressão: os tempos voltaram à normalidade. As ruas estão lotadas de carros. O trânsito é infernal. O buzinaço dispara. Mas os dias parecem mais tristes. As pessoas exibem um ar de cansaço, estresse. O esfaqueamento e assassinato se espalham. Pesquisas de entidades científicas da Irlanda e do Reino Unido revelam o estado de tristeza e estresse das pessoas nesses tempos de guerra entre países e ameaça de recessão na economia. Aqui no Brasil, a descrença volta a subir, a credibilidade nos governos cai. O espírito do tempo nos afoga no mar das desilusões. Um denso nevoeiro paira sobre as expectativas do amanhã.

Divisão na gestão

Há uma ala do governo que se mostra menos tensa e mais equilibrada. Outra parece mais um exército fazendo tiro ao alvo. A primeira é a do estilo Geraldo Alckmin, o vice-presidente, com sua índole calma e senso de oportunidade. A outra é comandada por Flávio Dino, ministro da Justiça, que está na vanguarda de defesa do governo. A presidente do PT, Gleisi Hoffmann, agita os exércitos de vanguarda. A gestão não é harmônica.

Ressurreição bolsonarista

O bolsonarismo começa a acordar da letargia que tomou seu corpo desde as eleições de outubro passado. O chefe do grupo anuncia volta para esta quinta-feira das férias prolongadas na Flórida, EUA. Vem com salário polpudo a ser pago pelo PL, escritório bem montado, cargo honorífico, casa alugada etc. Os bolsonaristas prometem arrulhos e barulhos. E a agitar o país, preparando as populações para o embate municipal de 2024. A construção do edifício político começa com a fixação da base, a eleição de prefeitos e vereadores.

Lira e Pacheco

As recentes rusgas entre os presidentes da Câmara Federal e Senado, Arthur Lira e Rodrigo Pacheco, serão administradas com um acordo de convivência. Voltarão as comissões mistas, as votações de medidas provisórias e o clima será distendido. Ambos terão como bússola o índice de popularidade de Lula. Agirão sob a batuta do pragmatismo.

Desastres naturais

O início deste ano abriu uma quantidade maior de desastres naturais. Inundações, devastação, mortes e miséria. A natureza cobra seu preço. As chuvas continuarão a causar devastações em algumas regiões. O que serve para escancarar o despreparo das estruturas governamentais. Soluções e ações são improvisadas. Não há um Plano Estratégico de Enfrentamento de Eventos Naturais. É o Brasil da improvisação.

Direita e esquerda contundentes

Os movimentos de direita, aqui e alhures, se avolumam. A direita deixou de ter vergonha. Assume seu ideário e levanta suas bandeiras. Acaba de se reunir, em Buenos Aires, um grupo de direita da América Latina. O senador Sergio Moro se fez presente. A esquerda também se enfurece. Na Nicarágua, a oposição é alvo do ditador Daniel Ortega, amigo (ou ex?) de Luiz Inácio. A Venezuela aguarda o diapasão brasileiro.

Lula, o briguento

Vemos um Lula briguento, tenso, palanqueiro e atirador com sacola de balas na cintura. O Lulinha Paz e Amor morreu. O mandatário parece tenso, cansado, revoltado, vingativo. A prisão em Curitiba parece não lhe sair da mente. Quer porque quer "foder" Sergio Moro, ex-juiz e atual senador pelo Paraná, que ganha manchetes no empuxo a ele dado por Lula. Moro estava meio esquecido. E Lula, com seu tiroteio, ressuscita o político inerte. A política como ela é...

A lei do revólver

Depois dessa rápida leitura, a inevitável conclusão: a polarização política tende a impregnar grupos e partidos. Melhor dizendo: a polarização tende a ser mais volumosa. O mundo se reparte. O ódio se espraia. Os embates se multiplicam. Samuel P. Huntington descreve: "Quebra da lei e da ordem, Estados fracassados e anarquia crescente, onda global de criminalidade, máfias transnacionais e cartéis de drogas, declínio na confiança e na solidariedade social, violência étnica, religiosa e civilizacional e a lei do revólver".

Fecho a coluna com as perspectivas de Luis Pereira.

Perspectivas

Quais as perspectivas que se apresentam ao Brasil em um contexto de crise? Confesso que não sei responder. Mas uma historinha contada pelo amigo Sebastião Nery pode ajudar a responder.

Luís Pereira, pintor de parede, dormiu com 200 votos e acordou como deputado Federal. Era suplente de Francisco Julião, líder das Ligas Camponesas, em Pernambuco, cassado pela ditadura. Chegou a Brasília de roupa nova e coração vibrando de alegria. Murilo Melo Filho, da revista Manchete, melou o jogo, logo no aeroporto, com a pergunta abrupta:

- Deputado, como vai a situação?

Confuso, nervoso, surpreso, sem saber o que dizer, jogou os termos que julgava mais apropriados para a fala de um deputado:

- As perspectivas são piores do que as características.

A esta altura, tem muito Luís Pereira perorando por aí...