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Porandubas nº 792

quarta-feira, 11 de janeiro de 2023

Atualizado às 07:54

A coluna, em respeito ao clima de consternação que paira sobre o país, decorrente dos danos irreparáveis que vândalos, depredadores, bárbaros, terroristas, perpetraram no domingo último, em Brasília, deixa de iniciar suas notas sem as historinhas, quase sempre hilárias, com as quais brinda seus leitores. O país está triste.

Ataque no coração simbólico

Começo com um desabafo: escrevo sob um sentimento de profunda perda. Como se algo muito pessoal me houvesse sido surrupiado, roubado, tirado com violência. Perscruto o motivo. Descubro: a sensação de que Brasília é um pouco minha. Nunca ali morei. Quando muito, em função de minhas atividades de consultoria política, para a capital Federal me desloco algumas vezes ao ano. Mas Brasília é o Brasil simbólico da modernidade. É o traçado arquitetônico de Oscar Niemayer e dos cálculos de Lúcio Costa. É um cartão postal que orgulha seu povo. É o espaço que encanta gentes do mundo: quanta beleza, costumam exclamar. Esse simbolismo nos pertence. Há um pedacinho dele em nossos corações, que estão sangrando.

Terra arrasada

Os destroços dos ambientes internos dos três Poderes da República - Executivo, Legislativo e Judiciário - mostram, por si só, o território arrasado, destruído, violentado, que envergonhará os operadores do caos por todos os dias de suas vidas. Imaginem o que diria Niemayer, fosse vivo, ante a moldura mutilada, estropiada? Imaginem o olhar de Di Cavalcanti diante de sua obra "As Mulatas", perfurada em sete pontos? Imaginem a Deusa da Justiça lendo a pichação "Perdeu, Mané" sobre sua estátua ou a artista Marianna Peretti vendo destruído seu vitral "Araguaia", que decora o salão verde do Congresso Nacional? Foram tantas as obras de arte conspurcadas, despedaçadas, que os atos de vandalismo ficarão gravados no painel das maiores barbaridades do planeta. Quanta crueldade pintar o bigode de Hitler no desenho de José Bonifácio, o patriarca da Independência. Quanta estupidez! Uma vergonha que mancha a nossa cara. Os vândalos não conhecem História. Não há exagero. Confesso.

Qual será a Justiça?

Que tratamento merecem os bárbaros, que depredaram o plenário da mais alta Corte de Justiça do país? O que os ministros do Supremo Tribunal Federal decidirão sobre o amanhã dos bandidos? Pelo que se infere, agirão com o rigor que o crime exige, sendo exemplo a firme determinação do ministro Alexandre de Moraes em ordenar a desmobilização das incubadoras do terror, os tais acampamentos onde fiéis da radicalização montaram seus quartéis-generais, aparentemente acobertados pela leniência dos chefes militares.

Sejamos verdadeiros

Não é hora de fanfarrices, desculpas, justificativas, denúncias sobre infiltrações, estórias da carochinha, milongas. Na visão deste analista, cada Poder e respectivas autoridades em suas estruturas têm uma parcela de responsabilidade/irresponsabilidade sobre os terríveis acontecimentos. Tentemos mostrar as causas.

Sinais

Primeiro: há tempos o país vive sob o presságio de borrascas e tempestades que se abateriam sobre o tecido institucional. Nunca os perdedores aceitaram resultados do pleito.

Segundo: as ameaças dos perdedores das eleições, com origem em enclaves bolsonaristas, formaram nuvens pesadas sobre os espaços institucionais desde outubro do ano passado. Portanto, o aviso estava no ar.

Terceiro: parcela dos militares comunga(va) da ideia de uma mobilização de contingentes populares para impedir um governo comandado por Luiz Inácio Lula da Silva.

Quarto: a reação de comandantes das Forças foi tênue ante os anunciados impactos de invasão das sedes dos Poderes.

Quinto: a reação do ministro da Defesa, de apaziguar e confiar na vertente tempo para desmobilizar os acampamentos bolsonaristas, foi fraca.

Sexto: a PM do DF foi leniente, sob a complacência do governador Ibaneis.

Sétimo: a reação dos organismos de defesa e controle do Executivo Federal esteve abaixo da crítica. Um Executivo que não soube se defender.

Oitavo: nenhum Poder apostava no caos destrutivo e ficou de braços parados. Mesmo tendo recebido informações de organismos de controle e inteligência. A Abin foi jogada na lixeira.

Milongas

Circulam vídeos de participantes dos atos bárbaros jogando a quebradeira sobre os ombros de esquerdistas. E mentindo de maneira deslavada: dizem que já morreram quatro pessoas entre os detidos. E conclamam à guerra contra o mal. Milongas. Tergiversação. Mentiras. Querem agora impingir a outros sua barbárie. Quem foram os financiadores? Quais as causas que os trouxeram à Brasília? A ameaça de comunismo? Ah, ah, ah. Comunistas são raros. A China? Meus caros, aquele território é um capitalismo de Estado. Cuba, Venezuela? Ora, são sistemas em processo de desmantelamento. Milongueiros com versões estapafúrdias não convencem.

Deolinda

De O Globo: Para disseminadores de informações falsas, esta é a segunda vez que Deolinda Tempesta Ferracini morreu. A primeira foi quando usaram sua imagem em um boato relacionado à Covid-19. Agora, dizem que seu óbito ocorreu após ser presa pelo ato terrorista nas sedes dos três poderes em Brasília no domingo. Diante disso, sua família acordou nesta segunda-feira com a caixa de mensagens lotada, sentindo uma revolta ainda maior pelo uso indevido de imagem - mais uma vez.

Em suma

A REAÇÃO foi muito aquém da AÇÃO.

Os ganhadores

1. No curto prazo, os bárbaros invasores ganharam a luta. Cantam vitória, mas atribuem a quebradeira a outros. Ou sejam, se vestem de covardes.

2. No médio prazo, Lula, a partir da hipótese de que poderá catalisar o sentimento de defesa da Nação contra os bárbaros. Vítima do processo antidemocrático.

3. No longo prazo, o Centrão democrático com ideário claro.

4. O ministro Alexandre de Moraes, do STF, um monumento de coragem e ação.

5. A imprensa de análise e interpretação, com suas analíticas molduras.

Os perdedores

1. O Brasil - A imagem do país fica manchada no panorama mundial, com a legenda de que a democracia brasileira não é consolidada e sujeita a abalos e sismos.

2. Os brasileiros, em sua imensa maioria. O simbolismo de Brasília, com seus palácios icônicos, foi atingido, abalando nossos corações.

3. Os bárbaros, como já se começa a ver. Também entram nessa classificação de perdedores, mesmo sendo citados na coluna anterior.

4. A extrema direita - Tende a ficar isolada e a estreitar seu núcleo.

5. Jair Bolsonaro - O papel de liderança da direita torna-se menos confiável.

6. O governador Ibaneis, do Distrito Federal, e o ex-secretário (ex-ministro), Anderson Torres.

7. Os financiadores e patrocinadores dos atos terroristas.

8. As Forças Armadas - Sua imagem ganha manchas. Divisão entre alas e grupos.

9. Os partidos políticos - Terão de se reinventar para enfrentar tempos turbulentos.

10. Os fomentadores e influenciadores do golpe. A Jovem Pan, entre eles.

11. Os núcleos de "massa de manobra", a plebe usada como arma para destruir a civilização. E seus mobilizadores.

Perda

Um gigantesco cobertor de tristeza pela perda irreparável do país cobre o corpo nacional.

Fecho com um aceno aos governantes.

Pequena lição

De Carlos Matus, cientista político chileno, ideólogo do Planejamento Estratégico Situacional:

"Não perder o controle."

Dois princípios

- Nunca descuidar da perda de controle sobre o processo de governo, se a governabilidade cai abaixo de seu ponto crítico;

- Se isso ocorrer, tentar imediatamente reverter o processo de desacumulação de força, evitando ingressar nos limites de perda de capacidade de reverter o processo.