Abro a última coluna do ano com essa hilária historinha de Pernambuco.
"O carro se atolou-se"
Walfredo Paulino de Siqueira foi um típico coronel da política pernambucana. Escrivão de polícia, comerciante, deputado, industrial, presidente da Assembleia, vice-governador de PE. Era uma figura folclórica. Certo dia, dois eleitores discutiam sobre o uso da partícula "se". O exemplo era com um automóvel que ficara preso em meio a um atoleiro. O primeiro afirmava que a forma correta de se expressar era dizer: "o carro atolou-se"; o outro insistia que não; o correto era "o carro se atolou".
Consultado, Walfredo deu a sentença salomônica:
- Escutem aqui, meus caros. Se os pneus que ficaram presos foram os dois da frente, o correto é dizer que "o carro se atolou". Se foram os pneus traseiros, a gente fala assim: "o carro atolou-se". Mas, acontecendo de ficarem presos os quatro pneus, os de frente e os de trás, então, meus filhos, a forma correta mesmo é "o carro se atolou-se"...
PANORAMA
Adeus, 2022
O ano que finda não deixará saudades. Será? Devo estar errado. Para muitos, pode ter sido um ano muito venturoso, cheio de vitórias. Uma reflexão mais aguda indica que 2022 amadureceu lições e concepções. Foi um ano de muitas mortes, sofrimento, perdas e tristeza. Mas trouxe alegrias para milhões de seres. Os que conseguiram caminhar. Entre o ponto e o contraponto, deixo minha mensagem de confiança no amanhã. Com uma pitada de firme disposição. Afinal, "somente aqueles que se arriscam a ir longe terão condições de saber até onde podem chegar", nos ensina T.S. Eliot.
Os horizontes: a política
2023 não será o ano de redenção de nossas vidas. Temos de admitir que a trajetória será longa. Teremos um Parlamento com a cara de nossos costumes, costuras aqui e ali, trocas e recompensas, quadros mudando de partido pelas janelas partidárias, pressões por cargos e espaços. Os deputados e senadores seguirão a cartilha do pragmatismo. Deverão se acomodar no planalto de Brasília, garantindo a governabilidade. Tudo d'Antes como no quartel d'Abrantes.
O governo Lula
O país está rachado ao meio. O governo Lula será mais trabalhoso. Encontrará dificuldades na operação de seus programas. Garantirá, de início, dinheiro para o cobertor social, com o qual acariciará o coração das margens. Mas a crise na economia - com gastança desenfreada - afetará a imagem do Lula 3. Os primeiros 100 dias sinalizarão o prazo de paciência a ser dado pela comunidade para o governo pôr a máquina para funcionar. Lula desenha a cara de sua administração com a tinta do petismo, a mais forte. A Frente Ampla viu estreitado seu espaço.
O Judiciário
O Poder Judiciário, particularmente o STF, deverá refluir em seu ímpeto de "politização". Claro, sob menor quantidade de demandas partidárias que pedem sua decisão em matéria constitucional. Terá uma interlocução mais harmônica com o Executivo e com o próprio Legislativo. Os Poderes, portanto, desenvolverão suas atividades sob a égide da boa vontade em evitar altas tensões. O ministro Lewandovski deverá se aposentar por volta do final do trimestre de 2023. Momento em que terá chances de ser indicada para o lugar uma mulher. Uma jurista negra.
O bolsonarismo
Causa espécie o silêncio do presidente que sai, o eloquente Bolsonaro, nesse momento. Estaria esse comportamento inserido no rol de ações com mira em um golpe, como tanto apregoam bolsonaristas "raiz"? Jair não passará a faixa, fato inusitado, mesmo que tenhamos visto coisas semelhantes, com o presidente João Figueiredo, que se recusou a passar a faixa presidencial ao eleito pelo Congresso, presidente José Sarney. Bolsonaro, diz-se, passará um "tempo sabático", possivelmente no resort de luxo de seu "amigo", Donald Trump, na Flórida.
A liderança da direita
Jair Bolsonaro, ao que parece, não se sente no papel de líder da direita. Que exige do perfil capacidade de comando, articulação, mobilização das massas etc. Seu figurino está mais para o Executivo. Por isso, é previsível a fragmentação dos grupos de direita que estarão à busca de um comandante. Para onde navegarão esses náufragos? Quem os levará ao porto seguro? O PL, de Valdemar da Costa Neto, sobreviverá com uma liderança atabalhoada?
Simone, Haddad e Alckmin
Pois é, o novo governo nem assume e já estão no ar os nomes dos figurantes que estarão na arena de guerra em 2026: Simone Tebet, Geraldo Alckmin e Fernando Haddad. Simone aceitou ser ministra do Planejamento, com o compromisso de colaborar com a feição social da administração, olhando para as demandas da área. Haddad não gostou muito da escolha, porque não quer dividir com ninguém eventuais êxitos no território da economia. Ademais, Simone é liberal na economia, enquanto Haddad pertence à corrente de economistas heterodoxos. Já Alckmin, que tem se comportado com elegância e desenvoltura, vai manter estreitos contatos com o empresariado, do alto de sua posição de vice-presidente da República e ministro da Indústria, Comércio e Serviços. Os três entram na luta presidencial de 2026.
Sem bancos públicos
O MDB esclarece que a senadora nunca exigiu o Planejamento turbinado pelos bancos públicos. O que ela disse: a função do ministério deve ser a de planejar as ações da administração direta e indireta, levando sugestões, por exemplo, para políticas habitacionais, na Caixa, e de apoio e fomento ao agronegócio, via Banco do Brasil.
E a pressão?
O ditador vai ao médico:
- E a pressão, doutor?
- O senhor sabe o que faz, meu general. Neste momento, ela é imprescindível para manter a ordem.
Terrorismo
O ministro da Justiça de Lula, Flávio Dino, promete acabar com esse ativismo na porta dos quartéis do Exército, um berço de terroristas, segundo ele. Dino já acertou com os novos ministros da Defesa e do Exército providências para limpar os agrupamentos acampados nas cercanias dos quartéis. A prisão de um empresário e a identificação de seus parceiros constituem fator de desencorajamento de ações terroristas.
O ministro Dino
Este consultor teve oportunidade de travar boa interlocução com Flávio Dino por ocasião de sua temporada na presidência da EMBRATUR nos idos de 2011. Substituiu Mário Augusto Lopes Moysés. Ali, desempenhou profícua missão. E abriu a carreira política, depois, vencendo o grupo Sarney, no Maranhão. Dino é um sólido conceituador. Deve fazer boa gestão como ministro da Justiça. Bela escolha.
Equipe de Haddad
Fernando Haddad se cerca de um grupo de jovens economistas. Bernard Appy é elogiado pelo mercado. Tem lastro. Os restantes ganham um olhar desconfiado.
Kassab, o articulador
Gilberto Kassab é um exímio articulador. Será a principal peça na engrenagem de articulação com prefeitos e deputados durante a gestão Tarcísio de Freitas, em São Paulo. Se o novo governador for aprovado com louvor, será uma estrela brilhante nos céus de 2026. A conferir.
Não sabe que não sabe
De Carlus Matus, sociólogo chileno.
Conto uma parábola: "há pessoas que não conseguem perceber o que se passa ao seu redor. Não veem que não veem, não sabem que não sabem".
Pequeno relato.
Zé caiu em um poço e está a 10 metros de profundidade. Olhava para os céus e não viu o buraco. Desesperado, começou a escalar as paredes. Sobe um centímetro e escorrega. Passou o dia fazendo tentativas. As energias começaram a faltar. No dia seguinte, alguém que passava pelo lugar ouviu um barulho. Olhou para o fundo do poço. Enxergou o vulto de Zé. Correu e pegou uma corda. Lançou-a no buraco.
Concentrado em seu trabalho, esbaforido, cansado, Zé não ouve o grito da pessoa:
- "Pegue a corda, pegue a corda".
Surdo, sem perceber a realidade, Zé continua a tarefa de escalar, sem sucesso, as paredes. O homem na beira do poço joga uma pedra. Zé sente a dor e olha para cima, irritado, sem compreender nada. Grita furioso:
- O que você quer? Não vê que estou ocupado?
O desconhecido se surpreende e volta a aconselhar:
- Aí tem a corda, pegue-a, que eu puxo.
Zé, mais irritado ainda, responde sem olhar para cima:
- Não vê que estou ocupado, ó cara. Não tenho tempo para me preocupar com sua corda.
E recomeça seu trabalho.
Parábola: "Zé não vê que não vê, não sabe que não sabe".
DESEJO ÀS AMIGAS E AMIGOS, LEITORAS E LEITORES, UM 2023 PLENO DE BOAS REALIZAÇÕES.
MUITA SAÚDE!
UM ABRAÇO DO GAUDÊNCIO TORQUATO