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Porandubas nº 780

quarta-feira, 5 de outubro de 2022

Atualizado às 07:46

É hora de refletir, não de rir. O que deixa este analista de política com uma pulga na orelha. Devo dispensar as historinhas que abrem a coluna? Pensei, pensei e conclui: não. Afinal, tenho de manter a identidade de Porandubas.

Vai uma historinha. Apropriada para o momento. Com desculpas se o relato se insere no livro do "politicamente incorreto". Ponho a culpa sobre os ombros do amigo Sebastião Nery.

Deu-se o vice-versa

Dr. Dantinhas, deputado da Bahia, elo de todo um clã político do Estado (neto do Barão de Geremoabo), foi convidado para padrinho de casamento da filha de um coronel do sertão. No dia de viajar, recebeu telegrama:

- Compadre, não precisa vir. Deu-se o vice-versa. Menina morreu.

(Deu-se o vice-versa nos resultados do primeiro turno das eleições?)

  • Panorama

Descem as cortinas

E eis que as cortinas descem, encerrando o primeiro capítulo da peça assistida por milhões de brasileiros de todos os rincões. O espetáculo foi acompanhado, passo a passo, sob as cornetas de institutos que teimavam em apontar: o caminho é aqui, a vereda é ali, a curva é acolá. As multidões, sem darem ouvidos aos tonitruantes ecos que saiam das trombetas e clarins, seguiram seu próprio instinto.

E que surpresa...

E a surpresa não tardou a se mostrar. As trilhas enveredadas abriram horizontes não imaginados. Trilhas que sinalizaram na direção da direita, estreitando as vias da esquerda, e encorpando os caminhos com os contingentes do conservadorismo. Vamos aos fatos, agora com a linguagem da objetividade. A comunidade política, situada à direita do arco ideológico, deu as caras. As esquerdas, com seus punhos fechados, só conseguiram sair aos trancos do canto do ringue.

Pesquisas erraram

Os diretores dos Institutos de Pesquisa (Datafolha, IPEC), aturdidos, explicam que houve, nos últimos dias, uma movimentação em direção a Bolsonaro. Não fiquei satisfeito com tal explicação, mesmo que se admita ter faltado apenas 1,57 ponto percentual mais um para Lula liquidar a fatura domingo passado. Uma onda conservadora emergiu no país. O conservadorismo enrustido deveria ter sido flagrado pelas pesquisas bem antes. Houve superestimação da esquerda e subestimação da direita. Essa é a verdade. Quem mais chegou perto dos resultados, urge lembrar, foi o Paraná Pesquisas, dirigido por Murilo Hidalgo.

O erro

As pesquisas sempre davam Bolsonaro como detentor de 35% a 38% dos votos. Teve 43,2% dos votos válidos. Não é crível que essa avalanche de votos de Bolsonaro tenha ocorrido nos últimos dias de campanha. Será que esses votos saíram do bornal de Ciro e Simone? Mas isso não poderia ter sido previsto? Ora, sinais de mudança deveriam ter sido detectados. O ganho psicológico da campanha bolsonarista pode influenciar o voto no 2º turno.

O bumerangue

A aceitar a hipótese dos Institutos de Pesquisa, teremos de admitir que a campanha contra os votos úteis, liderada por Ciro Gomes, acabou se voltando contra ele. Ou seja, ele teria deixado o índice de 6% para descer ao patamar dos 3%. Um bumerangue.

E em São Paulo, hein?

Fernando Haddad (PT-SP) sempre liderou por muitos pontos a campanha paulista, deixado Tarcísio Freitas (Republicanos-SP) longe do pódio. E eis que ocorreu o inverso. Tarcísio chegou na frente por largos passos. Abocanhou a maioria dos votos do maior colégio eleitoral do país.

Bolsonarismo robusto

A verdade das urnas aparece, nua e crua. O primeiro embate, mesmo vencido por pontos por Luiz Inácio Lula da Silva, deixou ver passos avançados da direita, com a performance de Jair Bolsonaro que, agora, se apresenta como o ator central de uma peça muito aplaudida. A bolha da classe média vazou, permitindo inundar outras bolhas em seu entorno. Bolsonaro ganhou no Estado-líder da Federação, São Paulo, gigante de votos. Mesmo que Lula tenha sido vitorioso na capital.

A conquista

Bolsonaro ganhou o primeiro turno em SP com 47,71% do eleitorado do Estado. Já Lula venceu na capital paulista, com 47,54% nesse 1º turno. Bolsonaro conquistou boa parte das cidades do interior, inclusive algumas do Vale do Ribeira, região mais pobre do Estado, e onde fica a cidade em que viveu, Eldorado, onde obteve 50,31% dos votos. Lula obteve vitórias em cidades da região metropolitana, como São Bernardo do Campo, com 49,17%, seu reduto eleitoral, e em municípios do Pontal do Paranapanema.

Triângulo das Bermudas

Este analista, como seus leitores bem sabem, sempre defendeu a hipótese de dois turnos. E mais: sempre apregoou que o resultado das urnas teria um final, que iria depender do resultado no Triângulo das Bermudas, que agrega São Paulo, Minas Gerais (2º maior colégio) e Rio de Janeiro (3º colégio). Lula ganhou em Minas Gerais, mas não se pode esquecer que Romeu Zema, o governador reeleito, acaba de declarar apoio a Bolsonaro. No primeiro, o governador tentou esconder esse apoio. Minas poderá ser decisivo.

Nordeste

Lula venceu no Nordeste, de ponta a ponta. Os programas assistenciais de Bolsonaro não influenciaram a votação. É possível que até o final do mês, com bateria massiva, os trunfos do governo - Auxílio Brasil, preço dos combustíveis, a partir do Auxílio-Gás e da gasolina - cheguem às margens carentes. Ou seja, com uma campanha de comunicação focada em benefícios, incluindo a dinheirama que o Tesouro vai desembolsar (até antecipação do 13º aos servidores), poderá dar impulso a Bolsonaro na região nordestina.

O fato

O fato é que uma hipótese se firma: Bolsonaro só ganhará se mudar a intenção de voto de redutos lulistas. E Lula só ganhará se mantiver incólumes seus redutos, que não mudariam de postura, e mais, puxando parcela dos votos de Simone Tebet e Ciro Gomes. Sabemos que frações irão para os dois lados. Já a abstenção tende a aumentar, principalmente em Estados que já definiram os candidatos ao governo.

As contas do dr. Istênio

O bom pensador Istênio Pascoal, renomado nefrologista de Brasília, faz as contas e manda para a Coluna: "em relação ao 1º turno de 2018, Bolsonaro perdeu votos no Centro-Oeste, no Sudeste e no Sul, empatando no Norte e do Nordeste. Com 99,9% dos votos apurados, a diferença de Lula para Bolsonaro é de 5,18% votos, ou 6.122.000 votos apurados. Os votos de Simone e de Ciro somam 7,21% ou 8.511.380 votos. Bolsonaro ultrapassará Lula no 2º turno se tiver 7.316.690 dos votos somados de Simone e Ciro." E arremata Istênio: "não é impossível, mas é bem difícil."

Dados para todos os gostos

A leitura da campanha abre interpretações múltiplas. Há dados para todos os gostos. Por exemplo: Lula retomou 63% dos redutos petistas perdidos (266) em cidades maiores; o PT teve 25,9 milhões de votos a mais do que teve em 2018; a federação liderada pelo PT passou de 68 para 80 representantes.

A abstenção

Olhem para a abstenção. Olhem para os contingentes que não irão mais às urnas. Ali pode estar a marca da vitória.

No Congresso

Bolsonaro conseguiu fazer uma grande bancada no Congresso. No Senado, teremos uma gorda bancada bolsonarista. Na Câmara, os partidos que apoiaram Bolsonaro no 1º turno elegeram 185 deputados, enquanto a bancada de apoiadores de Lula elegeu 125. Siglas que não apoiaram nenhum dos dois elegeram 198 parlamentares.

Famosos de fora

Quadros famosos que desfilavam na passarela mais alta do Parlamento ficaram de fora. Vejam o nome de alguns:

- José Serra (PSDB-SP) - candidato a deputado Federal, 88 mil votos;

- Eduardo Cunha (PTB-SP), candidato a deputado Federal, 5 mil votos;

- José Anibal (PSDB-SP), candidato a deputado Federal, 7.600 votos;

- Paulinho da Força (Solidariedade-SP), candidato a deputado Federal, 64.000 votos;

- Romero Jucá (MDB-RR), para o Senado, 91.000 votos;

- Fernando Collor (PTB-AL), para o Governo, 223.000 votos;

- Kátia Abreu (PP-TO), para o Senado, 145.000 votos;

- Álvaro Dias (Podemos-PR), para o Senado, 1,3 milhão de votos;

- Marconi Perillo (PSDB-GO), para o Senado, 626.000 votos;

- Marcio França (PSB-SP), para o Senado, 7,8 milhões de votos;

- Arthur Virgílio (PSDB-AM), para o Senado, 179.000 votos;

- Roberto Requião (PT-PR), para o governo, 1,5 milhão de votos;

- Henrique Alves (PSB-RN), deputado, 11.630 votos

- Aldo Rebelo (PDT-SP), para o Senado, 230.000 votos.

Tucanos em revoada

Os tucanos, famintos por falta de alimentos na floresta, batem em retirada. Irão para onde? Para o refúgio dos que morrem por inanição, melhor dizendo, por falta de votos. Aquela sigla famosa, que sempre ensaiou os passos da terceira via no Brasil, abrindo o ciclo da social-democracia, se esgarça, rompendo os fios que a mantinham sólida. FHC se aposentou da política. Serra amarga uma feia derrota em São Paulo, não conseguindo colher votos suficientes para deputado Federal. Alckmin foi para o PSB. Tucanos de todo o país batem asas.

Rodrigo, a esperança que se esvai

Rodrigo Garcia, que não conseguiu se reeleger em São Paulo, era a última esperança dos tucanos. Ficou em terceiro lugar na corrida ao governo. Foi trazido ao tucanato pelas mãos do ex-prefeito de São Paulo e ex-governador do Estado, João Doria, que decidiu se retirar da vida pública. Rodrigo faz um bom governo, mas o eleitorado paulista dá sinais de exaustão, de saturação. Quer mudança. Afinal são mais de três décadas de domínio tucano, desde os idos de Franco Montoro.

Caciques e índios

Afinal, para onde irá o PSDB? Que tem uma história marcada pela insinuação de abrigar muito cacique e pouco índio. E é distante das bases. Qual é, hoje, a mensagem do PSDB? Será que engolfado pela onda conservadora que inunda os países? Ao ser concebida, a socialdemocracia brandia como escopo o estabelecimento do Estado de bem-estar social (baseado na universalização dos direitos sociais e laborais e financiado com políticas fiscais progressistas) e o aumento da capacidade aquisitiva da população.

A visão europeia

Essa meta tinha como alavanca o aumento dos rendimentos do trabalho e a intervenção do Estado nas frentes de gastos e regulação de atividades-chave para a expansão econômica. Mas a partir dos anos 70 a 80 os partidos socialdemocratas passaram a incorporar princípios neoliberais e estes impregnaram a ideologia dominante da União Europeia. A doutrina socialdemocrata ganhou novos contornos na esteira da globalização. Os partidos de esquerda arquivaram velhos jargões, como Estado burguês, classe dominante, submissão a interesses do capital financeiro.

Ausência de discurso

Hoje, as teias sociais estão sendo bem costuradas, programas de distribuição de renda passaram a frequentar a mesa de todos os núcleos, a ideia de extinguir a miséria continua acesa, mas a receita do "velho socialismo" aparece de forma esporádica e, mesmo assim, sujeita a apupos. Se o PSDB se ressente da ausência de discurso, é porque seu tradicional menu foi repartido por outros comensais. Tocar corneta sobre os buracos da obra governamental - como tem sido prática de partidos de oposição - não tem a mesma significação que um projeto estruturante para a realidade brasileira.

Adeus aos que partem. Sucesso aos que continuarão a seguir o Caminho de São Judas Tadeu, o santo das causas impossíveis. Que o querido padroeiro ajude os voadores tucanos a cruzar os ares.