Abro a coluna com o meu Rio Grande do Norte.
"Aposentem o homem"
Dinarte Mariz era governador do Rio Grande do Norte. Em uma de suas costumeiras visitas à Caicó, visitou a feira da cidade, acompanhado da sempre presente Dona Nani, secretária de absoluta confiança. Dá de cara com um amigo de infância e logo pergunta:
"Como vai, Zé Pequeno?"
O amigo, meio tristonho e cerimonioso, responde:
"Governador, o negócio não tá fácil; são oito filhos mais a mulher... tá difícil alimentar essa tropa vivendo de biscate. Mas vou levando até Deus permitir."
Dinarte o interrompe de pronto:
"Zé, que é isso, homem, deixe essa história de governador de lado. Sou seu amigo de infância, sou o Didi!"
Vira-se para Dona Nani e ordena:
"Anote o nome do Zé Pequeno e o nomeie para o cargo de professor do Estado."
Na segunda-feira, logo no início do expediente, Dona Nani entra na sala de Dinarte e vai logo informando:
"Governador, temos um problema, o Zé Pequeno, seu amigo, é analfabeto; como podemos nomear..."
Antes que concluísse a fala, o governador atalha:
"Virgem Maria, Dona Nani! O Rio Grande do Norte não pode ter um professor analfabeto. Aposente o homem imediatamente."
E assim foi feito!
(Historinha contada pelo amigo Lindolfo Sales).
I. Ligeiras lições de ontem
A morte de Getúlio
O suicídio do ex-presidente da República, Getúlio Vargas, completa, hoje, 68 anos. Vargas começou a governar em 1930, com o movimento (revolução) que destituiu o presidente Washington Luis e o impedimento do presidente eleito, Júlio Prestes. De 1930 a 1937, Vargas governou com as mãos férreas de ditador. Um populista com estreita ligação com as massas.
O nacionalismo
O sindicalismo cresceu sob a égide do Estado, a censura ganhou corpo com o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), o autoritarismo e nacionalismo acalentaram corações, sob o manto do populismo. Em 10 de novembro de 1937, Vargas deu o golpe que instaurou o Estado Novo, perdurando até 29 de outubro de 1945. Foi o período conhecido como Terceira República, ciclo em que priorizou investimentos em infraestrutura para o desenvolvimento industrial.
A ditadura
Já em 1935, o governo impulsionara sua propaganda anticomunista, legitimando o estado de sítio e instalando, em 1936, o estado de guerra. As eleições de 1938 não se realizariam. O momento de instabilidade política do país fez com que Getúlio Vargas desse o golpe de estado de 10 de novembro de 1937. A Constituição de 1934 proibia a reeleição de Getúlio, mas o ditador, matreiro, produziu o chamado Plano Cohen, um documento que atestava o plano comunista para destituir o governo. O plano, depois, foi denunciado como fraude. A ditadura ganhou apoio popular. Fez-se a Constituição de 1937, de inspiração fascista.
A transição
Em 1945, teve início um movimento chamado "queremismo", com foco na volta de Getúlio ao poder. Mas o slogan "Queremos Getúlio" não o sustentou, foi forçado a renunciar pelos militares. Organizou-se uma nova Constituição, iniciando-se a Quarta República, que vai de 1946 até 1964. A Constituição de 1946 teve caráter democrático. Elegeu-se o marechal Eurico Gaspar Dutra, que havia sido a favor da deposição de Vargas.
O pai dos pobres
Na eleição seguinte, de 1950, Getúlio, aclamado como "Pai dos Pobres", decidiu se candidatar ao cargo de presidente. Iniciada a campanha em agosto, o gaúcho agitou o país. Foram 80 discursos, versando sobre problemas locais, regionais e nacionais, saindo de São Borja e terminando também em sua terra natal. Ganhou com 48,73% (3.849.040) dos votos contra 29,66% (2.342.384) de Eduardo Gomes e 9,71% dos votos (569.818), de Cristiano Machado. Em 1953, criou a Petrobras, sob o slogan de "o petróleo é nosso". Em 24 de agosto de 1954, com um tiro no peito, suicidou-se. Deixou uma carta com um desabafo contra "os inimigos ocultos". Tem candidato se considerando "o pai dos pobres". A história se repete como farsa?
II. Breves lições de hoje
O coração de Pedro I
O país completará, daqui a poucos dias, em 7 de setembro, 200 anos de sua independência. Para marcar as comemorações pela data, o governo fez articulações com Portugal para trazer ao Brasil o coração do imperador Pedro I, que proclamou a independência com seu célebre "Grito do Ipiranga", que os historiadores dizem ter sido "gritado" às margens do riacho Ipiranga, na cidade de São Paulo.
Bizarrice
Para comemorar o bicentenário da Independência, o governo articulou com as autoridades portuguesas a vinda ao Brasil do coração de Pedro I, que é guardado numa igreja da cidade do Porto, e que deixa Portugal pela primeira vez em 187 anos. Chegou segunda-feira e a relíquia foi recebida com honras de chefe de Estado. Uma bizarrice que só se vê em regimes autoritários. Dia 8 de setembro, retorna à Portugal. Aliás, já tínhamos assistido, antes, a esse tipo de evento. Sob os anos de chumbo, em 1972, o governo Médici conseguiu o feito de trazer os restos mortais de Pedro I para as comemorações dos 150 anos da Independência. Os governos usam a simbologia encarnada por figuras de nossa história para elevar seu prestígio junto às massas.
Caixão maior
Detalhe: o caixão vindo de Portugal era 8 cm maior que o sarcófago. Por isso, o sepultamento definitivo só ocorreu quatro anos depois na Capela Imperial no Ipiranga, em 1976. Lembrando, Pedro I faleceu em 1834 e seus restos mortais estão sepultados na cripta imperial, localizada no Parque da Independência, em São Paulo. Mas o coração permanecia guardado na capela-mor da Igreja de Nossa Senhora da Lapa, sob responsabilidade da Irmandade de Nossa Senhora da Lapa, no Porto, em Portugal. O governo brasileiro sempre se esforçou para trazer ao país os restos mortais dos imperadores. A história tem um quê de comédia. A propósito, um "causo" hilário.
Escombros
O contínuo do doutor Ernane Galvêas, quando presidente do Banco Central, de 1968 a 1974 e de 1979 a 1980, entrou correndo no gabinete:
- Doutor, chegue na janela que estão passando lá embaixo os escombros de Dom Pedro.
Eram os despojos de Dom Pedro I desfilando na avenida Presidente Vargas.
A personalização da política
A política ganha a aura da personalização. O voto é dado a beltranos e sicranos, não a programas, projetos, ideários. Daí a dualidade que temos de enfrentar: Lula versus Bolsonaro, Ciro e Tebet contra os dois, os outros - poucos sabem seus nomes - a favor de si mesmos, eis que a campanha oferece um palco para que possam ser conhecidos. Essa é a política estática, que se amarra na árvore do grupismo, do companheirismo, das claques, milícias e militantes.
Golpe, sem condições
Com um clima social tenso em função da campanha eleitoral, a chegada do coração de Pedro I não tem sido objeto de tanta atenção por parte da mídia. Poderia ser o gancho nacionalista para acender a fogueira das massas, caso o presidente Bolsonaro não houvesse arrefecido sua disposição de agitar suas bases. O desfile de 7 de setembro foi suspenso. Boa decisão. A narrativa de golpe vai para o lixo. Veríamos dois paredões de contrários se atritando. Risco de confronto violento.
Baixando a poeira
Nos últimos tempos, o presidente Bolsonaro baixou a poeira. Limpou sua linguagem de virulência. Tem sido mais contido. A entrevista ao Jornal Nacional ganhou tom menos agressivo do que se imaginava. Não agregou votos, também não perdeu. Consolidou posições já firmadas por aliados e adversários.
Pesquisas diminuem distância
As pesquisas estão diminuindo as distâncias entre Lula e Bolsonaro. Se giravam em torno de 15 a 18 pontos, caíram para a margem entre 9 e 12 pontos. Na média. Os resultados exibem discrepâncias, com exceção para pesquisas realizadas por entidades de algumas regiões, contratadas por partidos.
A voz de Lula
O arsenal de Lula dispõe de muitas armas. Uma delas é sua voz inconfundível. Seus discursos gritados. Ouve-se um Lula mais rouquenho. Em final de campanha, isso é um perigo. Recados não são bem entendidos. Mensagens são perdidas. Por isso, a preocupação de Janja é ter sempre à mão garrafas de água mineral.
O Centrão se esgarça
O Centrão, que abriga cerca de 300 parlamentares, se esgarça. Um aqui, outro ali, dão sinais de distanciamento do candidato Bolsonaro, e pensam que é hora de já ir (opa, que coincidência) tomando posição na esfera da esquerda. Um risco? Sim. Mas, sempre, para eles, há maneira de voltar.
Empresários golpistas
Esse movimento de empresários na direção de golpe tem muito estardalhaço. Não é crível que apoiem iniciativa antidemocrática. Sabe-se que um e outro são favoráveis a medidas extremas para evitar a volta do lulopetismo. Daí a enxergar apoio massivo do empresariado é exagero. Vamos ver em que vai dar essa investigação, que já conta com mandado de busca e apreensão na casa de alguns homens de negócios. Esse analista mudará de posição, a depender das investigações.
O medo
Medo de ver a inflação disparar. Medo de faltar comida. Medo de o país cair numa rede esquerdista. Medo de o país cair numa teia direitista radical. Medo de violência se expandir nas ruas. Medo de ver o barco navegar à deriva. Medo de a pandemia voltar com força ao nosso cotidiano. Medo de não ter dinheiro para pagar as contas. Medo de não ter o que comer hoje e amanhã. Um país amedrontado é um país sem horizontes.
Fecho a coluna com um comício.
O que eu sou?
O caso é engraçado, mas verídico. O farmacêutico Claodemiro Suzart, candidato do PTB à prefeitura de Feira de Santana, decidiu fazer o comício de encerramento da campanha na rua do Meio, na zona do meretrício. E jogou o verbo:
"O povo precisa estudar a vida dos candidatos, desde o nascimento deles, os lugares onde nasceram, para saber em quem votar direito". Por exemplo, Arnold Silva, da UDN, nasceu em Palácio, nunca falou com o povo. O que ele é?
- Candidato dos ricos - gritava a multidão.
- É isso mesmo. Não pode ter o voto de vocês. E Fróes da Mota, candidato do PSD, nunca sentiu o cheiro de povo. Só gosta mesmo é do gado de sua fazenda. O que ele é?
- Candidato dos fazendeiros - delirava a galera.
- Isso mesmo. Não pode ter o voto do povo. Já eu, meus amigos, nasci aqui, nesta rua do Meio, a mais popular de Feira de Santana. E eu, meus amigos, o que eu sou?
Lá do fundo da turba, um gaiato soltou a voz:
- Filho da puta.
O comício acabou ali.
(Hilária historinha do grande narrador, Sebastião Nery, em seu Folclore Político/Geração Editorial, do jornalista Luiz Fernando Emediato).