Abro a coluna com um "causo" contado por Geraldo Alckmin.
"Me ajude, governador, me ajude"
Geraldo Alckmin é um colecionador de "causos". Todas as vezes em que encontra este consultor, saca logo a pergunta: "E as Porandubas?". O ex-governador de São Paulo não é apenas um leitor assíduo da coluna como um de seus colaboradores. "Causos" engraçados saíram da verve de Alckmin. Leiam este:
Um prefeito de São Paulo (omite-se o nome para evitar constrangimento) chega ao governador, e, sem mais delongas, expressa sua desolação:
- Governador, pelo amor de Deus, me ajude, me ajude, me socorra! Estou perdido!
- Por quê tanta aflição, prefeito, afinal você está apenas no meio do mandato. Há dois anos, ainda, pela frente.
O prefeito, cochichando no ouvido do governador, em tom de confessionário, conta o motivo do desespero:
- Governador, eu exagerei. Prometi demais, governador. Muito mais do que podia cumprir. E hoje, estou apertado por todos os lados. Não tenho condição de pleitear um novo mandato. Me ajude, governador, me socorra!
Alckmin abriu os braços, balançou a cabeça em sinal de dúvida, mas não teve coragem para dizer: "quem pariu Mateus que o embale". Preferiu abrir uma boa gargalhada.
(Prefeitos, cuidado com os exageros).
Natal
Saúde, saúde, saúde, saúde. Saúde. É o que este consultor deseja a todo o universo de leitoras e leitores. Paz e Bem.
Impunidade
Os trabalhos da CPI da Covid foram encerrados há quase dois meses. O relatório aprovado foi encaminhado às autoridades, principalmente à Procuradoria Geral da República, a quem caberia seguir adiante com os inquéritos sobre os nomes envolvidos. Mas o que se vê é a procrastinação das medidas, uma espécie de cobertor de amortecimento. Como havíamos previsto, a impunidade acabará vencendo.
Que adiantam as leis?
A Sólon, o legislador grego, foi perguntado se as leis que outorgara aos atenienses eram as melhores. Respondeu: "Dei-lhes as melhores que eles podiam suportar". É o caso de indagar: e no Brasil? Os nossos legisladores dirão que as leis até são boas, mas difíceis de aplicar. Generaliza-se a sensação de que o país navega nas ondas da impunidade. Sanguessugas e trânsfugas de todas as espécies, flagrados com a mão na massa, continuam leves e soltos, a confirmar a tese de que o Brasil é, por excelência, o território da desobediência explícita. Nada mais surpreende.
Passarela do crime
Não é de assustar se parcela significativa da população começar a aplaudir a bandidagem da quadra de baixo contra a turma que faz zoeira no andar de cima. Afinal de contas, a passarela da criminalidade nas ruas e o desfile de impunidade nas antecâmaras do Poder assumem dimensões grandiosas e formas escandalosas. Corruptos e facínoras, se condenados, ganham o mesmo status perante a lei. Não é de estranhar a anomia que toma conta do país.
Herança imperial
A impunidade vem de longe. Desde os idos da colônia e do Império, fomos afeitos ao regime de permissividade, apesar da rigidez dos códigos. Tomé de Souza, primeiro governador-Geral, chegou botando banca. Os crimes proliferavam. Avocou a si a imposição da lei, tirando o poder das capitanias. Um índio que assassinara um colono foi amarrado na boca de um canhão. Ordenou o tiro para tupinambás e colonos entrarem nos eixos. Mas em 1553 uma borracha foi passada na criminalidade, com exceção dos crimes de heresia, sodomia, traição e moeda falsa. Depois chegaram as Ordenações do Reino (Afonsinas, Manuelinas e Filipinas), que vigoraram até 1830.
Há ainda gente viva?
De tão severas, a ponto de estabelecerem a pena de morte para a maioria das infrações, Frederico, o Grande, da Prússia, ao ler Livro das Ordenações 23, chegou a indagar: "Há ainda gente viva em Portugal?" Os castigos, porém, eram frequentemente perdoados. A regra era impor uma dialética do terror e do perdão para fazer do rei um homem justiceiro e bondoso.
A esperança se extingue
O velho Tomé de Souza não poderia alegar ao rei o motivo para não punir os criminosos: "Não os mandei enforcar porque tenho necessidade de gente que não me custe dinheiro". Coitado, morreria de susto ao saber que o custo da violência no Brasil é, hoje, de cerca de R$ 500 milhões por dia, no cálculo de especialistas. Fosse esse o único saldo negativo, o país poderia comemorar. Mas o custo emocional é impagável. Vejam-se as mais de 600 mil mortes da pandemia. Morremos um pouco a cada dia. A esperança se extingue, a fé se enterra, o sonho se esvai no espaço das amarguras cotidianas.
Só faltava essa
Para lapidar a pedra bruta da imagem, basta o PCC mobilizar seus "exércitos nas ruas e forças de ocupação nos cárceres" em movimentos cívicos pela punição aos "criminosos do Parlamento". Não é de assustar se parcela significativa da população começar a aplaudir a bandidagem da quadra de baixo contra a turma que faz zoeira no andar de cima. Afinal de contas, a passarela da criminalidade nas ruas e o desfile de impunidade nas antecâmaras do Poder assumem dimensões grandiosas e formas escandalosas.
O poder invisível
Sob esse tecido costurado com os fios da ilegalidade nasce o poder invisível, cancro das democracias contemporâneas. No nosso meio, protegido pelo manto protetor da impunidade, o poder invisível sai do esconderijo e sobe à superfície. Os latinos diziam que a impunidade estimula a delinquência (impunitas peccandi illecebra). Bobbio lembrava: entre as promessas feitas pela democracia, uma é esta: a fragilidade no combate ao poder invisível. Castas, grupelhos, núcleos se formam nos intestinos do poder e passam a sugar as tetas do Estado, formando a aliança da tecnoburocracia: políticos, funcionários (burocracia) e círculos de negócios.
A reeleição
Outro cancro é a reeleição, que deveria ser um passaporte para os bons administradores voltarem à gestão pública. Tornou-se um passaporte para o território da lambança administrativa. FHC, que patrocinou a reeleição, hoje reconhece seus efeitos danosos. Os novos tempos sugerem um fim ao processo corrompido que leva à reeleição. Também poderíamos ter o recall legislativo, que permitiria que a população eleitoral decidisse, em meio ao mandato, suspender as atividades de quem não cumpre as promessas eleitorais. Como nos EUA.
Racionalidade
O fato é que corrupção, ilegalidade, impunidade, farra com o dinheiro público formam o pacote que atormenta a sociedade. A água está transbordando do copo. Pelo que se infere, o voto, a cada pleito, sobe do coração para a cabeça. Desse modo, importa acreditar na racionalidade, que implicará em eleição dos melhores e mais compromissados com as demandas sociais. Quando veremos isso? Já começamos a perceber que uma razoável parcela das casas congressuais é composta de quadros sérios e chegados à mudança de costumes.
Rejeição
Leitoras e leitores: atentem para o índice de rejeição de alguns pré-candidatos à presidência da República. O Datafolha aponta os campeões de rejeição: Jair Bolsonaro, com 59%, e Luís Inácio, com 38%. Eles poderão baixar esses altos índices? Sim, mas estarão engolfados pelas circunstâncias. E quem aposta em um céu de brigadeiro no próximo ano? Juros altos, inflação crescente, pandemia não controlada por completo. Haverá dinheiro no bolso das margens? O auxílio Brasil conseguirá aliviar o azedume social em 2022?
O Ártico
O planeta está esquentando muito. Quem já viu o filme Duna vai compreender. Um calorzão de 60ºC. O ártico chegou ao novo recorde: 38ºC. É o que alerta a ONU. Estamos vendo o planeta morrer aos poucos. Por aqui, com a aprovação legal à caça de animais, poderemos inferir que nossas florestas deverão antecipar a vida no inferno.