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Porandubas nº 736

quarta-feira, 17 de novembro de 2021

Atualizado às 09:09

Abro a coluna com um "causo" no Ceará

Que mundo doido....

É o diabo, o mundo endoidou, exclamava Maneco Faustino nas ruas de Limoeiro/CE. E completava:

- Veja vosmicê: ta se vendo estrela a mei dia; já hai galinha com chifre; cangaceiro dá esmola pra fazer igreja; já apareceu bode que dá leite; chove no Ceará em agosto. Muié já se senta em cadeira de barbeiro.

Pedro Malagueta confirmava:

Tá mesmo, cumpade, o mundo endoidou. Tenho três filha, duas casada e uma solteira: as duas casada nunca tiveram menino; agora a solteira todos os ano me dá um neto..

A banalidade da mentira

No capítulo IV de Minha Luta, o livro de Hitler, lê-se a recomendação: a mensagem deve ser repetida muitas vezes de forma que se torne um refrão a ser compreendido pelo último dos participantes da massa. É assim que a mentira ganha foro de verdade e acaba sendo internalizada na mente das massas ignaras. Sobe os degraus de sistemas cognitivos de outros segmentos da pirâmide social. Lá vão três mentiras: a floresta amazônica tem sido preservada desde 1.500, quando o Brasil foi descoberto; as máscaras contra a pandemia fazem mal às crianças; o INEP tem agora a cara do governo.

Dados reais

Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais mostram que o desmatamento da floresta amazônica batem o recorde de todos os tempos; dados da ciência, corroborados pela Organização Mundial da Saúde, da esfera da ONU, esclarecem que isso não é verdade; o pedido de demissão coletiva de cerca de 30 técnicos do INEP, por discordarem da "má gestão" no Instituto, escancaram a desorganização do setor, a ponto de ameaçar as provas do ENEM. Três mentiras que têm sido acrescidas ao repertório de invencionices do presidente Jair. Que, agora, vai bater na pauta ultraconservadora, conselho do consultor norte-americano Steve Bannon, ex-conselheiro de Donald Trump.

E daí?

Qual será a repercussão dessas estrambóticas versões? A passagem do campo da mentira para o campo de fruição/satisfação das bases bolsonaristas. Como isso ocorre? Valho-me dos conceitos: O cidadão age de três maneiras em relação ao que ouve: nivela o discurso, colocando-o em um certo nível de compreensão; processa a interpretação, de acordo com o seu sistema de signos; e aguça o que lhe chama mais atenção. Exemplo: uma pessoa fala com outra, e esta o compreende porque a linguagem usada é conhecida por ambos; pelo processo de associação de ideias, o receptor nivela o discurso trazendo para o sistema de signos que domina.

Aguçamento

O processo de compreensão constitui, portanto, um sistema de interpretação, que se apoia no código comum de linguagem do emissor e do receptor. Se o receptor é atraído por alguma coisa (palavra, frase, ideia), acontece o seguinte fenômeno: sua atenção fica aguçada, porque foi despertada por algo que o tocou mais de perto. Aguçada a atenção, a mensagem é assimilada. Depois de assimilada, o receptor passa a comprar a ideia. Ao contrário, se não gostar, ocorrerá outro fenômeno: um ruído, um desvio ou o esquecimento da mensagem. Qual é o conselho que se pode dar para garantir a eficiência desse processo?

Pontos originais

Escolher os pontos mais importantes, os aspectos básicos que interessam ao(s) interlocutor(res). Escolher os pontos mais originais. Quando se escolhe um aspecto original, criativo e interessante, cria-se maior atenção. Uma dica: ser criativo sempre na apresentação de programas e ideias, repetir os aspectos fundamentais, porque a redundância é uma lei importante da comunicação. Quanto mais se repete, mais se grava a mensagem na mente do eleitor. A repetição incessante da mesma fórmula, acrescida de excitações luminosas, recursos de computação gráfica e sons obsedantes, acaba criando um estado de fadiga mental que subordina aquele a quem se destina. Outros recursos são usados.

Emoção

As pessoas tendem a acreditar em coisas que gostariam de ver realizadas, mesmo que os argumentos usados não sejam bem fundamentados. Basta serem apoiadas em emoção. É o recurso utilizado geralmente por advogados para convencer os jurados: "senhores jurados, não esqueçam que essa mulher batalhou, lutou arduamente, para exercer o direito de ser mãe". Quantas vezes as pessoas são levadas a decidir em função de falsos argumentos ou silogismos do tipo: "nenhum gato tem oito caudas; e cada gato tem uma cauda a mais que nenhum gato. Logo, cada gato tem nove caudas".

Mistificação psíquica

A mensagem de caráter propagandístico vale-se frequentemente desse tipo de recurso, o que, convenhamos, é uma enganação psíquica. Sob uma emoção profunda, uma pessoa atingida por uma palavra imperativa, uma ordem, que "se torna irresistível, graças à irradiação em todo o córtex da inibição por ela causada", atesta Tchakhotine. Esses mecanismos psíquicos afetam principalmente os mais ignorantes, que se curvam facilmente às sugestões. Daí podemos aduzir como as massas se dobram ao discurso político.

Impacto da economia

Esses mecanismos são influenciados pelo painel exterior, do qual sobressai o mais importante, o fator econômico? Se a economia crescer 5% com o índice de felicidade bruta jogando dinheiro no bolso do consumidor, o processo de assimilação do discurso do protagonista que proporcionou esse 'presente' será facilmente aceito. The Economist acaba de dizer que economia brasileira chegará a uma quebra de 10%, com a sensação de alto desemprego e inflação em alta. Paulo Guedes desmente e diz que The Economist deveria fazer tais projeções para a Inglaterra, onde o declínio econômico chega a 10%. Tudo indica que a recuperação brasileira dependerá do ritmo da economia mundial. Não existe país em bonança no meio da tempestade.

Candidato de oposição

A terceira via só prospera em cenário de desgaste e desaceleração econômica. Seja qual for o candidato: Ciro Gomes, Sergio Moro, Rodrigo Pacheco. João Doria/Eduardo Leite ou outro. Ciro tem o desgaste de seu destempero; Moro agrega certa dose de "inocência", desperdiçando o que tem de melhora (mas a campanha não é a de 2018); Pacheco ainda é desconhecido e teria, primeiro, de juntar os rebanhos eleitorais de MG; Doria tem como foco um intenso esforço para diminuir sua rejeição, o selo de paulista; Leite teria de provar experiência e conhecimento de Brasil.

Lula+Alckmin

É como juntar água e óleo. Não se misturam. Geraldo acaba de ganhar elogios de Lula e os devolve de maneira educada. Parcela significativa de seu eleitorado rejeita uma chapa com os dois. O ex-governador de São Paulo por quatro vezes faria melhor se entrasse no PSD de Gilberto Kassab. Para disputar o governo de SP com Marcio França (PSB), de vice. Deixou uma imagem de ponderação e exibe farta experiência.

O marketing de campanha

O marketing político eleitoral abriga duas vertentes: o marketing massivo, voltado para atingir classes sociais e categorias profissionais, indistintamente; e o marketing vertical, segmentado ou diferenciado, voltado para atender agrupamentos especializados: profissionais liberais, donas de casa, formadores de opinião, núcleos religiosos, militares, funcionários públicos, etc. Nas campanhas, o marketing segmentado acaba assumindo tanta importância quanto o marketing massivo. E a razão está na intensa organicidade da sociedade brasileira.

Para onde irá Bolsonaro?

O presidente impõe condições para ingressar no PL de Valdemar da Costa Neto. A mais importante: evitar que o PL de SP possa acompanhar e apoiar a jornada de João Doria. E mais: que receba as maiores fatias do fundo partidário. Ou seja, que seja o mandachuva do partido. Ora, nenhum líder de partido do Centrão admite esse tipo de perda. Valdemar, o boy, como é conhecido, está convocando os presidentes dos diretórios regionais para fazer uma sondagem. O que se vê é uma debandada de aliados fugindo de partidos sob o temor de derrocada do capitão Bolsonaro.

Calendário das projeções

Qualquer previsão, nesse momento, será precipitada. O desemprego atinge índice acima dos dois dígitos. A retomada da economia se dá de forma lenta. O auxílio Brasil, que substitui o Bolsa Família, é a esperança de Bolsonaro. Mas será de quanto, R$ 400, R$ 600? Haverá exclusão de famílias? No Nordeste, região-chave, Bolsonaro sofre rejeição. As projeções positivas feitas por uns e outros não conferem com a realidade. Pelo menos junto às populações de Pernambuco e Bahia. Esse final de ano será na base de dois pra lá, dois pra cá. Os horizontes ficarão mais claros a partir de abril de 2022.

Os graúdos

Os deputados que obtiveram índices altíssimos nas últimas eleições não repetirão o feito. Os graúdos serão impactados pela reversão de expectativas.

Primórdios do marketing político

"Rastreie, vá ao encalço de homens de toda e qualquer região, passe a conhecê-los, cultive e fortaleça a amizade, cuide para que em suas respectivas localidades eles cabalem votos para você e defendam sua causa como se fossem eles os candidatos". (Quinto Túlio Cícero aconselhando o irmão Marco Cícero, o grande tribuno, em 64. A. C., quando este fazia campanha para o Consulado de Roma).

Fecho a coluna com uma observação

Municipalização x Nacionalização das campanhas?

Questões importantes que florescem no jardim do Marketing Eleitoral: campanhas tendem a ser municipalizadas ou a receber inputs Federais? Micropolítica - política das pequenas coisas - ou macropolítica, temáticas abrangentes? O discurso da forma (estética) suplantará o discurso semântico? Campanhas privilegiarão pequenas ou grandes concentrações? Qual é o papel das entidades de intermediação social (associações, movimentos, sindicatos, Federações, clubes, etc.)?

Respostas

Telegráficas respostas: 1) Ambiente geral - estado geral de satisfação/insatisfação - adentra esfera regional/local (temas locais darão o tom, mas a temperatura ambiental será sentida); 2) Micropolítica, escopo que diz respeito ao bolso e a saúde, estará no centro dos debates; 3) O discurso semântico - propostas concretas e viáveis - suplantará a cosmética; 4) Pequenas concentrações, em série, gerarão mais efeito que grandes concentrações; 5) Organizações sociais mobilizarão eleitorado.