Abro a coluna com a Paraíba.
O médico João Izidro
João Izidro, pai do amigo Carlos Alberto e do psiquiatra-escritor Luis Carlos, era pediatra, clínico geral e sábio. Atendia famílias de todos os recantos dos fundões da Paraíba. Sua clientela incluía Luís Gomes, cidade do Rio Grande do Norte na fronteira com a Paraíba, onde este escriba nasceu e de onde, do alto da serra, contemplava Uiraúna, terra de Luiza Erundina. Um dia, em Cajazeiras, sua cidade, atendeu a uma velhinha que se queixava de "incômodo em todo o corpo". Fez as perguntas tradicionais:
- A senhora tosse?
- Às vezes, sim, às vezes, não.
- A senhora tem dor de cabeça?
- Às vezes, sim, às vezes, não.
- A senhora sente febre?
- Às vezes, sim, às vezes, não.
Paciente, o médico botou os óculos e escreveu a receita:
- Pegue a receita, minha senhora. Pode ir, a senhora vai melhorar.
A velhinha pegou a receita e tascou a pergunta:
- Doutor, e esse remédio, hein, como é que eu tomo?
A resposta do João veio no mesmo tom da voz da velhinha:
- Tome o remédio às vezes, sim, às vezes, não.
Brasil no fundo
O pior aconteceu. Dizem que o Brasil abriu esta última sessão da ONU sob a maior vergonha de sua história na organização. Como é sabido, o Brasil presidiu a primeira sessão da Assembleia e a segunda sessão ordinária no mesmo ano. A fala inicial do Brasil cumpre uma tradição de 1947, quando o diplomata Oswaldo Aranha presidiu a Assembleia em dois momentos. Primeiro, entre abril e maio, quando o Reino Unido solicitou uma convocação extraordinária para discutir o status da Palestina, que desde o fim da Primeira Guerra Mundial estava sob um mandato britânico. E, depois, em novembro de 1947, quando esteve à frente da 3ª Assembleia Geral das Nações Unidas que discutiu e aprovou a criação do Estado de Israel.
A ONU
A Organização das Nações Unidas foi fundada em 24 de outubro de 1945 para trabalhar pela paz e desenvolvimento após ratificação da Carta das Nações Unidas pela China, Estados Unidos, França, Reino Unido e a ex-União Soviética, bem como pela maioria dos signatários. A Carta das Nações Unidas foi elaborada pelos representantes de 50 países presentes à Conferência sobre Organização Internacional que se reuniu em São Francisco de 25 de abril a 26 de junho de 1945. A Polônia, também um membro original da ONU, assinou o documento dois meses depois. A primeira reunião da Assembleia Geral ocorreu em Londres, em 1946, quando foi definido que a sede permanente seria nos Estados Unidos e que a comunicação se daria em seis idiomas oficiais: inglês, francês, espanhol, árabe, chinês e russo. Os Estados Unidos, o anfitrião, é o segundo a falar. Para todos os outros países, a ordem de discurso é baseada no nível de representação, preferência e outros critérios.
Oswaldo Aranha
Nos dias anteriores à sessão da ONU que aprovou a partilha da Palestina histórica em um Estado judaico e outro árabe, o ministro brasileiro também se mobilizou para garantir que a votação não fosse adiada. O Brasil apoiava a solução de dois Estados e era contra os argumentos de que os árabes eram maioria na região. Oswaldo Euclides de Souza Aranha nasceu em Alegrete no Rio Grande do Sul, em 15 de fevereiro de 1884. Formou-se pela Faculdade de Direito do Rio de Janeiro no ano de 1916. Participou ativamente nas articulações para depor o presidente Washington Luís e colocar Getúlio Vargas no poder através da Revolução de 1930. Tornou-se ministro da Justiça e da Fazenda em 1931, foi embaixador em Washington entre 1933 e 1937 e ministro das Relações Exteriores de 1938 a 1944.
Versões e mentiras
O pano de fundo da história da ONU acaba de receber uma camada de lama, lodo e sujeira. E o responsável foi o presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, que cumpriu o cerimonial de abertura, mas fez um discurso considerado mentiroso e cheio de versões estapafúrdias. Pregou remédios considerados ineficazes para tratamento da Covid-19, encheu a economia brasileira de dados sem lastro com a verdade, foi proibido de circular em Nova Iorque por não ter se vacinado, comeu pizza na rua e um churrasco no puxadinho de uma churrascaria brasileira, única maneira de comer em restaurante (aberto, ao ar livre), enfim, pregando sandices para sua bases radicais. Não prestigiou o concerto das Nações, desprezando as audiências de 193 Nações.
Uma vergonha
Os comentaristas internacionais são unânimes: foi uma vergonha. Os brasileiros que moram na cidade atestam diante das câmaras de TV: nunca passaram vergonha igual. E o país ainda passou o dissabor de ver um Bolsonaro hilário, tirando gozação com o primeiro ministro britânico, Boris Johnson. Pelo fato de este ter tomado duas doses de astraZeneca. Bolsonaro, negando sua vacinação, apontou negativamente com o dedo para o ombro, a dizer: aqui, não.
A estética bolsonarista
Para acentuar o isolacionismo, a equipe que acompanhou o presidente fez um desempenho estético que deixará suas marcas de deboche, desrespeito e vergonha: o ministro da Saúde, um paraibano que deveria respeitar os cânones de Hipócrates, mostrou o dedão do meio replicando as vaias que a comitiva tomava ao entrar no hotel; já o ministro das Relações Exteriores, o chanceler, fez o famoso gesto da "arminha", símbolo das armas matadoras que são usadas pelos bolsonaristas radicais, a partir de seu principal propagador, o filho 02, o deputado Eduardo Bolsonaro. Um show de estética com jeitão de símbolo de desprezo pelos circunstantes.
O efeito de tudo isso?
O de um tsunami devastador de princípios, ideias, valores, verdade. Os destroços permanecerão no meio social por muito tempo a lembrar o tufão que arrebentou os limites do bom senso. E Bolsonaro comanda todo esse espetáculo horroroso, depois de ter se comprometido, em carta à Nação, a ser um moderado à procura de paz e do bom senso. A carta, que teve a inspiração de Michel Temer, acaba de ser jogada na lata de lixo. Como acreditar em uma pessoa com essa índole traiçoeira?
Covid-19
O relatório da Covid-19 virá na próxima semana. É o que promete o senador Renan Calheiros. Repleto de acusações de crime, incluindo a figura do presidente da República. Noutros contextos, teria condição de ir longe. Hoje, será arquivado por Arthur Lira e pelo PGR. Cada tempo com seu peso. Cada ave com sua pena.
Os senadores
Ganham um ponto na régua do seu tamanho. Principalmente aqueles que ganharam destaque e visibilidade.
Doria e as vacinas
Falem de João Doria aqueles que não simpatizam com o fato de ser muito centrado nas coisas a que tem se dedicado. Mas não fosse o governador paulista, o país ainda estaria engatinhando em matéria de vacina. João foi, sim, o maior patrocinador da vacinação em massa e da vacina Coronavac, do Butantan. João é um sujeito determinado. E não teve, ainda, o reconhecimento que merece.
Equipe
E ainda reuniu o governador de São Paulo uma das melhores equipes de gestão do país.
Uma espada e ramos de café
Quem vai ao Palácio dos Bandeirantes, encontra no Salão Nobre, cravado em madeira, o brasão do Estado: uma espada longa cercada por dois modestos ramos de café. Emoldurado pelo dístico:
- Pro-Brasilia fiant eximia. (Façam-se as melhores coisas pelo Brasil).
Que a maior parte dos leitores costuma assim traduzir:
- João Doria fazendo exame para Brasília.
O espírito do tempo
Tempo sem alegria; tempo de resgate da vida normal; tempo de urgências; tempo de reavivamento das coisas que eram boas; tempo de novas poesias, novos cantos, novos humores. Tempo de meditar.
Fecho a coluna com os hereges.
Dez truques
Dez truques dos hereges para responder sem confessar:
1) O primeiro consiste em responder de maneira ambígua.
2) O segundo truque consiste em responder acrescentando uma condição.
3) O terceiro truque consiste em inverter a pergunta.
4) O quarto truque consiste em se fingir de surpreso.
5) O quinto truque consiste em mudar as palavras da pergunta.
6) O sexto truque consiste numa clara deturpação das palavras.
7) O sétimo truque consiste numa autojustificação.
8) O oitavo truque consiste em fingir uma súbita debilidade física.
9) O nono truque consiste em simular idiotice ou demência.
10) O décimo truque consiste em se dar ares de santidade.
(Manual dos Inquisidores - escrito por Nicolau Eymerich em 1376. Revisto e ampliado em 1578 por Francisco de La Peña)