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Porandubas nº 731

quinta-feira, 16 de setembro de 2021

Atualizado às 08:02

A coluna de hoje tem uma proposta diferente. Propõe-se a interpretar o que ocorrerá na nossa política usando os instintos básicos do ser humano, sob o olhar compenetrado de Pavlov. Peço sua leitura. Deixo a historinha para o final.

Os 4 impulsos

Vamos tentar fazer uma leitura da política, usando ferramentas outras que as adotadas pela ciência política em seu dia a dia, principalmente os mecanismos clássicos da política, como ideários, partidos, eleitores, oposições, fatores como economia e circunstâncias temporais. Vamos fazer aquilo que um ou outro cientista político, com olhar mais agudo, avoca como elementos da neurociência, como o faz o nosso conhecido expert em pesquisas Antônio Lavareda. Vou tentar compor a moldura da política, a partir dos quatro instintos básicos do ser humano, estudados por Pavlov e descritos pelo russo Sergei Tchakhotine, que partiu dessa base para estudar o perfil e o percurso de Hitler.

Reflexos condicionados

Nas experiências de Pavlov, em laboratório, para que os reflexos condicionados pudessem se formar nos cães e gerar efeitos, era preciso que certas condições se efetivassem: o meio biológico, o lugar, o tempo, as características hereditárias dos indivíduos sujeitos às experiências. A cultura nazista abrigava tais fatores. Hitler encarnava certos complexos profundos do povo alemão, principalmente da classe média. Tinha necessidade de lidar com as massas em um nível inferior, quando, trabalhando sobre as condições fisiológicas, fazia mergulhar as multidões em estados quase hipnóticos. Dominava as massas pela violência psíquica. A propaganda nazista nada mais era do que a exploração da doutrina de Pavlov sobre reflexos condicionados.

Os mecanismos

Para entender os mecanismos que agem sobre o discurso político, vejamos, então, o que Tchakhotine, doutor em Ciências, expõe em Mistificação das Massas pela Propaganda Política, onde descreve de maneira exaustiva os mecanismos que formam a base dos métodos e ações usadas no processo manipulativo. Parte ele das teorias objetivas de I.P. Pavlov (1849-1936), pai da Escola russa. A teoria dos reflexos condicionados foi esboçada a partir da experiência feita por Pavlov com cães. Ao se alimentar um cão, sua saliva escorre automaticamente, um reflexo inato. Se um cão ouve o som de uma campainha, não salivará. Porém, se há uma sincronização entre os dois fatos, a alimentação e a excitação sonora, repetida 50 ou mais vezes, o som da campainha, mexendo com o sistema nervoso do cão, provoca nele salivação. Um  reflexo, artificial ou temporário, se forma, o que Pavlov chama de reflexo condicionado. E isso vai ocorrer, combinando-se o som da campainha com a entrega do alimento.

6 fenômenos

O cientista russo relaciona seis fenômenos inerentes ao comportamento dos animais superiores: 1. A excitação; 2. A inibição; 3. O deslocamento da inibição; 4. A indução recíproca da excitação sobre a inibição ou a inibição sobre a excitação; 5. A formação e destruição das vias que ligam, entre si, as diferentes regiões do sistema nervoso e 6. Os processos de análise que decompõem os mundos exterior e interior em seus elementos. Sob essa teia de hipóteses, Pavlov estudou a hipnose e a sugestão, os reflexos de imitação, o estado de sonolência provocado pela inibição que se irradia sobre toda a superfície cortical, os reflexos de fim e de liberdade, até chegar ao estudo sobre as diferenças de caráter. Chegou, então, a forma de excitação pela palavra. Sob uma emoção profunda, uma pessoa atingida por uma palavra imperativa, uma ordem, que "se torna irresistível, graças à irradiação em todo o córtex da inibição por ela causada". Esses mecanismos psíquicos afetam principalmente os mais ignorantes, que se curvam facilmente às sugestões. Daí podemos aduzir como as massas se dobram ao discurso político.

Os 4 instintos básicos

Para completar a compreensão sobre a força do discurso político, a moldura se completa com os quatro impulsos inatos aos seres vivos. Analisando as reações do comportamento, Pavlov usa o exemplo da ameba. Ela foge do perigo, absorve alimentos, multiplica-se, forma quistos dentro dos quais se multiplica em um enxame de pequenas amebas. Por aí, podemos ter a primeira resposta para a questão da metáfora de guerra, tão do gosto dos indivíduos. As pessoas, como as amebas, procuram evitar o perigo e preservar sua espécie. A natureza procura conservar a vida, de acordo com dois grandes princípios: o do soma e o do gérmen. O primeiro, o indivíduo, conduz o segundo, a espécie; o primeiro é mortal, descontínuo, e o segundo é imortal, contínuo. Para preservar o indivíduo do aniquilamento, antes que tenha cumprido a tarefa de transmitir o gérmen da espécie, a natureza o dotou de dois mecanismos especiais; e da mesma forma, para a preservação da espécie, proporcionou dois mecanismos.

Instintos combativo e nutritivo

Para sua conservação, o indivíduo se vale de dois instintos fundamentais: o instinto de defesa ou combativo e o instinto de nutrição. O primeiro impulso é o mais importante, eis que a pessoa, para se conservar, luta contra o perigo, se defende, ataca, procura afastar as ameaças, prevenir-se contra riscos e morte. Ampara-se no instinto combativo, que é mais imediato que a carência alimentar. É o caso da pandemia do coronavírus. A pessoa faz tudo que está a seu alcance para preservar sua vida. Enfrenta correntes contrárias, grupos, setores politizados. Luta pela sobrevivência, que se completa com a garantia do equilíbrio biológico, a satisfação do corpo, los inputs que consome para ter sua reserva de energia. É o instinto alimentar o segundo. Impulso. São básicos para a conservação do indivíduo.

Sexual e paternal

Já no caso da perpetuação da espécie, entram em ação dois outros mecanismos: o terceiro, que é o impulso sexual, responsável pela reprodução da espécie e o quarto impulso é o paternal, que abriga o conjunto de sentimentos e valores emotivos (a tristeza, a alegria, a felicidade, a solidariedade, a amizade, o companheirismo, o amor filial, o carinho, a integração, a harmonia, o ódio, a vingança etc.). Nesse caso, emergem os valores ligados à família, a tradição, a modernidade contra a tradição. É possível formar reflexos associados ou condicionados, por meio dos impulsos, seja o nutritivo (a experiência da salivação do cachorro), seja por meio dos outros - o combativo, o sexual ou paternal/maternal. Em resumo: a luta pelo poder, a luta pela dominação - do homem contra o homem, do homem contra a natureza, do homem contra os sistemas institucionais - estão na base da luta pela sobrevivência e se amparam nas necessidades mais profundas do ser humano, de se conservar e preservar sua espécie. Como as amebas.

Bolsonaro

Desse acervo, extraio minhas inferências: os instintos combativo e nutritivo serão fundamentais para o desenvolvimento do quadro eleitoral no próximo ano. Tanto a pandemia e outros barreiras que dificultam a luta pela sobrevivência como a falta de dinheiro no bolso poderão determinar o sucesso ou insucesso eleitoral dos protagonistas da política. O auxílio assistencial terá a força do Bolsa Família? Os valores conservadores vencerão os apelos da modernidade? A manutenção do "mito" terá mais força que a união das forças de oposição? Surgirá um candidato de terceira via capaz de quebrar a polarização Bolsonaro versus Lula?

Para onde irão os partidos?

Sob esse mesmo feixe de conceitos, podemos inferir que os partidos, em sua maioria, deverão tomar o rumo das possibilidades abertas pelos mecanismos de conservação e perpetuação partidária.

E Lula?

Será dissecado pelas massas eleitorais. Representará o futuro esperançoso ou o passado cheio de curvas no caminho? O mesmo processo de dissecação ocorrerá em relação a outros candidatos.

BO+BA+CO+CA

Por isso, não se assustem leitoras e leitores quando insisto com minha velha equação, que organizei a partir de Pavlov. Bolso cheio (geladeira cheia), Barriga satisfeita, Coração agradecido e Cabeça tendente a votar em quem proporcionou essa equação da esperança e da felicidade.

JK e JQ

Nessa época de piadas contra os governantes, fecho a coluna com uma historinha envolvendo JK e JQ.

Saudação aos presidentes

Juscelino Kubitschek, presidente da República, foi ao Ceará com Armando Falcão, ministro da Justiça. Sebastião Nery conta que Falcão, cearense, levou JK a um desafio de cantadores. Um cego estava lá, com sua viola, gemendo rimas. Juscelino chegou, cumprimentou-o. O cego respondeu na hora:

- Kubitschek, ai, meu Deus, que nome feio. Dele eu só quero o cheque porque do resto ando cheio.

Um ano depois, a mesma cena. Jânio Quadros, presidente, vai a Fortaleza, há um desafio de cantadores. Chega com os óculos grossos e longos bigodes, um cantador o vê, saúda:

- Vou louvar o meu patrão que já vem chegando agora. Engoliu a bicicleta e deixou o guidão de fora.

Nunca mais ninguém levou presidente para ouvir cantador no Ceará.