COLUNAS

  1. Home >
  2. Colunas >
  3. Porandubas Políticas >
  4. Porandubas nº 727

Porandubas nº 727

quarta-feira, 4 de agosto de 2021

Atualizado às 07:54

Abro a coluna com uma historinha de Pernambuco.

Perspectivas e características

Quais as perspectivas que se apresentam ao Brasil nesse contexto de crise entre os Poderes? Confesso que não sei responder. Mas uma historinha de Pernambuco pode nos apresentar as perspectivas.

Luís Pereira, pintor de parede, dormiu com 200 votos e acordou como deputado Federal. Era suplente de Francisco Julião, líder das Ligas Camponesas, em Pernambuco, cassado pela ditadura. Chegou a Brasília de roupa nova e coração vibrando de alegria. Murilo Melo Filho melou o jogo, logo no aeroporto, com a pergunta abrupta:

- Deputado, como vai a situação?

Confuso, nervoso, surpreso, sem saber o que dizer, querendo causar boa impressão tascou:

- As perspectivas são piores do que as características.

Pois é, a esta altura, tem muito deputado imitando Luís Pereira e traçando o panorama do amanhã.

Começo minha análise política com o poema do beco, de Manuel Bandeira.

Que importa a paisagem, a Glória, a baía, a linha do horizonte?
-O que vejo é o beco.

O cachorro louco

Pois é, tentei ver maravilhas. Só vejo o beco. E um beco no início deste mês, considerado também o mês do desgosto e, para outros, o mês do cachorro louco. Lembremos alguns fatos. Em 24 de agosto de 1954, Getúlio deu um tiro no peito. Em 5 de agosto de 1961, Jânio Quadros apresentou sua carta de renúncia. Em 31 de agosto de 1969, uma trombose cerebral afastou da presidência o general Costa e Silva. Em 22 de agosto de 1976, morreu de acidente de carro, ao se dirigir ao Rio de Janeiro, o ex-presidente Juscelino Kubitschek. E, 13 de agosto de 2014, faleceu em acidente aéreo o forte pré-candidato à presidência da República, então presidente do PSB e ex-governador de Pernambuco, Eduardo Campos.

Loucuras

Loucuras de cachorro louco ou ação premeditada para começar a melar, desde já, o processo eleitoral de 2022? A crise entre o Judiciário e o Executivo é grave. E, pela primeira vez, vê-se uma tomada de posição inusitada: um inquérito para investigar o mandatário-mor do país, Jair Bolsonaro. A decisão, por unanimidade, foi tomada pelo TSE, com a participação de nove ministros do STF. A razão: a continuidade das denúncias sem sentido que o presidente tem feito às urnas eletrônicas. Até hoje não apresentou nenhuma prova. O capitão acende fogueiras para queimar o ministro Luís Roberto Barroso, que comanda o TSE. E este Tribunal quer conter o devaneio bolsonarista com um inquérito.

Palavras ao vento

Luiz Fux até havia se reunido com Bolsonaro, dias atrás, para estabelecer um pacto de não agressão. Saíram ambos confiantes. Teceram loas ao encontro. Palavras ao vento. O presidente agora foi jogado no canto do ringue. Um inquérito com aval do Supremo é coisa de alta gravidade. Se os ministros não encontrarem provas de fraudes, como alega o presidente, este será denunciado, podendo, até vir a perder os direitos políticos. Pelo andar da carruagem, esse beabá sobre eleições fraudulentas em 2022, caso não se aprove o voto impresso, é um sinal adiantado de derrota. E um avanço em direção a uma emboscada golpista.

Quantos generais?

Se o presidente quer melar as eleições do próximo ano, deve confiar no poder armado para a tentativa de se manter no Planalto na marra. Tem generais suficientes na ativa para uma empreitada arriscada como essa? Os que estão em seu entorno não terão voz para mobilizar forças. Mas disporiam de forte poder de articulação. Os ministros militares teriam apetite para degustar esse menu? É quase impossível acreditar nessa hipótese. O quase fica por conta da tese de que, na arena da política, nada é impossível. Mas o problema é outro: o Brasil não é uma República de bananas, como lembrou o vice-presidente da República, Hamilton Mourão. O mundo globalizado isolaria o país. E Bolsonaro, em descenso nas pesquisas, não contaria com a maioria da população.

BO+BA+CO+CA

Dinheiro no Bolso, Barriga Cheia, Coração Agradecido, Cabeça votando a favor do patrono da equação. Esta pode ser a manobra bolada pelo presidente para massagear o coração das massas em 2022. Manobra que é a de encher o Bolsa Família com muita grana, a ponto de marcar as mensalidades com a quantia de R$ 600. Um trunfo com jeitão de triunfo. Dinheiro no bolso exerce grande apelo. Assim, o presidente estaria pavimentando sua jornada com um exército ocupando as ruas. Para tanto, os precatórios seriam retalhados e pagos modicamente. Paulo Guedes está nesse jogo.

A índole

O pau que nasce torto não tem jeito morre torto. A índole golpista de Sua Excelência resiste às mutações. Só não sei se foi em um mês de agosto que o capitão liderou movimento, em passado distante, em favor de aumento de proventos para as forças de seu "exército".

A reserva com reserva

Grandes perfis na reserva veem com reserva as curvas e dribles que o presidente tenta dar na Constituição. A conferir.

O trunfo é paus

A política deixou de ser uma unidade autônoma, porquanto passou a depender de mais duas hierarquias: a alta administração do Estado e os negócios. Esse é o feitio dos modernos sistemas democráticos. E é essa modelagem que explica manifestações radicais das massas em quadrantes diferentes do planeta. Busca-se um salvador da pátria, seja ele socialista, populista, liberal, conservador de direita, tecnocrata ou intelectual. Se ele não aparecer, um ditado conhecido dos ditadores poderá emergir: quando nada mais se apresenta, o trunfo é paus. Cá entre nós, leitores, enxergam alguma afinidade com nossa situação política?

Moralização ou desmoralização?

Digamos que a CPI da Covid-19 apresente provas plausíveis de má gestão da res publica. Digamos que o inquérito do TSE também apresente provas de que as urnas eletrônicas são confiáveis. E que, entre os nomes arrolados no capítulo da irresponsabilidade, conste a figura do nosso mandatário-mor. Será ele punido? Escapará pelas tangentes? Em jogo estarão os nomes e a respeitabilidade dos julgadores. Este analista já apostou numa pizza gigantesca. Ante esse inquérito do TSE, a conclusão é a de que a imagem (positiva ou negativa) recairá sobre nossas instituições.

Um nome de respeito

General de reserva, Santos Cruz, para quem a confusão criada por Bolsonaro com urna eletrônica é deliberada.

Nomes que crescem

Senadores Omar Aziz, Otto Alencar, Alessandro Vieira e Simone Tebet; prefeito Alexandre Kalil, Gilberto Kassab, Centrão.

Nomes que perdem fama

Sergio Moro, Luiz Mandetta, ACM Neto, ministros de Bolsonaro.

Um tributo

Esta coluna presta suas homenagens a três grandes professores e intelectuais, eixos do pensamento político nacional: José Arthur Giannotti, Leôncio Martins Rodrigues e Francisco Weffort.

A confiança nas instituições

Desde os anos 1960, a confiança nas instituições da modernidade despencou, e a segunda metade do século XXI viu a ascensão de movimentos populistas que repudiam com estardalhaço os ideais do Iluminismo. Eles são tribalistas em vez de cosmopolitas, autoritários em vez de democráticos, desprezam especialistas em vez de respeitar o conhecimento e têm saudades de um passado idílico em vez de esperança em um futuro melhor. Steven Pinker, em O Novo Iluminismo

A velha questão fiscal

Nossa democracia vive ciclos diferentes. Mas a questão fiscal sempre foi um elo a integrar os tempos. Enterramos uma história pontilhada de excessos fiscais e monetários, desde os princípios do século XIX, quando importávamos caixões de defuntos vindos da Inglaterra, prontinhos e estofados em veludo, para receber empresários decadentes e burocratas inescrupulosos. Até que enfim, o sonho de Campos Sales realizou-se. Vale lembrar que ele lutou, entre 1898 e 1902, para fazer o saneamento financeiro e estancar a dívida externa brasileira, que chegou às alturas por conta de empréstimos tomados da Inglaterra pelo governo anterior de Prudente de Moraes. Hoje, a questão fiscal tributária continua a formar uma Torre de Babel no entorno dos cofres públicos.

O nosso fardo

Ainda hoje traços de uma população amorfa impregnam nossa identidade, reflexo da carga negativa que paira sobre a fisionomia nacional: a pobreza educacional das massas; a perversa disparidade de renda entre classes; o sistema político resistente às mudanças; o sistema de governo ortodoxo (hiperpresidencialismo de cunho imperial); e a continuidade de mazelas históricas, entre as quais reinam, absolutas, o patrimonialismo e o assistencialismo de caráter paternalista. Sob essa teia esburacada, a concentração de forças permanece sob a égide do Estado todo-poderoso, bem visível na função de cobrador de impostos, eixo repressor (policialesco), distribuidor de favores e com poder de definir os destinos da sociedade.

Fecho a coluna com um causo das Minas Gerais.

Engano de segundo grau

31 de março de 1964. Benedito Valadares se encontra com José Maria Alkmin e Olavo Drummond no aeroporto de Belo Horizonte:

- Alkmin, para onde você vai?

- Para Brasília.

- Para Brasília, ah, sim, muito bem, para Brasília.

Os três saem andando para o cafezinho, enquanto Benedito cochicha no ouvido de Drummond:

- O Alkmin está dizendo que vai para Brasília para eu pensar que ele vai para o Rio. Mas ele vai mesmo é para Brasília.

Esse tipo de artimanha é chamado de engano de segundo grau. Quer dizer: engano meu interlocutor, dizendo-lhe a verdade para tirar proveito da sua desconfiança. A primeira historinha é judia e expressa com humor o refinamento a que leva o ocultamento de informações:

"Que sacanagem, o senhor quis fazer-me acreditar que vai a Minsk. Acontece que o senhor vai a Minsk".